segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Entenda o significado do termo ‘psicodélico’, melhor que ‘alucinógeno’, Marcelo Leite, FSP

 

Quando alguém ouve a palavra “psicodélico”, é quase certo que lhe venha à mente figuras super coloridas, cheias de curvas, motivos geométricos, labirintos fractais, talvez alguns elementos místicos. O vocábulo ficou associado com o estilo característico da “poster art”, a marca mais visível da contracultura dos anos 1960 e 1970.

Trata-se de uma redução indevida. O efeito psicodélico, ou seja, o tipo de experiência mental desencadeada com o consumo de LSD, psilocibina (cogumelos ditos “mágicos”) e DMT (presente na ayahuasca), vai muito além das manifestações visuais, mas estas acabaram por se tornar o símbolo das viagens propiciadas, inclusive para depreciar essas substâncias com o termo “alucinógeno”, que tem algo de pejorativo.

Ver coisas que não existem de verdade, afinal, se parece muito com o que seria um surto psicótico, para o senso comum. A pessoa ficaria “muito louca”. Alucinados, como se diz, usuários cometeriam desatinos como pular de uma janela, atirar o carro num precipício, atacar companheiros transformados em monstros –essa a noção que conservadores proibicionistas trabalharam para colar aos psicodélicos, com razoável sucesso.

Não é bem assim, como sabe quem já os experimentou mais de uma vez. Cores sensacionais na natureza, sim, belezas capazes de levar a pessoa às lágrimas. Enxergar lindas figuras geométricas e caleidoscópicas de olhos fechados, isso é bem comum. Porém, há psiconautas tarimbados que nunca viram, de olhos abertos, seres fantásticos andando pelo mundo.

Ilustração de Rodrigo Visca

Viagens ruins (“bad trips”) acontecem, mas são raras: entre 62% e 74% de usuários de LSD declararam, para uma pesquisa global sobre consumo de drogas, nunca ter passado por uma dessas experiências penosas. Mortes, então, ainda mais incomuns.

Por essas associações espúrias, não simpatizo com o termo “alucinógeno”. Isso embora possa ter um uso bem preciso –LSD, DMT e psilocibina, afinal, podem sim causar alucinações, em especial quando a dose é alta. O leitor o encontrará em mais de uma nota, neste espaço, mas de maneira bem menos frequente que “psicodélico”.

O termo que qualifica a virada no nome do blog foi cunhado no ano em que nasci, 1957, pelo médico britânico Humphry Osmond. Numa troca de cartas com o conterrâneo Aldous Huxley, autor do livro “As Portas da Percepção”, Osmond rejeitou a proposta do escritor de criar a palavra “fanerótimo”, algo como “revelador do espírito”, defendendo a alternativa “psicodélico”. O significado era parecido, “manifestador da mente, ou alma”.

Se o neologismo pegou, foi com razão. A vivência psicodélica envolve muito mais que os “visuais” de que tanto gostavam os hippies brasileiros, ou as “mirações” contempladas por cultuadores da ayahuasca. Pela qualidade mística da experiência que o chá, cogumelos Psilocybe e peiote (mescalina) propiciam em contextos religiosos, há quem prefira o termo “enteógeno” (indutor de êxtase divino ou xamânico, etimologia parecida com a de “entusiasmo”).

Num artigo de revisão de 2017 na revista Neuropharmacology, o pesquisador suíço Matthias Liechti listou os efeitos do LSD descritos em pesquisas ao longo de 25 anos (sim, realizaram-se muitos estudos, antes e depois da proibição, com o composto lisérgico inicialmente distribuído pelo laboratório Sandoz sob a marca Delysid):

– bem-estar

– sinestesia

– alterações da percepção

– despersonalização

– experiências místicas

– sentimento de proximidade com outros

– confiança

– sugestionabilidade

– empatia aumentada

– reação menor a imagens de medo

– resposta emocional aumentada a música

– níveis aumentados dos hormônios cortisol, prolactina e ocitocina

– redução de ansiedade etc.

