segunda-feira, 1 de março de 2021

MEC tem 8,9 mil obras abandonadas pelo país e pode perder R$ 1,1 bilhão, FSP

 Constança Rezende

BRASÍLIA

A despeito dos desafios educacionais de infraestrutura, inclusão e orçamento, o Ministério da Educação pode perder R$ 1,1 bilhão de recursos destinados a obras canceladas.

A CGU (Controladoria-Geral da União) identificou que o montante foi pago desde 2007 para 5.673 obras atualmente canceladas. A CGU vê risco de o dinheiro não voltar para União e ser perdido.

Essas obras representam 64% das obras contratadas sem execução (o restante está paralisada ou inacabada, mas pode ser retomada).

A pasta é o órgão federal com maior volume de construções abandonadas. Hoje, enquanto milhões de crianças e jovens estão fora da sala de aula ou em unidades precárias, há 8.904 obras federais abandonadas, entre creches, escolas, quadras e reformas.

O quadro é resultado de entraves acumulados nos governos Lula, Dilma (PT) e Temer (MDB), e a controladoria aponta deficiência do governo Jair Bolsonaro (sem partido) nos esforços para reaver o dinheiro e retomar obras.

Auditoria do órgão, do fim do ano passado, fala em ausência do MEC, liderado pelo ministro Milton Ribeiro.

"Não se verificam ações de supervisão do Ministério da Educação no que se refere aos problemas das obras inacabadas, canceladas e paralisadas da pasta, não obstante o conhecimento da precariedade das medidas adotadas pelo FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] e o alto risco de prejuízo à União pela ausência de ressarcimento de recursos", diz relatório da CGU.

Folha procurou por mais de duas semanas o MEC e o FNDE, órgão ligado à pasta responsável pelos repasses. Não obteve nenhuma resposta até a conclusão desta reportagem.

Os motivos para o cenário envolvem cancelamentos de despesas federais, falhas na execução de contratos e baixa capacidade de coordenação nacional.

Um dos casos de abandono é o do Colégio Estadual Mansões Odisseia, em Águas Lindas (GO), que deveria atender alunos do ensino médio. O local começou a ser erguido em 2014, no fim do primeiro governo Dilma, e hoje, com 64% da estrutura acabada, é ponto de uso de drogas.

Outra construção, que seria a escola de ensino fundamental Jardim América, no mesmo município, tem salas com crateras e o pátio, tomado por capim, virou pasto para cavalos.

As obras são vinculadas ao governo de Goiás. Em nota, a secretaria de Educação informou que assumiu os contratos e prevê nova licitação no 2º semestre para retomar as obras com recursos próprios.

A pasta afirma que, dos R$ 5,6 milhões recebido a obras canceladas, restituiu quase R$ 3 milhões.


Técnicos do FNDE disseram à Folha que é precário o controle do panorama de obras, de recursos e acerca de possíveis usos do dinheiro de obras canceladas para outros fins por parte de gestores locais. Segundo eles, a suspensão de despesas não executadas nos respectivos exercícios, os chamados restos a pagar, é o maior motivo para os cancelamentos. Isso ocorreu a partir de 2018.

Mesmo que o governo federal consiga o ressarcimento, o dinheiro não retorna para a Educação, e vai para o Tesouro. O Ministério da Economia não respondeu aos questionamentos.

A cidade de Fortaleza teve 109 obras canceladas. "A política local que mais sofreu impacto com essa ação foi a expansão da rede de educação infantil", disse em nota a secretaria de Educação da capital cearense.

A prefeitura informou que, dos R$ 27 milhões recebidos para obras canceladas, 87% foram devolvidos à União.

A ideia do MEC era cancelar apenas obras não iniciadas, mas há 121 construções com esse status mesmo com alguma execução, segundo painel online do ministério.

Das 8.904 obras abandonadas, 744 estão​ paralisadas e 1.944, inacabadas. Houve redução no volume de obras paralisadas desde 2017, mas a quantidade de construções inacabadas saltou 80% no período. "Como causa é apontada a baixa efetividade da ação de retomada das obras inacabadas", diz a CGU.

