The Economist
02 de maio de 2020 | 05h00
É difícil imaginar hoje o quanto as coisas serão diferentes; a China é um exemplo, voltou, mas com a economia a 90% .
Em muitas situações, 90% é um resultado bom; no caso de uma economia, isso é péssimo, e a China mostra por quê. O país começou a suspender sua quarentena em fevereiro. As fábricas estão ocupadas e as ruas não estão mais vazias. O resultado é a economia a 90%. É melhor do que uma paralisação severa, mas está longe da normalidade. As partes ausentes incluem elementos substanciais do cotidiano. O uso do metrô e dos voos domésticos teve queda de um terço. O gasto do consumidor com supérfluos, como restaurantes, teve queda de 40%, e a ocupação dos hotéis é um terço da habitual. As pessoas se veem pressionadas pela dificuldade econômica e o medo de uma segunda onda da covid-19. O número de recuperações judiciais está aumentando e, de acordo com um corretor, o desemprego é três vezes maior que os números oficiais, na casa dos 20%.
Se o mundo desenvolvido chegar a uma versão própria da economia a 90%, a vida será difícil—ao menos até que uma vacina ou tratamento sejam encontrados. Uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) americano da ordem de 10% seria a maior desde a 2ª Guerra Mundial. Quanto maior o sofrimento causado pela covid-19, mais profundos e duradouros devem ser seus efeitos econômicos, sociais e políticos.
O processo de relaxamento da quarentena em si afetará a escala do estrago econômico. O cálculo do custo-benefício aponta para uma reabertura que começa pelas escolas. Mas, por mais que seja racional a suspensão das restrições, haverá forças poderosas retardando a economia.
Para começar, o fim da quarentena é um processo, e não um acontecimento. Mesmo quando o pior passar, o número de casos cai lentamente. Um mês depois de a Itália alcançar o pico das mortes, na casa das 900 por dia, a mortalidade diária ainda está acima de 300 pessoas. Com a presença do vírus, algumas medidas de distanciamento social devem ser mantidas.
Outro motivo é a incerteza. Depois que a quarentena acabar, há muito a respeito da doença que ainda não saberemos, incluindo as chances de um segundo pico, a questão da imunidade entre os curados e a perspectiva de uma vacina ou cura. Isso inibe aqueles que têm medo da doença. Mesmo enquanto alguns estados relaxam as medidas de distanciamento social, um terço dos americanos diz que não se sentiria a vontade visitando um shopping center. Quando a Alemanha permitiu que as lojas menores abrissem na semana passada, os consumidores não apareceram. Os dinamarqueses em quarentena reduziram em 80% os gastos do lar com serviços como viagens e entretenimento. Os economistas dinamarqueses calculam que os habitantes da vizinha Suécia, onde não foi declarada quarentena, cortaram os gastos na mesma proporção.
Caixa baixo
Muitas empresas emergirão da quarentena com problemas de caixa e balanço patrimonial no limite, encontrando uma situação de baixa demanda. Em levantamento para o Goldman Sachs, quase dois terços dos proprietários de pequenas empresas nos EUA disseram que seu dinheiro acabará em menos de três meses. Na Grã-Bretanha, o número de inquilinos comerciais que atrasaram o pagamento do aluguel teve alta de 30 pontos porcentuais. Essa semana o diretor da Boeing alertou que as viagens aéreas não devem retornar ao patamar de 2019 em menos de dois ou três anos. O investimento, que responde por aproximadamente um quarto do PIB, vai cair, não apenas para preservar o caixa, mas também porque é muito difícil determinar o preço do risco (um dos motivos para acreditar que uma recuperação recente no mercado de ações tenha bases fracas).
