domingo, 5 de agosto de 2018

Agosto Exclusão de Lula pode pôr a democracia em risco, FSP

Com cabos de vassoura, paralelepípedos e barras de ferro, o grupo avançou pela rua e parou em frente a uma loja de carros importados. Entraram quebrando tudo: vitrines, para-choques, estofados.

Uma centena de metros antes, tinham atacado uma cervejaria estrangeira. A raiva explodira e deixava um rastro de destruição. Inconformados, incrédulos, desesperados percorriam a cidade. Uns berravam; outros choravam.

Era o que meu avô contava daquele agosto. Pelo rádio, a "Carta Testamento" trouxe a denúncia sobre o complô promovido por grupos internacionais e seus aliados internos. Expôs ataques à Petrobras, à Eletrobras e às leis trabalhistas.

Isso em 1954.

A morte de Getúlio Vargas adiou o golpe por dez anos, costumam apontar os historiadores. Pois cá estamos, em 2018, no meio de um golpe que ainda tenta derrotar a Petrobras, a Eletrobras, as leis trabalhistas. Além delas, outras conquistas de muitas décadas estão na mira: a Embraer, o SUS, o BNDES, os programas sociais, a educação universal.

Marielle e Anderson são assassinados. Violência e preconceito crescem. A mortalidade infantil aumenta. O desemprego, o desassossego e a desesperança campeiam. O retrocesso civilizatório é amplo, geral e irrestrito. Cotidianamente, a democracia e a soberania são enxovalhadas.

De costas para tudo isso, uma parte do empresariado não tem constrangimento em flertar e apoiar um candidato que defende o assassinato de pobres. Ignorando princípios básicos da civilização pós-iluminista, promovem encontros de olho apenas nos seus rendimentos de curto prazo. 
Herdeiros de grandes nomes da burguesia se alinham a arrivistas para cortejar quem quer que diga defender os seus ganhos. A direita —que gosta de ser chamada de centro e que alimenta o fascismo— reza para que o tempo de TV seja a salvação da lavoura, da sua lavoura, claro.

Há uma complicação inexorável para a direita: o voto universal. Coisa que os alardeados mercados não cansam de dizer que causa "tumulto", "incerteza", "imprevisibilidade". Para eles, seria melhor que não houvesse eleição.

Assim, seguiria, sem maiores percalços, o ataque aos fundos públicos, ao Estado. E a entrega de patrimônio construído por décadas. E o alinhamento subserviente ao Norte. 

Ocorre que o líder nas pesquisas está preso. Um processo questionado por renomados juristas é instrumento para deixá-lo de fora da disputa —que poderia vencer até em primeiro turno.

A direita finge que Lula não existe, que é carta fora do baralho, que deve abandonar o jogo e indicar um substituto. Já quando ele foi preso, obituários encheram páginas e páginas, decretando o fim de um mito.

Mas, até agora, a maior parcela dos eleitores está com ele. Votar em um preso, nessa conjuntura, significa um protesto, uma revolta silenciosa, uma forma de derrubar, pela via eleitoral e legal, a malta que saqueia o país e seus cidadãos. Nada a ver com letargia. É uma ideia de futuro que move os eleitores.

O que ninguém sabe é o que vai acontecer se Lula não estiver na urnaem 7 de outubro. Ou se os votos dados a ele forem cassados pela Justiça. As eleições serão consideradas legítimas? É certo que um dos objetivos da direita sempre foi afastar o povo da urna. A ideia do voto não obrigatório é uma face desse antigo projeto.

É possível que a exclusão de Lula da eleição coloque a própria democracia em risco ainda maior. Os golpistas, que jogam o país no precipício, têm poucas semanas para sacramentar sua estratégia. Já os defensores da democracia precisam se unificar em torno da sua: Lula livre! E candidato.
Eleonora de Lucena
Jornalista, ex-editora-executiva da Folha (2000-2010) e copresidente do serviço jornalístico TUTAMÉIA (tutameia.jor.br)

A traição das elites e a ascensão da direita, OPINIÃO BRUNO GARSCHAGEN, FSP

A grande novidade política no Brasil não está na política formal, mas na sociedade. Trata-se de momento único pelo movimento social desde baixo para cima a partir da pluralidade de ideias conservadoras e liberais em debate, que influenciam diretamente dois candidatos ao Executivo: Jair Bolsonaro, líder das pesquisas com 17% (estimulada) e 11% (espontânea), e João Amôedo, que tem 1% das intenções de voto (estimulada e espontânea), segundo levantamento mais recente do Ibope.

Como analista, recuso-me a tratar Lula, corrupto condenado e preso, como candidato, tal qual fazem a imprensa e os institutos de pesquisas.

Três livros são fundamentais para entender o momento político e a emergência de conservadores e liberais: "A Rebelião das Massas", de Ortega y Gasset; "A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia", de Christopher Lasch; e "A Coerência das Incertezas", de Paulo Mercadante.

Ortega y Gasset nos apresenta a natureza do "homem-massa", que se rebelou, ignorou as suas obrigações, se colocou como "sujeito de direitos ilimitados" e desenvolveu um ódio mortal contra tudo o que não fosse ele mesmo. Lasch nos explica como, décadas depois do vaticínio do filósofo espanhol, as elites (no sentido sociológico) políticas e econômicas recusaram as suas responsabilidades históricas e rejeitaram arrogantemente tudo o que lhes fosse superior.

