domingo, 18 de junho de 2017

Organizações criminosas deixam rombo de R$ 123 bi,OESP



Desvios. Dados da PF revelam prejuízo causado em 4 anos por grupos investigados em 2.056 operações; quase metade do valor está ligado a fraudes nos fundos de pensão






Alexa Salomão, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
18 Junho 2017 | 05h00
Em quatro anos, a Polícia Federal deflagrou 2.056 operações contra organizações criminosas que provocaram prejuízos estimados em R$ 123 bilhões ao País. Os números revelam que o maior rombo não é o apurado pela Lava Jato, mas o causado pelas fraudes nos fundos de pensão investigadas na Operação Greenfield, que alcançam R$ 53,8 bilhões ou quatro vezes o valor de R$ 13,8 bilhões desviados pelo esquema que agiu na Petrobrás.
Esse quadro é o resultado da conta feita pelos investigadores federais com base em valores de contratos fraudulentos, impostos sonegados, crimes financeiros e cibernéticos, verbas públicas desviadas e até mesmo danos ambientais causados por empresas, madeireiras e garimpos. Tudo misturado ao pagamento de propina a agentes públicos e políticos.
Os dados são da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da PF, e foram obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). 

Segundo especialistas em máfias e grupos criminosos, a análise dos números mostra a mudança do perfil do trabalho da PF, priorizando a investigação patrimonial das organizações. “Há uma tendência das investigações em se preocupar mais com os aspectos patrimoniais do que acontecia há 5 anos, quando se pensava só em autoria e materialidade”, afirmou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.
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De fato, nos últimos três anos, esse montante cresceu ano a ano, partindo de R$ 6,8 bilhões em 2014 até atingir R$ 80 bilhões em 2016, um aumento de 1.068%. Os valores sequestrados ou recuperados com as operações também aumentaram ano a ano. Em 2013, a Dicor listou R$ 6 milhões. Já no seguinte – início da Lava Jato – esse número subiu para R$ 2,6 bilhões e, em 2016, atingiu R$ 12,4 bilhões.
“Isso também mostra as prioridades adotadas pela Polícia Federal”, disse o juiz aposentado e ex-secretário nacional antidrogas Wálter Maierovitch, que participou como perito convidado da Convenção de Palermo. Organizada pelas Nações Unidas em 2000, a convenção, da qual o Brasil é signatário, definiu as regras de combate ao crime organizado.
Escalada semelhante de valores pode ainda ser observada naquilo que os agentes federais chamam de “prejuízos evitados”, quando a operação interrompe a prática de crimes, antes que eles se consumem. Nesse caso, os valores subiram de R$ 2,8 bilhões em 2014 para chegar a R$ 59,1 bilhões em 2016 – e já teriam atingido R$ 12,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano. “O objetivo é asfixiar essas organizações, pois não adianta nada investigar autoria e materialidade se não se consegue recuperar o patrimônio”, disse Mendonça.
Além do enfoque na descoberta e no sequestro dos bens das organizações criminosas, os números também mostrariam o efeito da disseminação do estilo de investigação adotado pela Lava Jato, em Curitiba, com a criação de forças-tarefa envolvendo diversos órgãos.
“O que a força-tarefa de Curitiba trouxe é essa forma nova de investigar”, disse Mendonça, que participa da forças-tarefa da Lava Jato e hoje atua nas Operações Greenfield e Custo Brasil, que investiga fraudes e corrupção no Ministério do Planejamento no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, a PF tem de cumprir seu papel e sua missão em todos os aspectos e espectros onde tem criminalidade dentro de sua competência. “É isso o que a sociedade espera da corporação.”
E são muito os afetados. Quase 2 milhão de beneficiários de fundos de pensão investigados na Greenfield tiveram de arcar com parte dos prejuízos gerados. “A gente se sente impotente diante de tudo o que aconteceu e é preciso botar a boca no trombone para não ocorrer outra vez”, disse Suzy Cristiny Costa, da Fentect, federação do servidores dos Correios.
Ranking. Entre os dez maiores prejuízos investigados pela PF, além dos apurados pela Greenfield e Lava Jato, estão os causados pelas organizações criminosas que são alvo das Operações Acrônimo, que apura o desvio de verbas e financiamento ilícito de campanhas eleitorais, e Zelotes, que averigua crimes tributários e corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda.
Há ainda os casos envolvendo as Operações Enredados – R$ 5,1 bilhões de prejuízo – em que os agentes federais apuraram crimes ambientais e pagamento de propinas no extinto Ministério da Pesca, e esquemas de fraudes tributárias, contrabando e evasão de divisas apurados nas Operações Celeno, Valeta e Huno. A lista é completada pela Janus, que verifica supostas fraudes no financiamento do BNDES para obras da Odebrecht em Angola.

