Eduardo Geraque | Pesquisa para Inovação – Em 2007, Marcelo Sousa, ainda estudante do último ano de física da Universidade Federal do Ceará, peregrinou por alguns hospitais de Fortaleza por causa de uma doença na família. O câncer da avó do futuro físico fez com ele constatasse uma difícil realidade. A tecnologia oferecida ao paciente, segundo ele, era algo do século 19.
“Aquela situação, e mesmo depois do falecimento da minha avó, fez com que eu decidisse que precisava usar a física de uma forma mais aplicada. Naquela época ainda estudava apenas física teórica”, afirma Sousa.
O primeiro passo rumo ao mundo da inovação ocorreu de forma simultânea à decisão de fazer o mestrado. Ele leu como se fosse um romance o livro Física para Ciências Biológicas e Biomédicas, de Emiko Okuno e outros autores, e começou a entender que a fronteira entre a física e a biologia era muito pequena. “Eu escrevi para a autora pedindo para ela me orientar no mestrado. Ela disse que estava aposentada e me indicou um laboratório no Instituto de Física da USP. Lá decidi então que seguiria a área da fotomedicina, um campo praticamente desconhecido”, diz Sousa.
Do mestrado veio o doutorado e, por meio do programa Ciência sem Fronteiras, a possibilidade de estudar em Harvard. O doutorado do físico cearense culminou com a descoberta do fenômeno da fotoneuromodulação. Neste processo, o uso da luz faz com que os neurônios passem a conduzir menos a sensação de dor, o que gera um efeito analgésico na pessoa, sem efeitos colaterais.
O salto entre a pesquisa básica feita durante o doutorado e a inovação tecnológica desenvolvida pela Bright Photomedicine, fundada em novembro de 2014, foi um inocente jogo de futebol, nos Estados Unidos. “Lembro que depois de um racha, no MIT, contei para os amigos sobre a minha pesquisa. Todos foram unânimes em me dizer que eu tinha em mãos um projeto de startup”, lembra Sousa. “Lá, eles têm muito sangue nos olhos quando o tema é inovação tecnológica.”
Segundo ele, entre 2013 e 2014, a imersão no mundo da inovação foi total. “Percebi que era um ambiente que me daria muito mais retorno profissional do que simplesmente seguir a carreira acadêmica tradicional. Aprendi muito, porque as pessoas desse setor têm visões diferentes das dos cientistas. É muito interessante.”
Sobre a pesquisa mais básica feita no doutorado, Sousa e os colaboradores que foram entrando no projeto agregaram tecnologia, algoritmos e big data. Na prática, o que a empresa desenvolve, dentro da fotomedicina, é uma tecnologia em que o médico ou o fisioterapeuta controla a dose e o tipo de luz exata para cada paciente. Nos casos de dores crônicas e severas, essa aplicação de luz tem efeito análogo ao da aplicação de uma droga. “O equipamento em si é simples. Ele pode ser carregado em uma mochila. O nosso diferencial está todo na nuvem. O software que desenvolvemos calcula tudo e indica qual é a dose ideal, considerando tanto a doença quanto o paciente. É um remédio digital.” O algoritmo informa o tempo de aplicação de luz e todas as características físicas da aplicação.
A ideia científica que deu sustentação à startup, em 2015, foi apoiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Em 2017, na fase 2 do programa, a empresa obteve mais recursos para o projeto “Desenvolvimento e validação tecnocientífica de equipamento vestível wearable para fototerapia”.
Além do apoio da FAPESP, a empresa também ganhou outros financiamentos públicos e privados nos últimos quatro anos. Em 2015, a startup foi a vencedora do programa de aceleração da Startup Farm. Em 2019, R$ 1,5 milhão foram captados via Kria, uma das maiores plataformas de investimento on-line do país. No total, 70 investidores privados aportaram um ticket médio de R$ 21 mil na iniciativa. O primeiro protótipo da empresa, segundo Sousa, em 2016, foi o grande divisor de águas na história da Bright.
Com o protocolo para o uso da fotobiomodulação sendo testado clinicamente em pacientes com osteoartrite no joelho no Hospital das Clínicas do Estado de São Paulo, Sousa e todo o time da Bright Photomedicine começam a olhar para outras áreas onde a tecnologia desenvolvida por eles pode ser aplicada.
“Além do efeito analgésico, também estamos pesquisando o uso da luz como anti-inflamatório ou também com ação neurológica, em casos de enxaquecas, depressão, Parkinson ou Alzheimer”, diz Sousa. Segundo ele, apresentações sobre estes próximos passos feitas em workshops internacionais foram bem recebidas pela comunidade científica.
Em tese, o efeito terapêutico da aplicação de luz ocorre devido a reações fotoquímicas no interior das células. Neste processo, os tecidos biológicos produzem remédios endógenos que permitem ao organismo voltar a ficar saudável. O que abre a possibilidade, também, de a tecnologia ser usada na cura de feridas ou em pós-operatórios em geral.
“É um mercado com muito potencial. Nossa tecnologia é única, criamos o remédio digital orgânico, no qual o próprio organismo é estimulado a produzir o remédio. Não temos concorrentes fazendo essa abordagem. Temos um horizonte com oceano azul”, diz Sousa. Atualmente, na expectativa da empresa, milhões de pessoas que sofrem com dores crônicas poderão ser beneficiados pela tecnologia. O fato de ela ser indolor, não invasiva e sem efeitos colaterais aumenta ainda mais o sucesso do negócio.
Com a chegada de outros sócios e executivos na empresa, o físico afirma ter conseguido um privilégio. Em 2019, por enquanto, ele conseguiu trabalhar durante 90% do tempo como cientista. “Isso nem sempre é fácil neste universo da inovação”, afirma. A empresa publicará a eficácia dos resultados quantitativos do ensaio clínico feito no Hospital das Clínicas.
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