Mercadante, por sua vez, nos alerta sobre a coerência das incertezas que fundamenta a nossa capacidade de conciliar ambiguidades (que Gilberto Freyre chamou de equilíbrio de antagonismos); a fusão do positivismo (de Comte) com o marxismo que estrutura a nossa tradição política autoritária; e os símbolos que vinculam varguismo, regime militar, lulopetismo.

As recentes entrevistas de Ciro Gomes, Fernando Haddad, Geraldo Alckmin —e o acordo do candidato do PSDB com o centrão, o Mefistófeles que, uma vez bem-sucedido, cobrará o cumprimento do pacto— só reforçam a posição dessa elite rebelde e o seu descolamento da sociedade, contraposição entre o que acontece no conforto dos gabinetes e a violência na ruas.

Agora os seus membros, por essa razão, estão sendo obrigados a se olhar no espelho. O que a sociedade está vendo é o retrato carcomido de Dorian Gray.

A pesquisa do Ibope revelou como a desconexão dos políticos com a realidade foi recepcionada por parte dos eleitores: Jair Bolsonaro tem maior preferência porque é visto como alguém que não pertence a essa elite traidora como os demais candidatos (Ciro, Alckmin, Alvaro Dias, Marina Silva). Lula é um caso à parte.

Há ainda uma maioria que nem se vê, neste momento, representada por nenhum dos candidatos. Por isso, na estimulada, 33% pensam em votar branco ou nulo, e 8% nem decidiram em quem votar; na espontânea, o problema é ainda mais grave: 31% vão de branco ou nulo e 28% não escolheram.

Esse é o quadro atual: a maioria esmagadora dos eleitores, grupo dentro qual também residem parcelas de conservadores e liberais, rejeita todos os postulantes ao Executivo. Os dados apresentam, portanto, um desafio e uma oportunidade para a direita —e não só para esta eleição.

Mais importante do que a disputa eleitoral em si é o início do processo de maturidade política da sociedade brasileira, que passou a conhecer —e discutir— ideias outras que não apenas as socialistas e comunistas. É impossível, portanto, entender a emergência da direita brasileira —que terá repercussões na eleição deste ano e nas vindouras— sem a chave-de-leitura fornecida por Ortega y Gasset, Lasch e Mercadante.
Bruno Garschagen
Cientista político e autor de "Direitos Máximos, Deveres Mínimos: O Festival de Privilégios que Assola o Brasil", com lançamento previsto para setembro (ed. Record)

A saída é mais jornalismo, FSP

Os “Protocolos dos Sábios de Sião” foram forjados no começo do século passado. Tratava-se da suposta ata de uma reunião de lideranças sionistas com planos para controlar o sistema financeiro e a imprensa ocidental; depois utilizada por Henry Ford e pelos nazistas para atacar os judeus.
Não foi a primeira vez. As falsificações eram frequentes na antiguidade. O cristianismo, por exemplo, defrontou-se com os relatos forjados de seguidores dos apóstolos, como o famoso pseudo-Dionísio.
Na Idade Média, foram inventadas deliciosas viagens a terras inexistentes e seus animais maravilhosos. Há 16 anos, falsificou-se um encontro entre Charles Dickens e Fiódor Dostoiévski com tamanha sofisticação que chegou a ser citado em duas biografias de Dickens.
Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, Jorge L. Borges presta homenagem a essa antiga arte ao relatar o encontro de uma edição falsificada da “Enciclopédia Britânica” que descreve um país inexistente.
“O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, começa com a inventada descoberta de um manuscrito medieval que conta a investigação de crimes em um mosteiro e su a biblioteca. O culpado é um monge, Jorge, cego como Borges.
Por aqui, na República Velha, a imprensa difundiu falsificações, como as cartas atribuídas a Arthur Bernardes com ofensas aos militares. Não houve desmentido que bastasse. Os anos 1950 assistiram à proliferação da imprensa que distorcia fatos para vender jornais ou difamar a divergência, perversamente retratada em “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues.
A notícia, porém, como alerta Eugênio Bucci, jamais é falsa. Ela pode estar errada ou colorir alguns aspectos, esquecendo outros. Não se combate o erro ou a distorção com censura, mas sim com mais notícias, com o contraponto e o debate.
A jurisprudência americana estabeleceu que notícias não podem ser censuradas, a menos que causem grave e comprovado risco, como a publicação do dia e local da invasão da Normandia pelas tropas aliadas. Jornalistas podem ser punidos apenas caso reportem com demonstrada falta de cuidado. Falsificações não são notícias e podem resultar em ações criminais.
No governo Lula, acusaram-me de ser um agente a soldo do Banco Mundial. Alguns críticos, por má-fé ou incompetência, utilizavam estatísticas de década anterior. Existem relatórios que inventam que apoio sicrano ou beltrano.
Defender a liberdade de expressão implica conviver com afirmações estapafúrdias, mesmo quando o desatino sugere desonestidade. Melhor rir das bobagens que capturam os desavisados. O remédio é ler mais, não menos. A alternativa da censura tem efeitos colaterais desastrosos.
Perfil falso no Facebook usa imagem de Marcos Lisboa, colunista da Folha
Perfil falso no Facebook usa imagem de Marcos Lisboa, colunista da Folha - Reprodução
 


Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.