sábado, 17 de junho de 2017

FHC CONCEDE ENTREVISTA EM SÃO PAULO, EM MAIO DE 2017 . NExo

  O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma nota na quarta-feira (14) sugerindo que o presidente Michel Temer peça a convocação de eleições gerais antecipadas. O texto, enviado à agência Lupa, foi redigido dois dias depois de o PSDB ter decidido, em reunião em Brasília, continuar apoiando o governo Temer. E se insere em uma sequência de idas e vindas do ex-presidente sobre o tema. FHC não indica, de forma detalhada, qual caminho propõe para que as eleições diretas sejam antecipadas — a Constituição determina que, caso Temer deixe o cargo, seu sucessor seja escolhido de forma indireta, por meio do voto de deputados e senadores. Ele tampouco especifica quais cargos estariam em disputa em uma eleição direta antecipada. FHC menciona que seriam “eleições gerais”, o que pode incluir, além do cargo de presidente, os de governador, deputado estadual, deputado federal e senador, ou inclusive os de vereador e prefeito — apesar de o pleito municipal ter ocorrido em outubro de 2016. A palavra do tucano tem impacto em alguns setores da sociedade, principalmente entre aqueles ligados ao centro e à direita no espectro político, e ajuda a fortalecer o movimento por eleições diretas para presidente, que estava restrito a partidos e movimentos ligados à esquerda. Na sexta-feira (16), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com quem FHC mantém interlocução, defendeu a antecipação da eleição direta, e que o eleito tenha um mandato de cinco anos. Legitimidade e anomia “A conjuntura política do Brasil tem sofrido abalos fortes e minha percepção também. Se eu me pusesse na posição de presidente e olhasse em volta reconheceria que estamos vivendo uma quase anomia. Falta o que os politicólogos chamam de ‘legitimidade’, ou seja, reconhecendo que a autoridade é legítima consentir e obedecer” Trecho da nota de FHC A que FHC se refere A anomia à qual o ex-presidente se refere significa tanto a ausência de regras de organização de uma sociedade como a um conceito da sociologia que descreve graves contradições entre normas que dificultam o respeito a elas. Essa situação, segundo o tucano, é consequência da falta de um consenso na sociedade de que a autoridade do presidente da República deve ser respeitada, sem a necessidade de recorrer ao uso da força. Qual a situação concreta Temer assumiu o poder em maio de 2016, após ter se engajado, ao lado do PSDB, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, prometendo ordem social e recuperação rápida da economia, o que não ocorreu, e está cada vez mais cercado por suspeitas de corrupção — fatores com impacto negativo na sua popularidade O peemedebista escapou da cassação em um julgamento com forte conotação política no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mesmo diante de evidências de que a chapa presidencial eleita em 2014 teria sido financiada com dinheiro sujo, é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal que investiga o pagamento de propina pela processadora de carnes JBS e deve ser denunciado pelo procurador-geral da República na última semana de junho — o que obrigará a Câmara a debater se autoriza ou não a abertura de ação penal contra o presidente. Além disso, Temer é alvo de uma sequência de acusações que envolvem aliados próximos e familiares, e seu governo faz movimentos para tentar influir de alguma forma na Polícia Federal ou no Ministério Público Federal. O papel do presidente “A ordem vigente é legal e constitucional (daí o ter mencionado como “golpe” uma