sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Mídia social suplanta TV e expõe 'fraturas na democracia', diz FT, FSP

Em reportagem de página inteira, o Financial Times destaca “Como a mídia social expôs as fraturas na democracia brasileira” (acima). Vê o país como “mais vulnerável a um choque político radical do que talvez qualquer outra democracia no mundo”.
O texto abre com um “guerreiro cultural” de Bolsonaro se vangloriando de “brigas online”, inclusive com o Jornal Nacional —que o FT descreve como “o telejornal mais popular, que antes da era da mídia social exercia o poder de determinar vencedores e perdedores nas eleições brasileiras”.
O jornal sublinha declaração de Marco Aurélio Ruediger, da FGV:
“Você tem uma situação em que as redes sociais estão extremamente polarizadas, e a TV foi enfraquecida como principal veículo através do qual ganhar corações e mentes. O Brasil vai se tornar um caso a ser estudado, que vai reverberar através do mundo, porque as redes são uma força monstruosamente poderosa nesta eleição.”
Após ouvir de Fabrício Benevenuto, da UFMG, que os brasileiros estão vivendo em “universos paralelos”, o FT encerra afirmando que o futuro pode ter chegado “finalmente” ao país do futuro, mas na forma de uma “profunda distopia”.

DEMOCRACIA A SALVO

O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda, professor da New York University, voltou a escrever sobre o Brasil, agora em coluna distribuída pelo Project Syndicate. Em suma, diz que “a interpretação estrita” que levou o Supremo a “banir o ex-presidente Lula da eleição pode abrir o caminho para um resultado que subverta o estado de direito —e derrube com ele a democracia”. No final, é ainda mais direto:
“Se dependesse de mim, eu teria permitido que Lula participasse, assegurando que a democracia do Brasil estivesse a salvo de Bolsonaro.”

SINISTRO

O ator e apresentador inglês Stephen Fry gravou um vídeo compartilhado em mídia social pelo BuzzFeed (acima), ecoando por Guardian e outros, em que descreve Bolsonaro como “genuinamente aterrorizante”. Fry entrevistou o brasileiro em 2013 para a BBC, no que lembra como “um dos confrontos mais sinistros que já tive com um ser humano”.

REALITY SHOW

Na home do Guardian, “Bolsonaro lidera corrida presidencial do Brasil da cama do hospital”. Diz que o candidato “jogou sabiamente com suas cartas políticas desde o esfaqueamento, transformando seu exílio forçado da campanha num reality show que garantiu a ele lugar nas primeiras páginas, dia após dia”.

HADDAD LÁ

O candidato petista deu entrevistas para Wire e a esquerdista Jacobin, esta com sua foto, o enunciado “O próximo presidente do Brasil” (acima) e o alerta, na apresentação, de que pode “depender dele a preservação da democracia brasileira”.
A Wire, que repercutiu por Vox e outros, também deixa claro de que lado está, sob o título “Ódio ou esperança: Em uma eleição amarga, o Brasil luta por sua alma e sua democracia”.

BRAÇO LONGO

FT e Wall Street Journal chegaram a dar em manchete que a “Petrobras pagará US$ 853 milhões para resolver acusações de suborno”. Diferentemente da cobertura de acordo semelhante em janeiro, quando o WSJ foi atrás de questionamentos à decisão da estatal, agora só se ouviram elogios, de analistas brasileiros de XP e Eleven.
E texto de opinião da Reuters festejou abertamente “o longo braço da Justiça americana”.

‘O CORAÇÃO DO BRASIL E DO MUNDO’

No New York Times, artigo de dois ambientalistas vê "a Amazônia à beira" do colapso (acima). Em enunciado logo abaixo, "Antes um líder na proteção das vastas florestas da região, o Brasil agora está se movendo na direção contrária".
Nelson de Sá
Jornalista, foi editor da Ilustrada.

