domingo, 5 de março de 2017

Futuro da Cedae ainda é incerto, OESP



Mesmo depois do aval da Alerj para a venda da estatal, governo fluminense ainda não decidiu qual modelo de privatização deve seguir


Vinicius Neder / RIO
05 Março 2017 | 03h00
A autorização dos deputados estaduais do Rio para o governo fluminense vender a Cedae, a estatal de águas e esgoto, foi só o primeiro passo do plano de recuperação fiscal do Estado. A privatização, cujas ações serão oferecidas em garantia para novos empréstimos da União de até R$ 3,5 bilhões, é uma das contrapartidas exigidas. Nos bastidores, há uma disputa em torno do modelo de venda. 
Uma das primeiras medidas da diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Maria Silvia Bastos, empossada em julho, foi criar um programa de privatização em saneamento. No início, a Cedae seria incluída, mas houve divergências entre o BNDES e o governo fluminense.

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Uma pessoa próxima à administração da Cedae contou que, nas conversas iniciais, ainda durante a licença do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), quando o vice Francisco Dornelles (PP) estava em exercício, o BNDES sugeriu dois modelos. Em um deles, a área de concessão da Cedae seria dividida em quatro. No segundo modelo, a estatal seguiria com o tratamento de água, e somente a distribuição seria concedida ao setor privado. 
Após a aprovação da lei na Alerj, o deputado André Corrêa (DEM), que deixou a Secretaria estadual do Ambiente para voltar ao parlamento e ajudar o governo nas votações, declarou mais de uma vez que o Estado defenderia esse segundo modelo. A fonte próxima à Cedae lembrou, porém, que a distribuição é a atividade do setor de saneamento que tem as maiores margens de lucro.
Parceria. Setores do governo fluminense defendem um terceiro modelo, que estava em andamento em 2015, antes de a crise se agravar: uma parceria público-privada (PPP) para investimentos na coleta e tratamento de esgoto em 11 cidades da região metropolitana, a maioria na Baixada Fluminense. Nesse caso, a empresa privada trabalharia junto da Cedae. 
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Energia Indústria e Serviços, agora incorporada à Secretaria da Casa Civil, esse modelo de PPP para o saneamento da Baixada Fluminense está pronto, mas falta aprovação final no Conselho Gestor das PPPs do Estado. Com a privatização da Cedae, o processo está suspenso.
Pelo projeto de PPP já finalizado, a empresa privada que vencesse a licitação ficaria responsável pelas obras de infraestrutura para coleta e tratamento de esgoto. Todo o acréscimo de receita, para a Cedae, com os serviços nessas áreas seria direcionado para um fundo, que remuneraria a concessionária. A fonte próxima à Cedae ouvida pela reportagem lembrou que esse modelo tornaria a estatal mais lucrativa e valorizada no mercado.
A questão é que nem mesmo a participação do BNDES na definição do modelo de privatização da Cedae está garantida. Uma fonte que pediu anonimato disse que, na primeira versão do termo de compromisso do plano de recuperação, o governo federal tinha colocado que a operação deveria ser estruturada pelo banco de fomento, mas o Rio pediu para retirar essa exigência e foi atendido.
Modelos. Semana passada, o BNDES lançou seis editais de licitação para contratação de serviços de consultora para a estruturação de projetos de participação privada no saneamento para Amapá, Alagoas, Maranhão, Pará, Pernambuco e Sergipe, que fazem parte do grupo de 18 Estados que aderiram ao programa de privatização da instituição de fomento. Essas consultorias definirão qual modelo será adotado em cada caso – venda da companhia estadual, PPP ou concessão de parte dos serviços, por exemplo. 
A expectativa do superintendente da Área de Desestatização do BNDES, Rodolfo Torres, é que os modelos estejam prontos para lançar licitações no início de 2018. O executivo negou que esteja certo que o banco de fomento fará o mesmo com o caso da Cedae no Rio, pois as discussões, por enquanto, estão entre o Estado do Rio e o governo federal. 
“Estamos aqui à disposição para executar a demanda que nos for colocada, seja pelo Estado do Rio ou pelo governo federal”, declarou Torres, em conferência por telefone com jornalistas. 