As obras inacabadas são aquelas interrompidas e com termo de compromisso vencido. Já as paralisadas têm termo vigente.

Do total de abandonadas, 70% estão vinculadas a municípios. O diretor da área de estudos técnicos da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Eduardo Stranz, diz que a burocracia com convênios e contratações, mudanças de mandatos municipais e também dificuldades para manter a oferta de educação infantil colaboram para o cenário.

"Muitas obras foram aprovadas sem cuidado e muito do dinheiro não foi repassado", diz.

"O dinheiro só pode ser usado naquela obra, mas é muito comum que os gestores usem para outras coisas, e as consequências podem ser graves", completa ele, sobre os recursos de obras canceladas, o que ocorre sobretudo em cidades pequenas.

O Brasil tem 6 milhões de crianças de até três anos fora das creches. A taxa de atendimento é de 37%, enquanto a meta do PNE (Plano Nacional de Educação) é chegar a 50% em 2024.

A CGU afirma que a ineficiência do MEC impacta no atingimento das metas do PNE.

Seis em cada dez obras de educação atualmente paralisadas foram conveniadas até 2014, durante gestões do PT. Das em execução, 15% são daquele período. O sistema do MEC soma 15.656 obras concluídas, de convênios desde 2017.

Sob Bolsonaro, 2020 registrou recuo nas matrículas de creches públicas inédito em duas décadas. Os investimentos do MEC nos dois primeiros anos do governo foram os menores desde 2010.

Os gastos com construção de creches nestes dois anos somam R$ 403,7 milhões. Não chegam a metade do gasto em 2015 e 2016, início da gestão passada, mesmo em valores nominais.

O painel de obras indica 346 obras com convênios datados a partir de 2019. Quatro estão paralisadas.

Em Floraí (PR), creche iniciada em 2019 já está interrompida por falta de pagamento à construtora, segundo o sistema. A prefeitura paranaense e a construtora não responderam a reportagem.

Na cidade de São Paulo, a prefeitura teve de investir R$ 109 milhões de recursos próprios para terminar 22 das 78 obras conveniadas com a União.

O descontrole nos repasses fez com que recursos federais chegassem após o término de construções. Assim, o município tem R$ 21 milhões em caixa e, diz a secretaria de Educação, tentará usá-lo em outros projetos. Outros R$ 2,4 milhões estão na conta por conta das 52 obras canceladas na cidade.

Em nota, o ex-ministro Mendonça Filho, do governo Temer, afirmou que herdou grande número de obras atrasadas do governo Dilma mas conseguiu repactuar convênios, regularizar repasses e retomar construções. A gestão, segundo a nota, alterou regra que autorizava transferência de até 70% do valor da obra antes mesmo da licitação.

A reportagem procurou representantes do MEC das gestões Dilma mas não obteve retorno.

Nelson de Sá - Economist e NYT começam a dar as costas para Moro, FSP

 No New York Times, Gaspard Estrada, da Sciences Po, de Paris, escreveu há três semanas sobre aquela que "foi vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história".

Neste final de semana, voltou à carga com uma nova versão, contra "a corrupção do sistema judicial" no Brasil, publicando que "Sergio Moro e procuradores perverteram" instituições para agir acima da lei. "Moro usou métodos em flagrante violação do estado de direito. Como recompensa, recebeu o cargo de ministro da Justiça."

Em suma, "nas últimas semanas, o lado sombrio da Lava Jato foi exposto, desnudado, e se espalhou um profundo desencanto com a chamada justiça de Curitiba".

O ex-juiz Sergio Moro, em foto publicada no NYT sobre 'a corrupção do sistema judicial' no Brasil - AFP

Na Economist desta semana, "o impulso anticorrupção se desfez pela politização da Justiça, de duas maneiras".

Primeiro, "Moro acabou não sendo imparcial. Ele condenou Lula por receber um apartamento na praia. Só que Lula não era o dono nem o usava". Segundo, "com Lula fora da corrida presidencial em 2018, Moro se tornou ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, o vencedor de extrema direita".

Aí "vazaram mensagens mostrando que Moro treinou Deltan Dallagnol, o promotor principal em Curitiba".