antecipação eleitoral), mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto. (…) A responsabilidade maior é a do presidente que decidirá se ainda tem forças para resistir e atuar em prol do país” Trecho da nota de FHC A que FHC se refere O ex-presidente menciona um artigo escrito por ele em 4 de junho, antes da decisão do TSE que manteve o mandato de Temer, no qual afirmava que, se o presidente fosse cassado, o correto seria seguir o que diz a Constituição: escolher o substituto por meio de eleições indiretas. Do contrário, afirmou, haveria um “golpe constitucional”. Na nota de 14 de junho, o tucano incluiu novos elementos no raciocínio para concluir de forma diversa: se a própria ordem constitucional (eleição indireta) não é aceita pelas pessoas, é necessário tomar uma atitude: ou Temer apoia o pleito por eleições gerais antecipadas e participa desse processo, ou a população exigirá, por meio de manifestações, a convocação do pleito à revelia da vontade do peemedebista. Qual é a situação concreta Temer afirmou diversas vezes que não renunciará. O presidente e seu entorno mais próximo, como o Secretário-Geral da Presidência, ministro Moreira Franco, e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, lutam para permanecer no poder. Os três são alvos de inquéritos que hoje tramitam no Supremo — Temer, relativo à delação da JBS, e Padilha e Moreira Franco, no âmbito da Lava Jato — e poderiam ter seus processos encaminhados à primeira instância do Judiciário se perdessem os cargos. Há duas propostas de emenda à Constituição em debate no Congresso que alteram a regra sobre eleição indireta para presidente, que hoje se aplica caso o cargo fique vago na segunda metade do mandato. Uma das propostas estabelece eleição direta se o cargo ficar vago a até seis meses do final do mandato e outra, a até um ano. As duas propostas têm o apoio da oposição ao governo, minoritária no Congresso, e são rechaçadas pelo PMDB, pelo PSDB e outros partidos que sustentam Temer. Mesmo que as emendas tivessem apoio do governo e dos partidos da base, em geral propostas para alterar a Constituição que contam com apoio da maioria do Congresso levam cerca de seis meses para serem aprovadas e entrarem em vigor. Além disso, não está claro se uma emenda à Constituição do tipo poderia entrar em vigor imediatamente e servir para o caso atual, ou só valeria a partir do próximo presidente. Isso porque mudanças nas regras eleitorais só valem se aprovadas no mínimo um ano antes do pleito. Na nota de 14 de junho, FHC fala em antecipar “eleições gerais”, o que é diferente de eleição para presidente da República. O tucano não explicou que tipo de pleito defende, mas eleições gerais poderiam incluir todos os cargos cujos mandatos se encerram em 2018 — presidente, governador, deputado estadual, deputado federal e senador — e ainda os cargos de prefeito e vereador, preenchidos em outubro de 2016. O papel do presidente na antecipação de eleições diretas é relativo. Ele não tem poder para convocar um novo pleito, que deve ser discutido e aprovado pelo Congresso. Uma eventual decisão do presidente nesse sentido, contudo, daria maior legitimidade à proposta, já que o atual ocupante do cargo estaria abrindo mão de concluí-lo somente em dezembro de 2018, e enviaria um sinal à sua base no Legislativo. O papel do PSDB “Se tudo continuar como está com a desconstrução contínua da autoridade, por ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo. Preferiria atravessar a pinguela, mas se ela continuar quebrando será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular” Trecho da nota de FHC A que FHC se refere O PSDB foi um dos principais articuladores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que alçou Temer ao Palácio do Planalto, ajudou a formular e encaminhar a agenda de reformas econômicas e tem quatro ministros — nas pastas Secretaria de Governo, Relações Exteriores, Cidades e Direitos Humanos. Uma parte da legenda, incluindo os deputados federais mais jovens e o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati, querem que o partido deixe de apoiar Temer, tentando evitar uma maior contaminação de sua imagem pelos escândalos do governo — apesar de o PSDB já ter sido atingido pela delação da JBS, na figura do seu então presidente nacional, Aécio Neves. Em 12 de junho, os tucanos fizeram uma reunião ampliada em Brasília e decidiram continuar no governo, deixando espaço para reavaliar caso surjam fatos novos. Em sua nota de 14 de junho, FHC não defende o rompimento imediato dos tucanos, mas o condiciona à piora da situação do governo — um cenário provável nas próximas semanas. Qual é a situação concreta A tendência é Temer continuar a enfrentar, como diz FHC, “a desconstrução contínua” de sua autoridade, com o surgimento de fatos novos a o envolver em suspeitas de corrupção e a provável denúncia do procurador-geral da República, na última semana de junho. Depois disso, haverá um processo na Câmara para decidir se autoriza ou não a abertura de ação penal, o que trará ainda mais desgaste ao presidente. O PSDB segue rachado sobre permanecer ou sair do governo. Interessa a Aécio Neves, presidente afastado, manter a aliança com o PMDB e evitar ser retaliado com uma cassação de seu mandato pelo Senado. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também atuou para que os tucanos continuassem com Temer, pois trabalha com a possibilidade de disputar a Presidência somente em 2018. O reconhecimento das hesitações “É este o sentimento que motiva minhas tentativas de entender o que acontece e de agir apropriadamente, embora nem sempre no calor dos embates diários e de declarações dadas às pressas tenha sido claro nem sem hesitações”. Trecho da nota de FHC A que FHC se refere Assim como já havia feito no começo da nota, ao lembrar que já chamou a antecipação das eleições de “golpe constitucional”, o ex-presidente encerra o texto reconhecendo as idas e vindas de sua opinião durante essa crise. Qual é a situação concreta O tucano já mudou diversas vezes de posição. Em 18 de maio, uma quinta-feira, um dia após a divulgação da gravação do diálogo entre Temer e Joesley Batista, da JBS, FHC divulgou uma nota mencionando a palavra “renúncia”. Na sexta-feira, dia 19, recuou e disse que o áudio da conversa entre Temer e Joesley não trazia um “elemento decisivo” contra o presidente, sendo necessário que a Justiça analisasse as provas. No sábado (20), o tucano telefonou para o presidente e, segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, disse a Temer que era preciso resistir aos ataques e se manter firme em meio à crise. Na segunda-feira (22), FHC publicou em seu Facebook uma foto em que aparece segurando um exemplar da Constituição e defende a necessidade de “botar ordem na casa”, mas dentro dos marcos constitucionais — ou seja, por meio de eleição indireta. Agora, publicou seu libelo em defesa da antecipação de eleições diretas.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/16/O-que-FHC-disse-sobre-%E2%80%98Diretas-J%C3%A1%E2%80%99.-E-qual-o-contexto-de-sua-proposta?utm_campaign=selecao_da_semana_-_17062017&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