Yacoff Sarkovas, O ativismo empresarial na política, FSP

Foco é interesse público, e não o de obter benefícios

Yacoff Sarkovas, em estreia da peça "Agora Eu Vou Ficar Bonita", em São Paulo, em 2015 - Bruno Poletti - 2.out.15/Folhapress
Neste cenário eleitoral assombroso, é possível encontrar aspectos promissores. Um deles é o ativismo político de um segmento de empresários e executivos. Seu foco é o interesse público, e não a obtenção de benefícios para seus negócios, como reza a tradição patrimonialista tupiniquim.
O fenômeno remete aos primeiros anos da redemocratização. Em 1987, finda a ditadura militar de triste memória, novas lideranças da indústria paulista, como Oded Grajew, Emerson Kapaz, Salo Seibel, Joseph Couri, Paulo Butori, Adauto Ponte, Eduardo Capobianco, Helio Mattar e Sergio Mindlin, decidem participar mais diretamente da vida política do país, entendendo que a agenda das entidades empresariais convencionais era corporativista e não abarcava temas econômicos, sociais e políticos pertinentes ao momento democrático.

Nascia o PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais). Cidadania, democracia, distribuição de renda, abuso de poder econômico e respeito à diversidade entravam na agenda da iniciativa privada de um provável Brasil moderno.
Paralelamente, a filantropia passava a adotar o conceito de investimento social privado. Um marco foi a criação da GIFE, em 1989, rede de fundações, institutos e empresas. Desde então, os recursos privados para propósitos sociais, hoje superiores a R$ 3 bilhões/ano, evoluíram do assistencialismo para modelos de políticas públicas, ampliando a qualidade, o impacto e a extensão dos benefícios sociais gerados.
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A onda seguinte foi marcada pela criação do Instituto Ethos, em 1998, que qualificou e impulsionou o conceito de responsabilidade social empresarial. Ganhava força a ideia de que as empresas não devem somente gerar retorno financeiro aos seus acionistas (shareholders), mas também compartilhar valor com os demais públicos interessados (stakeholders), cadeia que se inicia com os colaboradores e passa pelos clientes, fornecedores, governo, ONGs e as comunidades com as quais as organizações interagem.
A consequente incorporação paulatina da sustentabilidade nas estratégias de negócio, com seus princípios de equilíbrio entre resultados financeiros, sociais e ambientais, aproximou mais os objetivos empresariais do bem comum. Isso impulsionou modelos e conceitos como valor compartilhado, economia circular, empresa B, empresa de impacto socioambiental positivo, capitalismo consciente, entre outros.
Tudo isso transcorreu, até então, ao largo da política, o principal locus do interesse público. Por quê?
Muitos líderes empresariais reproduzem o senso comum: consideram-na um território infectado por corrupção, clientelismo e compadrio —o que é fato— onde não há espaço para “gente de bem” —o que é falso. Outros temem ter suas empresas punidas por assumir posições políticas, num país com um Estado mastodôntico na economia e detentor de uma máquina burocrática capaz de mandar até anjos imaculados para o inferno, aplicando seu emaranhado de normas e trâmites legais ambíguos.
Nesse contexto, a candidatura de Antônio Ermírio de Moraes, da Votorantim, ao governo paulista, em 1986, foi um ato heroico isolado. Obteve grande votação, mas ficou em segundo lugar. Perdeu, emblematicamente, para Orestes Quércia. Saiu da experiência decidido a não repeti-la. Preferiu canalizar seus ideais e aprendizados para a dramaturgia. Escreveu e produziu três peças de teatro: Brasil S.A., Acorda Brasil e S.O.S Brasil. Passados quatro anos de sua morte, a Votorantim agora comemora um século de fundação lançando o Guia do Voto, um aplicativo de fomento do voto consciente.
Em 2010, outro empresário consagrado repete a experiência. Guilherme Leal, sócio da Natura e um dos líderes da criação do Ethos, torna-se candidato a vice de Marina Silva e também um dos principais financiadores da campanha. Como Antônio Ermírio, Leal saiu do front eleitoral para não voltar. Direcionou seu aprendizado e espirito cívico para a formação de políticos descontaminados da velha política: articulou a criação da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, em 2012).
Desde então, a Raps vem selecionando, formando, apoiando e monitorando lideranças políticas comprometidas com preceitos da sustentabilidade. A instituição tem hoje quase 600 membros espalhados pelo Brasil, mais de uma centena deles com mandatos eletivos ou em funções nomeadas. Nas eleições de outubro, terá 149 candidatos concorrendo por 26 partidos diferentes, comprovando que a iniciativa é guiada mais por valores do que ideologias.
A ação pioneira da Raps se desdobrou. Surgiram movimentos como o RenovaBR, Agora!, Acredito e MVA, que buscam também formar novas lideranças, engajar cidadãos em questões públicas e/ou conscientizá-los sobre a importância do voto e, portanto, da política.
No percurso, vale registrar outro personagem emblemático: Jorge Paulo Lemann, o empresário mais rico do Brasil, pela Forbes. Após décadas de profissão de fé estrita no mercado, Lemann declarou, em 2016: “Passei a vida fugindo da política. Acho isso errado. Os jovens que têm vocação devem agarrar a oportunidade. É isso que fará diferença no Brasil”. Desde então, estimula as lideranças formadas pela Estudar —fundação que financia e que oferece bolsas em universidades estrangeiras de ponta— para se aprofundarem na política para "transformar o Brasil". Neste ano, seis ex-bolsistas da instituição concorrerão a cargos de deputado e governador por diferentes partidos.
A onda de civismo empresarial expôs novamente sua face em agosto, no fórum “Você Muda o Brasil”, organizado por empresários e CEOs de expressão como Walter Schalka (Suzano), Pedro Passos (Natura), Luiza Trajano (Magazine Luiza), Paulo Kakinoff (Gol), Rubens Menin (MRV), Jefferson De Paula (ArcelorMittal), Pedro Wongtschowski (Ultra), Salim Mattar (Localiza) e outros profissionais e acadêmicos. Eles se reúnem há mais de dois anos para “refletir produtivamente sobre ética, cidadania e os desafios do país”. Como outros movimentos, o grupo tem por norma não ter engajamento partidário.
Enfoque distinto de João Amoêdo —​ex-vice-presidente do Unibanco e hoje personagem mais visível do ativismo empresarial—, que liderou a fundação do Partido Novo, em 2010, e é candidato à Presidência com uma agenda liberal.
É certo que a onda de engajamento político não se restringe a empresários e altos executivos. Faz parte de um processo mais amplo, provável consequência da explosão nas ruas, iniciada em 2013. Uma pulsão da sociedade civil brasileira que aflora a consciência de que não há solução democrática fora da política.
Com razão, muito se fala da omissão histórica das nossas elites em relação à absurda iniquidade social do país. Por isso, é importante reconhecer quando parte dela deixa de se eximir.
Yacoff Sarkovas
Empreendedor autodidata, ex-sócio e presidente da agência de relações públicas Edelman Brasil; presidente da Sarkovas Consultoria