Lições violentas, Karnal OESP


Qualquer quebra na ordem do mundo parece liberar a energia acumulada nos indivíduos
Leandro Karnal
05 Março 2017 | 02h00
Acho que nós, humanos, idealizamos nossa espécie. A violência é o eixo definidor das nossas relações. Ela foge ao controle e acha novas formas de se manifestar com a mesma engenhosidade com que buscamos limites à destruição. 
Thomas Hobbes, filósofo inglês, havia pensado que a guerra de todos contra todos era parte constitutiva das sociedades. Concebeu esta ideia em Paris, onde tutorava o futuro Carlos II, ambos fugindo da violenta guerra civil que assolava a Inglaterra. Um mundo hostil gerou seu raciocínio sobre nossa cólera. Para evitar a destruição total, argumentava, surgia o Estado, a entidade que conteria todos por monopolizar a violência. O Leviatã, título de sua obra mais conhecida, publicada apenas dois anos depois de seu retorno da França, era o maior monstro de todos os oceanos. A anomalia aquática era uma metáfora bíblica: no topo do poder das criaturas existiria esse ser, que, com seu tamanho e potência, estabeleceria a paz possível. A guerra de todos contra todos seria detida pelo Estado forte, o Leviatã. 
A violência e o mal podem ser descritos como derivados da queda do homem e da ação malévola do demônio. Na primeira família humana, a mais próxima de Deus e com contato direto com o Criador, existiam quatro pessoas: dois desobedientes (Adão e Eva) e um assassino (Caim). Setenta e cinco por cento dos membros da nossa matriz familiar cometeram infrações graves. Começamos mal. Apesar de os textos sagrados conterem, tradicionalmente, páginas violentas e até incitação ao ódio, o esforço de muitas religiões é na direção de controlar a natureza “degenerada” da nossa espécie. Mas, numa lógica de pensarmos o mundo a contrapelo, como sugeria Walter Benjamin, se precisamos conter a violência é porque, sem a mordaça, a tendência da boca é gritar e morder. 
Uma utilidade tradicional de entidades religiosas organizadas é concentrar o mal e a violência em atividades e ideias que possam ser focadas, nas quais a destruição não se alastre. É o caso de uma cruzada ou de um auto de fé que, diga-se de passagem, era muito popular na Idade Moderna. Até hoje, espetáculos de luta, “pegadinhas” que ridicularizam vítimas, acidentes na estrada, filmes de guerra, histórias trágicas: tudo funciona dentro da catarse sedutora da violência. 
Nosso mundo costuma pensar no nazismo como a encarnação perfeita da violência. Os horrores do holocausto endossam a ideia. Ao analisar o que dizia um famoso oficial hitlerista em seu julgamento por crimes de guerra, nos anos 1960, Hannah Arendt refletiu que o mal não era algo excepcional que atacaria seres sádicos e malévolos. O mal não seria um salto ou uma quebra de humanidade. O mal era... banal. Adolf Eichmann, alvo do estudo da filósofa, era bom pai de família e exemplar na convivência diária. Esse homem, dominantemente calmo e organizado, ordinário em muitos aspectos, foi responsável pela morte de centenas de milhares de seres humanos. A ação era monstruosa, o indivíduo era comum. O incômodo da leitura de Eichmann em Jerusalém é que sentimos a violência como próxima de nós. A pior das conclusões é que é muito fácil de se repetir.