Alterações mentais observadas em pessoas sob efeito de três doses de LSD, 75, 100 e 200 microgramas, segundo revisão na literatura de Matthias Liechti (Reprodução)

Não admira que LSD e congêneres psicodélicos clássicos como DMT e psilocibina tenham voltado a entrar na mira da pesquisa neurocientífica e psiquiátrica. Assim como o psicodélico não alucinógeno MDMA (base do ecstasy), em estudos experimentais essas drogas –que continuam proibidas, cabe lembrar– têm produzido resultados promissores.

A proposta é usar essas substâncias que reduzem medo e aumentam empatia como adjuvantes para psicoterapia em transtornos como depressão e estresse pós-traumático. Talvez para livrar-se da bagagem contracultural do vocábulo “psicodélico”, houve quem defendesse o emprego do termo “empatógeno” (causador de empatia) para designar o ecstasy, por exemplo, que não dá margem a visuais e alucinações.

Não colou muito. Um dos argumentos contra ele é a semelhança indesejável, ao ouvido do paciente, com “patógeno” (causador de doença), como defendeu David Nichols. O pesquisador americano propõe, em seu lugar, a variante “entactógeno”, para salientar a propriedade de “produzir um contato interior”, ou seja, pôr a pessoa diante de sua própria alma, revelar-lhe os cantos escuros da mente.

Ora, é bem o que “psicodélico” significa. Se era isso que os hippies buscavam, tanto melhor para eles –e, talvez, para seus descendentes, se a renascida ciência psicodélica prosseguir evidenciando que essas substâncias carregam mais benefícios do que faz crer a propaganda alucinada dos proibicionistas.

Dário Saadi (Republicanos) é eleito prefeito de Campinas, FSP

 

RIBEIRÃO PRETO

médico Dário Saadi (Republicanos), 57, foi eleito neste domingo (29) prefeito de Campinas, ao derrotar no segundo turno o deputado estadual Rafa Zimbaldi (PL), 39. Saadi obteve 57,07% dos votos válidos.

A campanha no interior foi marcada pela ausência da figura do governador João Doria (PSDB) até mesmo entre os favoritos.

No primeiro turno, Dário recebeu 121.932 votos na cidade mais populosa do interior paulista (1,2 milhão de habitantes), o equivalente a 25,78% dos votos válidos, ante os 103.397 votos de Zimbaldi, 21,86% do total. Médico urologista, Dário foi vereador em quatro mandatos, além de secretário de Esportes de Campinas. Também foi presidente do hospital Mário Gatti.

O prefeito eleito, que disputou a eleição com o apoio de outros quatro partidos em sua chapa (DEM, MDB, PSB e PSL), também recebeu apoio do atual prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), de quem foi secretário de Esportes.

Apesar do bom relacionamento entre a atual gestão campineira e o governo paulista, Dário preferiu mostrar que tem bom trânsito com Brasília durante a sua campanha. Apresentou, por exemplo, vídeo feito com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Dário Saadi durante campanha em Campinas
Dário Saadi durante campanha em Campinas - Divulgação


Já Zimbaldi contava com outros sete partidos em sua coligação (Solidariedade, PSC, PP, PSDB, PROS, Podemos e Avante).

A campanha em Campinas foi marcada, especialmente na última semana, por troca de farpas envolvendo as candidaturas. Enquanto Zimbaldi dizia que havia duas Campinas, “uma da propaganda eleitoral do Dário e a outra de verdade”, o prefeito eleito pedia que os eleitores comparassem a sua história com a do deputado.

Zimbaldi se aliou ao PSDB de Doria na cidade para fortalecer sua candidatura ao palácio dos Jequitibás. Foi alvo de ataques devido a seu apoio, como deputado estadual, a políticas do governo paulista em tramitação na Assembleia Legislativa. Na campanha, ele afirmou não ser “candidato de ninguém”.

A eleição deste ano em Campinas teve 14 candidaturas registradas no TSE, uma delas a do também médico Pedro Tourinho (PT), 38, que ameaçou a posição de Zimbaldi no segundo turno.