Hélio Schwartsman Uma eleição anormal. FSP

Em eleições normais, as candidaturas mais radicais pela esquerda e pela direita se anulam, favorecendo postulantes mais ao centro. A julgar pelas últimas pesquisas, o pleito presidencial da próxima semana não será normal.
Se não houver mudanças de última hora, teremos um segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL), um genuíno representante da extrema direita, e Fernando Haddad, que concorre por um partido mainstream, o PT, mas que chega com um discurso radicalizado, declarando-se vítima de um complô imaginário. 
Por que? O que aconteceu que fez com que a disputa deste ano rompesse uma tendência observada nas quatro últimas eleições brasileiras e em centenas de outros pleitos majoritários ao redor do mundo?
Talvez tenhamos sucumbido ao que a literatura psicológica chama de patologias do pensamento de grupo, que ocorrem quando o desejo de uma dada comunidade por harmonia e entendimento deixa de ser avaliado criticamente e degenera em decisões coletivas disfuncionais.
Essas patologias assumem várias formas. Uma é a polarização. Junte um punhado de gente com opiniões semelhantes, deixe-os conversando por um tempo e o grupo sairá com convicções mais parecidas e mais radicais.
Outra manifestação é a animosidade. Se você puser um corintiano e um palmeirense para discutir futebol numa sala, eles discordarão, mas se tratarão com civilidade. Entretanto, se você colocar cem de cada lado, aumentam as chances de que se troquem socos, pontapés e até facadas.
Há, ainda, a conformidade. Grupos tendem a suprimir o dissenso. Censuram dúvidas que membros possam nutrir e ignoram evidências que contrariem seus dogmas. Esse elemento transforma nosso debate eleitoral numa sucessão de monólogos imunes a quaisquer evidências.
É tênue a linha que separa a sabedoria das multidões da alucinação coletiva.


Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".