quarta-feira, 6 de julho de 2016

TV Brasil é para dar voz a quem não tem, diz presidente da EBC


Eduardo Anizelli - 19.fev.2016/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 19-02-2016, 12h30: MESA 8 - SAI, DILMA/FICA, DILMA - O QUE EU ACHO DO JORNALISMO DE OPINIAO: O diretor de jornalismo da Empresa Brasil de Comunicacoes (EBC), Ricardo Melo, durante debate da oitava mesa, com mediador e colunista da Folha, Bernardo Mello Franco, no Evento Folha 95 anos. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER)
O diretor da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), jornalista Ricardo Melo
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O jornalista Ricardo Melo reassumiu há um mês a presidência da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Ele foi reconduzido por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu decisão do presidente interino, Michel Temer, de tirá-lo do cargo.
Melo havia sido nomeado por Dilma Rousseff dias antes de ela ser afastada da Presidência. Ele tem direito a um mandato de quatro anos.
Nesta entrevista à Folha, o jornalista comenta a baixa audiência da TV Brasil, nega que houve aparelhamento do órgão pelo PT e afirma que, como escolas ou postos de saúde, a empresa pode dar prejuízo já que existe para garantir o direito constitucional à informação pública.
Folha - Uma TV privada sobrevive com pouca audiência, desde que dê lucro. Uma TV Pública só tem sentido se chegar às pessoas. E a TV Brasil tem audiência muito baixa. Por que mantê-la?
Ricardo Melo - A Constituição prevê a comunicação privada, a estatal e a pública. A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) foi criada com a missão de garantir o direito que os cidadãos têm à informação que não está presa aos interesses de mercado.
Ele equivale ao direito constitucional à educação e à saúde. Assim como o posto de saúde e a escola podem dar prejuízo, a comunicação pública também pode, do ponto de vista de mercado.
Por que as TVs privadas não têm mais programação infantil? Porque a publicidade para crianças foi limitada e elas simplesmente aboliram essa programação. Mas ela continua sendo de interesse público.
Mas, para cumprir a missão, a TV pública deve ter audiência.
O Ibope é uma medição questionada inclusive pelas TVs privadas. E a medição do instituto, em relação à TV Brasil, se restringe a seis regiões metropolitanas: SP, Rio, Salvador, Porto Alegre, Recife e Distrito Federal. O Ibope não mede audiência em parabólicas nem de retransmissoras.
A TV pública no Brasil tem oito anos. A BBC [inglesa] tem 90 anos. Começou com audiência pífia. Nem por isso ela foi fechada. Audiência se conquista pelo hábito e a extensão do sinal da emissora. Nós temos dificuldade de sinal porque não temos dinheiro. No Rio e em SP, alcançamos uma região pequena.
Qual é o custo total da EBC?
É de cerca de R$ 500 milhões. A TV Brasil e a NBR [emissora que presta serviço ao governo] representam 40% disso. Falam que a TV tem deficit de R$ 90 milhões. É preciso esclarecer: ele foi calculado em cima de projetos que gostaríamos de fazer. É uma projeção. Como não teremos a receita, não teremos a despesa. Portanto esse deficit é uma falsidade.