O petista alcançou 20,49% dos votos válidos (96.905 no total, 6.492 a menos que o deputado). Também disputaram a eleição o servidor público Artur Orsi (PSD), 50, que obteve 16,72% dos votos, o empresário Wilson Matos (Patriota), 42, a aposentada Delegada Teresinha (PTB), 64, Alessandra Ribeiro (PC do B), 44, o ex-prefeito Dr. Hélio (PDT), 70, o empresário Rogerio Parada (PRTB), 54, o vereador André Von Zuben (Cidadania), 58, o oceanógrafo Rogerio Menezes (PV), 52, o servidor público Prof. Ahmed Tarique Agio (PMN), 27, a petroleira Laura Leal (PSTU), 44, e Edson Dorta (PCO), 48.


Esper Kallás Os ensinamentos do norte, FSP

 Não resta dúvida que a transmissão do novo coronavírus e os números de casos e mortes da Suécia chamam a atenção do mundo.

Desde a chegada do vírus à Europa, o país seguiu uma estratégia contra a pandemia de Covid-19 bastante distinta do restante do continente. Decidiu adotar a política de enfrentamento sem impor medidas restritivas de mobilidade. Ao contrário, manteve as atividades gerais, com o pressuposto de que o impacto econômico seria menor e os casos de infecção pelo novo coronavírus se esgotariam com o passar do tempo.

De início, tal como previsto, o número de casos tomou dimensões maiores que nos demais países europeus. Houve acúmulo de pacientes nos hospitais e muitos morreram, especialmente aqueles que viviam em locais de acolhimento de idosos, que são especialmente vulneráveis, onde a transmissão acabou facilitada.

O pesadelo durou cerca de quatro meses e meio, quando ocorreu expressiva redução da transmissão, dando sinais de que estava, para o alívio de todos, sob controle.

Muitos especialistas se debruçaram sobre os números do país nórdico, suscitando grande debate sobre a assertividade da ousada estratégia. Até o influente Elon Musk tuitou sobre o assunto, dizendo que a abordagem sueca estava correta e insinuando que as restrições dos outros países teriam sido excessivas.

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Muitos se perguntaram se a quantidade de pessoas que tiveram contato com o vírus no país teria levado a imunidade populacional capaz de bloquear a disseminação do vírus. Todavia, os inquéritos não apontavam uma porcentagem alta de pessoas com anticorpos no sangue. Seriam os testes incapazes de detectar a resposta imune?

A resposta veio poucos meses depois. Junto com outros países europeus, a Suécia passou a sofrer aumento de casos, com velocidade de crescimento ainda maior. O número de casos diários de Covid-19 já bateu quatro vezes o pico observado no primeiro semestre, ainda com tendência de alta. Não há sinais de que a imunidade populacional tenha sido capaz de reduzir a disseminação.

O número de mortes também tem aumentado: embora menos do que foi observado na primeira onda, segue em crescimento, levando o país a desconfortáveis 622 mortes acumuladas por milhão de habitantes —no Brasil estamos em 803— colocando a Suécia no rol de países europeus com alta taxa de mortalidade.

Tudo isso fez com que até mesmo as autoridades suecas admitissem que suas projeções estavam erradas. Em outras palavras, deixar a pandemia seguir sem controle infelizmente não resultou em redução significativa da transmissão.

Agora, o país está revendo sua estratégia. Passou a atuar na redução de aglomerações e no distanciamento social em transportes coletivos, entre outras iniciativas.

A população escandinava seguiu as recomendações, mostrando-se muito mais disciplinada que os povos latinos, inclusive os brasileiros. Ainda assim, medidas restritivas cada vez mais rigorosas seguem aumentando na Suécia, assombrada pelo fantasma da redução progressiva de leitos disponíveis para acolher os mais enfermos.

Fica claro que medidas restritivas, embora sejam um remédio amargo, precisam ser adotadas para evitar a livre disseminação do vírus. Novas tecnologias, incluindo as vacinas, poderão ajudar a aumentar a imunidade populacional e, assim, evitar que o número de casos volte a aumentar. Mas enquanto elas não estão disponíveis e acessíveis para toda a população, os países precisam se preparar para enfrentar possíveis novas ondas de aumento de casos, uma vez que a imunidade populacional levará muito tempo para provocar impacto significativo no controle da pandemia.

Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.