As empresas em dificuldade vão aprofundar as preocupações financeiras das pessoas. Mais de um terço dos americanos que participaram de um levantamento disseram à Pew Research que, se perderem sua principal fonte de renda, sua poupança, o acesso ao crédito e a venda de bens poderia sustentá-los por até três meses. Como as indústrias mais atingidas em uma economia a 90% empregam muitas pessoas de salário baixo, o desemprego será alto e os trabalhos casuais serão raros. Mesmo agora, nas cinco maiores economias da Europa, mais de 30 milhões de trabalhadores, um quinto da força de trabalho, estão incluídos em esquemas especiais nos quais o governo paga seus salários. Esses benefícios podem ser generosos, mas ninguém sabe quanto tempo vão durar.
A economia também deve ficar com cicatrizes. As empresas que se adaptarem à covid-19 cortando custos e encontrando novas maneiras de trabalhar podem aumentar sua produtividade. Mas, se as pessoas se misturarem menos após a suspensão da quarentena ou se passarem meses no ócio, acabarão afastadas das redes profissionais e podem perder habilidades. Os desempregados americanos podem se ver diante de uma década perdida. Programas do governo devem salvar as empresas no curto prazo, o que é ótimo. Mas os programas voltados para a manutenção dos empregos correm o risco de criar empresas zumbis que nem prosperam e nem precisam de recuperação judicial, atrasando a reciclagem do capital e da força de trabalho.
Recuperação lenta
Quanto mais o mundo tiver que suportar uma economia a 90%, menor a probabilidade de uma pronta recuperação após a pandemia. Depois da gripe espanhola um século atrás e da SARS há quase duas décadas, o desejo de todos era que a vida voltasse ao normal. Mas nenhuma dessas crises teve um impacto econômico tão grande quanto o da covid-19 e, em 1918, a expectativa dos cidadãos em relação ao governo era mais modesta do que a atual.
Uma recessão longa e profunda vai fomentar a raiva, pois a pandemia apontou para as sociedades ricas um espelho nada elogioso. Lares para idosos mal administrados, alta mortalidade entre as minorias, as demandas adicionais que restringem as trabalhadoras e, especialmente nos EUA, um sistema de saúde inacessível para muitos, são pontos que levarão a pedidos de reforma. O mesmo pode ocorrer quando as pessoas perceberem que um fardo desproporcional foi jogado nas costas das pessoas comuns. Os americanos que ganham menos de US$ 20.000 por ano têm duas vezes mais probabilidade de terem perdido o emprego por causa da covid-19 do que uma pessoa que ganha mais de US$ 80.000. Muito vai depender da velocidade da sua recontratação.
A demanda popular por mudanças pode radicalizar a política ainda mais rapidamente do que o observado após a crise financeira de 2007-09. Para aqueles que acreditam em mercados abertos e governo limitado, o desafio será garantir que essa energia seja canalizada para o tipo certo de mudança. Se a pandemia facilitar as reformas, teremos uma rara oportunidade de redefinir o contrato social para favorecer os excluídos, e recuperar por meio dos impostos, da educação e da regulamentação parte do excedente daqueles que hoje gozam de privilégios inabaláveis. Talvez a pandemia fomente a solidariedade nacional e global. Talvez o sucesso de países como Alemanha e Taiwan, que enfrentaram com relativo sucesso a doença graças à força de suas instituições, contraste com lugares onde populistas exibicionistas gastaram seu tempo fazendo pouco do saber técnico.
Mas tudo isso pode ser uma esperança vã. Nos próximos 18 meses, todos aqueles com seu discurso pronto argumentarão que a pandemia comprova seu ponto de vista. Depois da crise de 2007-09, os políticos fracassaram em lidar com as queixas das pessoas comuns, e a demanda por mudanças levou a uma alta súbita do populismo. A economia a 90% ameaça criar um sofrimento ainda maior. A raiva que decorrerá disso pode alimentar o protecionismo, a xenofobia e a interferência governamental em níveis que não vemos há décadas. Se esse é um resultado indesejável, como considera esse jornal, é preciso que comecemos a propor algo melhor. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL