sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A máquina do tempo, OESP


O sistema apodrecido nos empurra para a nostalgia militar ou a estrada para a Venezuela

FERNANDO GABEIRA*, O Estado de S.Paulo
03 Novembro 2017 | 03h00
Que período é este em que entramos após a rejeição da segunda denúncia contra Temer? Imagino um remanso político até o fim do ano e entrada em cena da campanha de 2018.
Alguns analistas acham que os políticos se fortaleceram. Outros, que eles descobriram ser possível enfrentar com êxito a opinião pública. Esquecem que estão em confronto com a sociedade, logo, ela enfraqueceu.
O maior golpe nas expectativas positivas veio do Supremo. Há uma pressão contra o foro privilegiado. Ele foi amplificado com a decisão de submeter medidas cautelares contra parlamentares ao Congresso.
Nos três anos de Lava Jato, o Supremo manteve regularidade no seu índice de condenação dos políticos envolvidos: zero. Numa país onde algumas pessoas se colocam acima da Justiça, estamos, na verdade, sujeitos à lei da selva, isto é, à lei do mais forte.
As concessões que Temer fez para se preservar no cargo transformaram o esforço de reduzir os gastos numa tarefa de Sísifo. Os acertos da dívida das empresas com o governo ficaram mais flexíveis. Perda de arrecadação. Os políticos aliados barraram a privatização do Aeroporto de Congonhas.
Se o capital do Estado agoniza no vaivém de cortes e concessões, o capital político de Temer, que já era modesto, foi abalado por dois acordos.
Na primeira denúncia, Temer determinou a abertura de uma reserva mineral na Amazônia. Em outra, amenizou a lei de combate ao trabalho escravo. Ambos são temas passíveis de uma discussão racional. No entanto, o acordo com os ruralistas impunha uma decisão monocrática.
Um Congresso blindado e um presidente que apenas sobrevive no cargo são um peso morto. A semana foi marcada por relatórios indicando o crescimento da violência no País. Não se fala disso. O plano de segurança de Temer não saiu do papel. O tema passa ao largo de todo o universo político. Apenas Jair Bolsonaro trata dele, o que dá a impressão de que suas propostas são as únicas para enfrentar o problema. Naturalmente, os candidatos apresentarão as suas. Mas é evidente que, se não mergulham no tema desde agora, serão menos convincentes.
Nesta ligeira calmaria na política, a vida real não dá trégua. O ministro da Justiça nos colocou, os que vivem no Rio, numa situação delicada. Ele afirma haver conluio entre o governo e o crime organizado e que os comandantes da PM estão no esquema. Segundo Torquato Jardim, nem o governador nem o secretário de Segurança controlam a polícia e isso só mudará depois das eleições de 2018. Ainda estamos em novembro.
A generalização do ministro da Justiça é incorreta. Há bons comandantes e muitos policiais que perdem a vida nas ruas.
É um remanso perigoso este. Ele certamente vai influenciar o período que lhe sucede: as eleições.
A ainda débil retomada econômica e ligeira recuperação do emprego não bastam para evitar a tensão. No front cultural já é uma incômoda realidade, conflitos em torno de temas que poderiam ser tratados racionalmente terminam em insultos.
O próprio Supremo, de quem se espera frieza e serenidade, sobretudo neste momento do País, transmite ao vivo discussões agressivas como a travada por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
São fatores de instabilidade que tornam mais difícil o caminho da mudança, pois contribuem, indiretamente, para a polarização esquerda-direita, como se nos lançassem, na máquina do tempo, ao período da guerra fria. Uma intensa luta ideológica é inevitável. Mas se domina a cena morre com ela a chance de um diagnóstico mais próximo da realidade. E, consequentemente, ressalta fórmulas esgotadas como a do governo militar e a experiência lulopetista.
Para ser coerente com sua tática de negação dos seus crimes, o PT analisa que errou por não ser duro, não ter confrontado os conservadores. Daí a proposta de controlar os meios de comunicação, a ameaça de retaliar procuradores e juízes.
Bolsonaro sonha com a militarização das escolas no Brasil. Apoia-se no melhor rendimento dos colégios militares. E diz que a disciplina é a razão da boa qualidade do ensino. Talvez esteja pensando com os padrões da revolução industrial, do treinamento de trabalhadores fabris. No mundo complexo em que vivemos, a iniciativa, a criatividade são instrumentos de sobrevivência, assim como ser flexível para sobreviver diante da precarização do trabalho.
Isso não significa defender a indisciplina. Apenas afirmar que cada época demanda uma combinação de restrições e liberdades que preparem as pessoas para sobreviver nela.
Se erramos a mão, corremos o risco de formar um exército de desempregados, disciplinados, que se levantam quando entra o professor e cantam o Hino Nacional. Da mesma forma, se usarmos o método Paulo Freire, concebido para ser um instrumento de vanguarda para formar revolucionários, corremos o risco de incendiar a juventude com sonhos sepultados pela História. Esse é apenas um lance da polarização no setor mais importante para alavancar a mudança.
O colapso do sistema político-partidário não deixou pedra sobre pedra. O encastelamento, no fundo, é uma tática do tipo depois de nós, o dilúvio.
No Rio, parte da sociedade não achou o caminho para evitar o que lhe pareciam duas regressões: uma esquerda do século passado ou um mergulho na Idade Média, quando Igreja e Estado se confundiam. Houve um grande número de votos em branco, mas venceu uma das regressões.
Não creio que o Brasil caia na mesma armadilha: de um lado, a nostalgia do governo militar; de outro, a estrada para a Venezuela. Mas é preciso levar em conta que o sistema político apodrecido nos empurra para isso.
O período é favorável para refletir sobre alternativas. Uma corrente mais colada nos fatos pode até perder. Mas é uma chama que não pode se apagar. Um dia, escaparemos da máquina do tempo.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

A recessão acabou: e daí? - ALEXANDRE SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 01/11
Na semana passada, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos anunciou que a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 se encerrou no quarto trimestre de 2016 (11 trimestres), não só a mais longa desde 1980 (empatada com a observada entre 1989 e 1992), como também a associada à maior queda de produto, 8,6%, um pouco pior do que a registrada durante a crise da dívida, de 1981 a 1983.

Isso significa que a economia, que vinha em processo de encolhimento a partir de meados de 2014, interrompeu sua queda e voltou a crescer moderadamente, uma boa notícia, mas que precisa ser qualificada.

Assim como inflação mais baixa denota preços subindo mais vagarosamente (e não preços em queda; fenômeno que chamamos de deflação), o fim da recessão não equivale a dizer que a economia está pujante; apenas que parou de piorar.

Dados do segundo trimestre deste ano, já com alguma melhora, dão uma ideia de quanto ainda falta para a recuperação: o PIB ainda se encontra 7,5% (R$ 132 bilhões) abaixo do observado no primeiro trimestre de 2014, enquanto a demanda doméstica (consumo das famílias, investimento e consumo do governo) caiu quase 11% (R$ 197 bilhões) no período, valor apenas parcialmente compensado pelo aumento do superávit nas transações com o resto do mundo.

Já o desemprego, ajustado à sazonalidade, se encontrava em 12,8% no segundo trimestre de 2017, contra 6,7% no primeiro trimestre de 2014, associado à perda de quase 1,6 milhões de postos de trabalho neste intervalo, lembrando que ao longo do período a População em Idade Ativa aumentou em 7,3 milhões de pessoas, enquanto a População Economicamente Ativa cresceu 5,4 milhões.

Considerando que o crescimento potencial do país seja algo da ordem de 2,2% aa, conforme mencionamos em coluna recente, seriam necessários quase 9 anos de expansão a 3,5% aa para que voltássemos ao nível de produto potencial do país, ou pouco menos de 7 anos, caso nosso crescimento médio retomasse o ritmo de 4% aa observado durante o longo ciclo positivo de preços de commodities, entre 2004 e 2011. Pela ótica do desemprego, mesmo sob os ritmos de expansão acima considerados, precisaríamos de 6 a 8 anos para retomar os níveis vigentes antes da recessão.

Resumindo, muito embora a recessão tenha ficado para trás, a "sensação térmica" da economia ainda se encontra distante daquilo que deixaria famílias e empresas em condição mais confortável. E, mesmo com a provável aceleração do ritmo de crescimento no final deste ano e ao longo do ano que vem, será difícil superar tal sensação.

A verdade é que o estrago da Nova Matriz, pobre órfã, foi muito profundo. Parte do dano foi reparada, em particular do lado regulatório, onde houve boas iniciativas (a transição para a TLP, a gestão da Petrobras, retomada dos leilões para exploração de petróleo, para citar apenas algumas), mas há consequências muito mais duradouras do lado fiscal, cuja reversão tem se mostrado extraordinariamente difícil, sugerindo se tratar de tarefa que alcança bem mais do que um mandato presidencial.

Tendo obtido sucesso moderado ao estancar a recessão, precisamos agora melhorar a sensação térmica, limpando de vez o legado desastroso da Nova Matriz e, principalmente, ignorando conselhos dos pais (ausentes) deste desastre. 

TV por assinatura tem menu ruim com preço gourmet - MARIA INÊS DOLCI


FOLHA DE SP - 01/11

De acordo com os números mais recentes, 18,6 milhões de brasileiros têm TV por assinatura. É pouco, evidentemente, para uma população de 208 milhões de habitantes. Estima-se que seja necessário gastar 12% do salário médio para bancar as mensalidades dos pacotes de TV paga.

Há muitas razões para que milhares de assinantes desistam deste serviço, que deveria proporcionar diversão de alta qualidade.

Nos últimos anos, as operadoras têm nos empurrado para os combos –pacotes com TV, telefone fixo e acesso à banda larga–, por meio da cobrança de pesadas taxas para contratar estes serviços individualmente.

Por que o boleto da TV paga é tão caro? Primeiramente, porque somos espoliados pelo Estado perdulário e incompetente, em todo o Brasil. No ano passado, os consumidores pagaram R$ 64 bilhões em tributos sobre serviços de telecomunicações.

O tributo mais pesado é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que vai para os cofres dos estados.

A situação do consumidor fica ainda pior porque o nível da programação da TV paga caiu muito nos últimos anos, principalmente dos filmes. Para ter acesso a boas partidas de futebol, por exemplo, é necessário assinar pacotes caros. Recentemente, ainda houve um guerra entre algumas emissoras de TV aberta e as teles, mas a crise parece estar superada.

Na TV aberta, gratuita, são os comerciais que bancam os custos e o lucro das emissoras. Na TV fechada, há cada vez mais comerciais, inclusive durante um jogo de futebol ou um filme, e os pacotes estão cada vez mais caros.

Em lugar de entender a insatisfação dos assinantes, as operadoras investem, isto sim, contra empresas como Netflix, provedor de filmes e séries por streaming. Em São Paulo, o prefeito João Dória, enviou projeto de lei à Câmara Municipal para tributar, com alíquota de 2,9%, plataformas de streaming (distribuição multimídia em rede de pacotes), como Netflix e Spotify (música).

Isso mostra que, na hora de tributar, os governantes se assemelham.

Tratamos, aqui, dos preços, da programação, mas não podemos nos esquecer dos problemas técnicos. Mesmo a TV transmitida por fibra óptica tem frequentes interrupções e aqueles malditos quadradinhos coloridos na imagem, que tanto irritam o consumidor.

Nesses casos, o assinante deve ser ressarcido (geralmente, com desconto no valor do próximo boleto). Recomenda-se, também, que denuncie a falha a uma entidade de defesa do consumidor e à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Que, por sua vez, deveria agir com mais firmeza com as teles também em relação à TV paga. Por exemplo, exigindo melhor qualidade técnica e mais flexibilidade na oferta de pacotes, que continuam formatados exclusivamente de acordo com o interesse das operadoras, não do consumidor.

Na TV por assinatura, como na telefonia fixa, móvel e no acesso à banda larga, ninguém é por nós.