Os americanos chamam de blue line (metáfora advinda da cor azul do uniforme da polícia de lá) a frágil linha que separa a sociedade ordeira da barbárie violenta. A polícia, a lei, o sistema de costumes e de regras garantidos pela punição seriam reforço dessa fronteira tênue que aparta, de forma invisível e delicada, a coesão social do horror. Ou seja, nossa sociedade caminha em paz como um elefante numa loja de cristais.
O que ocorreu no Espírito Santo, em fevereiro de 2017, foi a ruptura da blue line. A coerção entrou em colapso e, como nosso mundo tem pouco consenso, o pandemônio mesmerizou o País. Houve a desordem óbvia de bandidos estimulados pela falta de repressão. Houve o menos claro surto de saques feitos por cidadãos comuns até aquele instante. Hobbes e Arendt comeram moqueca capixaba lamentando tudo, mas entreolhavam-se com muxoxo indisfarçável: “Eu não disse?”.
Não se trata de algo brasileiro ou exclusivo do mundo tupiniquim. Entre 13 e 14 de julho de 1977, Nova York ficou sem energia elétrica. O que se seguiu foi uma noite de pânico e de incêndios, saques e estupros. Qualquer quebra na ordem do mundo parece liberar a energia acumulada nos indivíduos e nos grupos. Um ato racista dos policiais de Los Angeles, em 1992, trouxe à tona a mesma barafunda. Novidade? Uma cena no convento de São Domingos em Lisboa, em 1506, originou um terrível massacre de judeus em Portugal. Um cristão-novo tentou convencer que a luz que parecia ser celestial a iluminar o crucifixo era um prosaico raio que entrava de forma natural pela janela. Foi massacrado junto de milhares de outras pessoas. Era mês de peste. O populacho clamava por um bode expiatório.

Um rio de ódio flui, perene, sob águas superficialmente calmas. Um gesto ou uma frase fazem toda a máscara da paz desabar. Pulsão de morte freudiana? Caráter primitivo da nossa espécie? Mal oriundo da queda do primeiro homem? Tentação demoníaca? Força do rito catártico da tribo? Cada um dá uma causa distinta ao mesmo efeito. 
As explosões de violência são a constante da história humana. No momento em que eu uso explosão de violência, já estou tentando caracterizar como algo excepcional. Explosões de paz seria a melhor expressão. Há poucos momentos de harmonia na história. Tocar avena e tanger a harpa em um campo florido com cordeiros balindo é um sonho árcade. Não morreremos hoje, ao menos. Bom domingo a todos vocês! 

