quarta-feira, 1 de maio de 2019

Para signatários de manifesto, a base de João Doria quer destruir a autonomia e reduzir os recursos das universidades paulistas, CC


Para signatários de manifesto, a base de João Doria quer destruir a autonomia e reduzir os recursos das universidades paulistas

Por Ana Luiza Basílio e Rodrigo Martins
Em reação à instalação da CPI das Universidades Públicas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, professores e pesquisadores da USP, Unesp e Unicamp lançaram um manifesto de repúdio à iniciativa. Cadastrado na plataforma Change e divulgado em primeira mão por CartaCapital, o texto alerta para a inconstitucionalidade e para o propósito antidemocrático da medida, e segue aberto à adesão de mais apoiadores.
De autoria do deputado Wellington Moura (PRB), vice-líder do governo de João Doria (PSDB) e eleito presidente da comissão, a CPI nasce com o alegado propósito de “investigar irregularidades na gestão das universidades públicas no Estado de São Paulo, em especial quanto à utilização das verbas públicas repassadas a elas”. Em declarações à mídia, parlamentares da bancada governista admitem que o objetivo é apurar o suposto “aparelhamento político” das instituições de ensino pela esquerda. “Vamos analisar como as questões ideológicas estão implicando no orçamento. Eu percebo um predomínio da esquerda nas universidades. Infelizmente, muitos professores levam mais o tema ideológico do que o temático para a sala de aula”, disse Moura ao jornal O Estado de S.Paulo.
Para os signatários do manifesto, a CPI tem caráter vago e sequer se deu ao trabalho de “tipificar crime ou irregularidade a ser investigada”, condição que levou a deputada petista Beth Sahão a apresentar um mandado de segurança contra a sua abertura no último dia 23. “O que está por trás dessa caça às bruxas é algo bem mais palpável que as ideologias de ocasião. O que os deputados governistas desejam é o mesmo que já anunciaram vários dos economistas do primeiro escalão do governo do estado e do País: a desvinculação das verbas destinadas à educação para fazer o quem quiserem com ela. Investimentos que agradem ao todo-podereso mercado, possivelmente!”
O texto observa que a ofensiva contra as instituições de ensino desconsidera o princípio da autonomia universitária, garantido pelo Decreto 29.598/1989, assinado pelo então governador Orestes Quércia. Além de reconhecer a liberdade de cátedra, da gestão pedagógica dos cursos, esse decreto também assegura a autonomia de gestão administrativa e financeira das universidades paulistas. O manifesto alerta para o cerceamento da liberdade de pensamento e expressão.
“A ideia de reprimir cientistas e pensadores que fossem eventualmente de ‘esquerda’, em si mesma, é repugnante e tem de ser repudiada – não pelos que se consideram de esquerda, que, diga-se, nem de longe são maioria na Universidade –, mas por todos que ainda prezam a força do ideal democrático e republicano”, diz o texto. “Não é a esquerda que é atingida com uma aberração parlamentar como essa, mas o próprio coração da democracia, pois se trata de um ato de traição inaceitável por parte de representantes eleitos e legítimos apenas enquanto vige a ideia de democracia”.
Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp e consultor editorial de CartaCapital, o discurso de caça às bruxas serve apenas para camuflar o interesse de reduzir os investimentos no ensino superior público. “Estamos diante da investida de dois governos, Bolsonaro e Doria, que querem fazer o Brasil regredir a um período pré-medieval. Digo isso porque, mesmo na Idade Média, vista como um período de ‘trevas’, a universidade tinha a sua autonomia respeitada, como atesta o historiador francês Jacques Le Goff”, diz Belluzzo, um dos signatários do manifesto, que atuou como secretário de Ciência e Tecnologia do estado de São Paulo durante a gestão de Quércia.
Redigido pelo poeta e linguista Carlos Vogt, ex-reitor da Unicamp, e pelo crítico literário Alcir Pécora, professor-titular na mesma universidade, o manifesto contava com mais de mil assinaturas até o fechamento desta reportagem. No texto, Vogt fez questão de desmentir uma fake news difundida pelo presidente Jair Bolsonaro, a de que as universidades privadas produzem mais pesquisas que as públicas. “Em recente artigo publicado na Folha de S.Paulo, Sabine Righetti, pesquisadora da Unicamp e uma das consultoras do Ranking Universitário da Folha, revelou que as instituições públicas são responsáveis por 90% das feitas no País, e um terço da produção científica nacional está concentrada na USP, na Unesp e na Unicamp. Na verdade, elas estão entre as que mais produzem ciência na América Latina”, enfatiza, em entrevista a CartaCapital. “E qual é a especificidade das universidades paulistas, que a fizeram se sobressair no cenário nacional e internacional? Desde 1989, elas gozam de autonomia financeira por força do decreto de Quércia”.
Entre os signatários, figuram José Tadeu Jorge e Hermano Tavares, ex-reitores da Unicamp, o músico Florisvaldo Menezes Filho e o biólogo Célio Haddad, da Unesp, o sociólogo José de Souza Martins, da USP, o médico Erney Plessmann Camargo, ex-presidente do CNPq, e o cientista Luiz Bevilacqua, pesquisador da USP e ex-reitor da Universidade Federal do ABC.


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