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sexta-feira, 16 de junho de 2017

O desejo dos idosos - CONTARDO CALLIGARIS, FSP


FOLHA DE SP - 15/06

Fui convidado pelo Sesc de São Paulo a abrir, com uma palestra, a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. Por que precisamos de um esforço para ter consciência da violência que é exercida contra os idosos?

No Brasil, tornou-se frequente que as famílias aceitem que um filho ou uma filha menores durmam em casa com seus namorados. A gente racionaliza: melhor em casa do que no carro, ou em outros lugares perigosos.

Obviamente, essa tolerância esconde uma vontade de controlar e domesticar o desejo dos adolescentes. Se acontecer em casa, saberemos o que é, certo?

Mesmo assim, imaginemos que exista hoje uma aceitação da ideia de que filhos adolescentes têm desejos próprios e, além disso, estão vivendo agora –não estão apenas se preparando para a vida futura.

Agora, imagine que um de seus pais ou de seus sogros seja viúvo, separado ou divorciado, digamos, aos 75 anos. Ele tem uma aposentadoria modesta, e, se ele morasse com você, seria bom para ele e para você (ele poderia ajudar com as crianças, que o adoram).

O idoso tem seu quarto, sua televisão, seus livros, poupa o aluguel e, "sobretudo", evita a solidão, enquanto você tem a melhor baby-sitter possível.

Pergunta: você aceita que seus filhos levem namorados e namoradas para casa, mas, caso seu pai ou sua mãe ou sogro ou sogra, divorciados, separados ou viúvos, morem com você, você topa que eles tragam um "namorado ou namorada" para casa e para cama? Você encara um velho ou uma velha desconhecidos na mesa do café da manhã?

O século 20 começou admitindo a existência da sexualidade infantil, continuou reconhecendo (um pouco) a sexualidade feminina e admitindo (um pouco) a variedade das orientações sexuais; mas o desejo sexual do idoso continua obsceno: uma aberração fora de época. O próprio amor entre idosos, para ser aceito, deve nos parecer "fofo".

Negar a vida sexual do idoso permite que a indústria farmacêutica e o médico proponham tratamentos que condenam o idoso à impotência, como se esse efeito "secundário" não fosse relevante na velhice.

Da mesma forma, os efeitos colaterais da testosterona na menopausa são tolerados pelos sintomas que ela melhora (irritabilidade, calores repentinos etc.), mas é raro que seja considerado o efeito de manter o desejo e a vida sexual da mulher.

A atitude diante de alguém de 40 anos seria totalmente diferente: em matéria de desejo, espera-se do idoso a resignação.

E, se você acha que o desejo sexual no idoso é uma quimera, considere o seguinte: entre os lugares onde as doenças sexualmente transmissíveis mais crescem, estão os asilos para idosos"¦

Ouço com frequência filhos preocupados com o medo de que o pai ou a mãe idosos caiam nas mãos de parceiros "aproveitadores", que "certamente" esperam herdar algo depois da morte do velho ou da velha. Fico perplexo: por que os amantes no fim da vida seriam aproveitadores? Porque permitem um prazer carnal do qual os filhos se envergonham? E será que os tais amantes seriam menos interesseiros do que os filhos, tão preocupados que os pais acabem com "as reservas"?

Nascemos prematuros: para vingar, precisamos ser criados numa família, que é um caldeirão de necessidades, desejos e primeiros afetos fundamentais (prazer, desamparo, gratidão, ódios, frustrações, gratificações). Ser normal, para um humano, significa ter constituído, nessa experiência familiar, um complexo de afetos que moldará o resto de sua vida.

Entre esses afetos, seria ingênuo não contabilizar a vontade de vingança. Vocês foram os que me impediram de desejar, de me masturbar, de comprar aquele carrinho vermelho etc., tudo "pelo meu bem", claro. Vocês diziam que eu não podia ainda; agora vou dizer que vocês não podem mais.

Como os idosos não morrem tão cedo, a demência e o Alzheimer são providenciais. Os adultos adoram decretar a "incapacidade" de seus velhos. Os filhos sonham com uma curatela dos pais, que é quase sempre abusiva ou desnecessária (apesar da cautela do Judiciário).

Cuidado, a violência física e a tentativa de se apoderar dos bens do idoso são apenas a ponta de um iceberg. A verdadeira violência contra o idoso consiste em negar a ele a possibilidade de desejar. É nessa negação que se manifesta o prazer escuso dos filhos quando eles podem regular a vida de quem já regulou a deles.