A TV contratou muitos profissionais terceirizados. Por quê?
Na reportagem da TV Brasil, 90% são da casa, concursados, com salários de R$ 5.000, R$ 6.000, R$ 7.000.
Somos uma empresa basicamente de funcionários públicos. Em 2008, quando a EBC foi criada, reunindo empresas como Radiobrás, TVE e Fundação Roquete Pinto, eram 2.572 funcionários, 54% deles de carreira. Hoje são 2.552. E 94% de carreira.
Dizer portanto que o número de trabalhadores dobrou é outra falsidade.
Houve questionamentos em relação à contratação de jornalistas que seriam alinhados com o PT e que foram demitidos quando o sr. foi afastado. Houve aparelhamento?
O mercado de comunicação tem as suas especificidades. Tem pessoas que agregam valor e credibilidade ao produto que você oferece ao público. Se elas aderem a um projeto de comunicação pública dentro dos recursos que a gente tem, isso é um bem para a comunicação pública.
E o suposto alinhamento?
Nunca teve esse critério. A maioria desses jornalistas, aliás, já estava na empresa quando cheguei [em junho de 2015]. Se tinham perfil de esquerda ou de direita, pouco me interessa. Não peço ficha de filiação partidária para ninguém. Mas eu quero falar é do perfil jornalístico deles.
Paulo Moreira Leite [que apresentava o programa "Espaço Público"] trabalhou no Jornal da Tarde, na Folha, na revista Veja, no Estado de S. Paulo, dirigiu a revista Época [das Organizações Globo]. Paulo Markun [que apresentava o "Palavras Cruzadas"] foi da TV Globo e da TV Cultura nos governos do PSDB. Ricardo Melo [referindo-se a si mesmo] trabalhou na Folha, na revista Exame, na TV Bandeirantes, na TV Globo, no site Terra, no SBT.
Sidney Rezende foi da CBN e da GloboNews. Luís Nassif trabalhou na Folha e na TV Cultura em governos tucanos. Tereza Cruvinel trabalhou no jornal O Globo. Quando vêm para a EBC eles viram todos petistas? Isso é um absurdo.
Quanto eles ganhavam?
Muito menos do que ganhariam no mercado. E eles eram contratados como pessoas jurídicas [PJ], que custam menos para a empresa. Ganhavam 12 salários e só. Não tinham 13º, férias, multa por rescisão de contrato.
A Tereza Cruvinel, por exemplo, ganhava R$ 12 mil por mês. O programa do Alberto Dines [Observatório da Imprensa] estava sendo negociado por R$ 500 mil por ano, para toda a estrutura de produção.
Enfim, temos cerca de 20 contratos [terceirizados] contra 2.552 concursados.
Há críticas em relação às abordagens sobre o impeachment.
Nunca no jornalismo falamos que se tratava de um golpe. Mas a TV Brasil se deu a tarefa de colocar todas as manifestações no ar, a favor e contra o impeachment.
Tinha passeata de sem-terra contra, de mulheres, de juristas? A TV Brasil estava lá cobrindo, e só a TV Brasil. A nossa missão é dar voz a quem não tem voz. E esses caras não aparecem nas outras mídias. Agora, em nenhum momento a gente deixou de cobrir qualquer manifestação a favor do impeachment.
Mais do que isso: convidamos sistematicamente gente de todas as posições para falar na TV Brasil. Já convidamos os tucanos José Serra, Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira e Tasso Jereissati. E convidamos publicamente o presidente em exercício, Michel Temer, para falar na TV Brasil. É mentira dizer que só entrevistamos petistas. 