Força-tarefa vê nova ofensiva contra a Lava Jato


CURITIBA/PARANA 17-02-2017 NACIONAL EXCLUSIVO EMBARGADO CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA LAVA JATO Carlos Fernando dos Santos Lima, Procurador Regional da República durante entrevista no QG da Lava Jato, na manhã desta quinta-feira, 16, em Curitiba/PR. FOTO RODOLFO BUHRER / ESTADAO
O procurador Carlos Fernando, no QG da Lava Jato, em Curitiba. Foto: Rodolgo Buhrer/ESTADÃO
O discurso de que a Operação Lava Jato atravanca a retomada da economia no País, conjugado com a virtual queda de interesse das pessoas sobre o tema do enfrentamento à corrupção e a articulação crescente de políticos emparedados pelo escândalo para aprovar leis de salvaguarda aos investigados, colocaram os procuradores da força-tarefa, em Curitiba, na defensiva.
“Estão tentando um esvaziamento lento e gradual da operação, mas a Lava Jato tem força própria.”
A opinião do mais antigo dos procuradores da força-tarefa, que investiga a corrupção na Petrobrás, Carlos Fernando dos Santos Lima, é fruto de tensão ímpar que tomou o QG da Lava Jato, no sétimo e oitavo andares do Edifício Patriarca, região central de Curitiba, nesse início de 2017.
Às vésperas de completar 3 anos de investigação, a força-tarefa da Lava Jato está entrincheirada, à espreita do mais pesado bombardeio a enfrentar – fruto da reação de políticos com o avanço dos processos, no Supremo Tribunal Federal (STF), e do “tsunami” que representará a delação premiada da Odebrecht.
Dos três fatores que representam um risco para a Lava Jato, na avaliação de integrantes da força-tarefa, a narrativa propalada para a opinião pública, de abusos jurídicos e de que a operação é a responsável pela crise econômica do Brasil, é o que mais preocupa.
“O sistema político disfuncional atrapalha a economia, não a Operação Lava Jato.”
Aos 52 anos e prestes a se aposentar, o tom efusivo e as bochechas avermelhadas são os sinais mais aparentes da preocupação que aflige a equipe diante desse “inimigo oculto”.
Formada por 13 procuradores da República, que atuam exclusivamente no caso, a avaliação comum entre membros da força-tarefa é que a “corrupção enfraquece o potencial competitivo da indústria nacional” e, por isso, precisa ser atacado – mesmo que gere um período de efeitos negativos na economia.
“Precisamos resolver isso. É possível manter um bom desempenho econômico por um, dois, cinco anos por conta de commodities, boom no exterior, entrada de dólares. Mas basta uma queda, e o sistema político disfuncional vai se revelar e desestabilizar a situação.”
CURITIBA/PARANA 17-02-2017 NACIONAL EXCLUSIVO EMBARGADO CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA LAVA JATO Carlos Fernando dos Santos Lima, Procurador Regional da República durante entrevista no QG da Lava Jato, na manhã desta quinta-feira, 16, em Curitiba/PR. FOTO RODOLFO BUHRER / ESTADAO CONTEUDO
Carlos Fernando. Foto: Rodolfo Buhrer/Estadão
Para o procurador, o “sistema disfuncional” é o que usa a corrupção como forma de financiamento político e eleitoral, num ciclo em que empresas abastecem esse caixa paralelo em troca de negócios com os governos.
“Mantida a situação atual, de corrupção e deturpação do regime democrático, outras crises econômicas virão.”
Risco. Não é a primeira vez que a Lava Jato se vê sob ataques. Acusações de que o caso Petrobrás se sustenta em prisões abusivas, investigações ilegais e que exista um fundo político partidário nas apurações, são algumas das críticas recorrentes.
Foi assim em novembro de 2014 – ano inaugural do escândalo -, quando foram levados para a cadeia os primeiros empreiteiros, em junho de 2015, quando o dono da maior empreiteira do País, Marcelo Bahia Odebrecht, foi preso, ou mesmo em março de 2016, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado coercitivamente para depor.
O que diferencia a atual contraofensiva, na avaliação dos investigadores, é que a narrativa que atrela a crise econômica ao trabalho da Lava Jato dá maior força a articulação de parlamentares e políticos investigados.
Associada ao menor interesse das pessoas no caso, com a longevidade do escândalo e a redução das operações ostensivas, com prisões e buscas policiais, e à mudança de discurso de setores que apoiaram as investigações até a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, essa nova ofensiva pode representar o primeiro grande revés.
Em três anos, a operação deflagrada em 17 de março de 2014, por uma força-tarefa do Ministério Público, Polícia e Receita Federais, formada em Curitiba, levou para a cadeia 188 pessoas, entre elas importantes nomes do governo e também proeminentes empresários.
Hoje, nas celas da Lava Jato, estão detidos os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu, os ex-deputados Eduardo Cunha e André Vargas e o presidente afastado da maior empreiteira do País, Marcelo Odebreht.
O procurador da República Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato, mostra quadro com contas que seriam usadas pela Odebrecht
Dallagnol: as contas usadas pela Odebrecht
Mudança. Com 38 fases deflagradas e premiada internacionalmente – na entrada do QG há um altar com as tabuletas de honraria – , a Lava Jato em Curitiba entra em uma nova fase, em que as grandes operações de buscas e prisões serão reduzidas, afirmam Carlos Fernando e o procurador da República Deltan Dallagnol.
Coordenadores da força-tarefa, os procuradores defendem que a sociedade continua a ser o principal “escudo” contra a ofensiva de políticos e demais setores, que tentam minar o avanço das investigações.
“É um risco que o interesse comece a cansar as pessoas”, avalia Dallagnol.
Para os investigadores, a “Lava Jato, por si, não é capaz de resolver o problema”.  “Mas ela criou a condição para que se comece a alterar esse sistema político disfuncional e corrupto”, diz Carlos Fernando.