BOLSONARO SEM TRUMP

South China Morning Post publicou artigo de Karin Costa Vazquez, especialista em Brics das universidades de Jindal, na Índia, e Fudan, na China, destacando que "a derrota de Trump deixa Bolsonaro reequilibrando as relações com EUA e China".

Ele não deve "mudar substancialmente com Pequim enquanto negocia" com o novo governo em Washington, mas "a longo prazo pode adotar abordagem mais matizada" com a China.

TRUMP COM FOX NEWS

CNN e MSNBC não transmitiram o primeiro discurso de Donald Trump na oposição, mas a Fox News o fez (acima), assim como seus concorrentes na direita, Newsmax e OAN.

Por outro lado, a Fox News destacou que só 55% dos entrevistados na conferência conservadora disseram que Trump é seu preferido para 2024. "Ele está perdendo força", sublinhou Karl Rove, comentarista da emissora e estrategista da ala republicana contrária ao ex-presidente.

Nelson de Sá

Jornalista, publica a coluna Toda Mídia e cobre imprensa e tecnologia


Mathias Alencastro O circo das vacinas, FSP

 A história global da campanha de imunização contra o novo coronavírus ainda vai nos seus primeiros capítulos, mas só o Reino Unido terá um roteiro digno de Hollywood.

Quando a diplomacia das vacinas virou uma realidade em meados do ano passado, Boris Johnson confiou a Kate Bingham, uma capitalista de risco com três décadas de experiência financiando produtos inovadores da indústria farmacêutica, o poder de negociar com os laboratórios em nome de Londres.

A lógica por trás da decisão é simples: um time de burocratas do setor público jamais conseguiria navegar no mercado ultracompetitivo das vacinas em plena pandemia.

Bingham desenhou uma estratégia agressiva baseada na sua relação profissional com executivos de laboratórios, na antecipação de problemas na cadeia de produção, e na criação de um portfólio diversificado de vacinas.

A carta branca do premiê fez toda a diferença. Segundo o seu épico relato para o La Reppublica, “a primeira conversa com os executivos era na quinta, a segunda reunião no sábado, e no fim da semana seguinte nós já tínhamos o rascunho do contrato”.

O resto da história é conhecido. A distribuição das vacinas adquiridas pelo time de Bingham ficou a cargo do National Health Service, um dos sistemas de saúde mais centralizados do mundo.

Com a ajuda de um número incalculável de voluntários, o NHS já vacinou 90% da população com mais de 70 anos.

A receita do sucesso britânico é a aliança entre os planejadores do Estado e os falcões do mercado.

Quando o secretário de comunicação, Fábio Wajngarten, tentou racionalizar a desgraça do governo nesta Folha (“O tamanho e a ordem de grandeza de cada país”, 11/1), ele optou pela comparação absurda entre Brasil e Israel, deixando de lado o caso britânico. Afinal, ele sabe muito bem que o Brasil, em tempos normais, estaria seguindo a estratégia adotada por Londres.

Com a sua tradicional diplomacia multilateral, o Brasil poderia falar com laboratórios asiáticos e ocidentais. O plano nacional de imunização brasileiro faz inveja a muitos países desenvolvidos.

Os atores do setor privado poderiam ajudar a desenhar a estratégia do Estado. Um verdadeiro capitalista nunca teria perdido a oportunidade de disputar no mercado mundial de vacinas.

Mas Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não estiveram à altura de Boris Johnson e Kate Bingham. A incompetência generalizada do governo central provocou uma descentralização selvagem do processo de aquisição de vacinas e de sua distribuição.

Na semana passada, uma mistura de voluntarismo e desespero levou prefeitos de cidades médias a tentarem articular a compra direta dos laboratórios.

Incrivelmente, empresários conhecidos por disseminar as teses de cloroquina também anunciaram uma operação conjunta. Quais são as chances de essas investidas amadoras darem certo? Eles vão conseguir competir com os capitalistas de risco?

Só tem um responsável por esse circo. Bolsonaro quebrou a espinha do Estado no momento em que mais precisávamos. Poderíamos viver como no Reino Unido, mas corremos o risco de morrer como no Paquistão.

Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).