sábado, 2 de julho de 2016

NOS TRILHOS DO DESPERDÍCIO, OESP


Ferrovias prontas há dois anos não são usadas e prometida revolução logística não se concretiza

André Borges / TEXTOS Dida Sampaio / FOTOS
BRASÍLIA E GOIÁS
Com um atraso secular em suas metas de expansão e de investimentos em ferrovias, há mais de dois anos o Brasil se dá ao luxo de simplesmente abrir mão do uso de uma ferrovia pronta e moderna, uma estrutura que já custou mais de R$ 4,2 bilhões aos cofres públicos e que poderia ter iniciado uma revolução no mapa logístico nacional.
A revolução não veio. No lugar dela, o que se vê no trecho de 855 km da Ferrovia Norte-Sul, entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) é o retrato do desperdício e da irresponsabilidade com o bem público.
anapolis
Na manhã de 22 de maio de 2014, a conclusão desse trecho da Norte-Sul foi motivo de comemoração e ato eleitoral. Na ocasião, a presidente afastada Dilma Rousseff esteve em Anápolis, passeou numa locomotiva e inaugurou o eixo central da “coluna vertebral” do Brasil, empreendimento que reduziria os custos de frete em pelo menos 30% e poderia gerar negócios da ordem de US$ 12 bilhões por ano, ao mudar a cara do transporte de carga e impulsionar a arrecadação de impostos.
Desde então, nem meia dúzia de comboios de carga passou pelo trecho. No fim do ano passado, alguns vagões carregados de 21 mil toneladas de farelo de soja subiram por ali. Outras 18 locomotivas da empresa de logística VLI, que pertence à mineradora Vale, usaram o traçado para acessar a parte superior da Norte-Sul onde a VLI já atua há quase dez anos, entre Palmas e Açailândia (MA). Trata-se de um nada, se comparado ao potencial efetivo da malha.
Para se ter uma ideia, só os novos terminais que a VLI acaba de erguer na Norte-Sul, no município de Porto Nacional (TO), têm capacidade de movimentar 2,6 milhões de toneladas por ano. Em Anápolis, um parque logístico já está ocupado por dezenas de grandes empresas que aportaram bilhões de reais no polo, mas ainda espera-se o dia em que a circulação dos trens passará a ser rotina sobre os seis ramais do pátio da Norte-Sul, preparado para o transbordo da carga.
O diretor de Operações da Valec, Marcus Almeida, diz que, gradativamente, o trecho passará a ser utilizado. “Já fizemos algumas viagens no trecho. Entre agosto e setembro, mais 45 mil a 50 mil toneladas de farelo devem passar pela ferrovia.”
Para o diretor de engenharia da Valec, Mário Mondolfo, é preciso considerar que a ferrovia tem “natureza diferente” das rodovias. “Ela precisa maturar. A carga tem de começar a descobrir a ferrovia. Não são seis meses depois que teremos 20 vagões de trens passando por lá”, argumenta.
Estouro. O martírio dos projetos ferroviários não se limita a trechos prontos que seguem subutilizados. Na Norte-Sul e na Ferrovia Oeste-Leste (Fiol), na Bahia, os escândalos financeiros circulam em alta velocidade sobre o traçado de obras sem data para serem entregues.
Estado teve acesso a um levantamento detalhado de cada contrato e seus respectivos termos aditivos firmados com as empreiteiras que atuam na Norte-Sul – no trecho de 682 km entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste (SP) – e também nos 1.527 km projetados para a Fiol, malha que vai cortar a Bahia de leste a oeste, até chegar a Ilhéus, no litoral.
Um olhar sobre as contas e contratos que forjaram cada metro de trilho lançado nesses dois projetos pela Valec ajuda a enxergar a dimensão do abismo financeiro em que se converteram essas obras. Os dados da Valec, estatal responsável pelas ferrovias, apontam que essas duas obras já acumulam um total de 123 termos aditivos até agora.
Somados, os dois projetos já tiveram seus orçamentos ampliados em mais de R$ 4,8 bilhões, entre reajustes contratuais, correções de projetos de engenharia, constantes paralisações e esquemas de corrupção. É dinheiro mais do que suficiente para construir do zero outro trecho da Norte-Sul.
Na última semana, as duas ferrovias foram alvo da Operação Tabela Periódica, da Polícia Federal. Com apoio de mais de 250 agentes policiais e outros servidores, a operação desbaratou um cartel de empreiteiras que há anos atua nos empreendimentos.
O trecho sul da Norte-Sul, que teve as obras anunciadas em meados de 2007, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), viu seu preço saltar de R$ 2,7 bilhões para R$ 5,1 bilhões, segundo a estimativa mais recente. Previsto para ser entregue em dezembro de 2012, o trecho teve sua conclusão prorrogada novamente, dessa vez para julho de 2017.
Na Fiol, as obras da malha de 1 mil km entre os municípios de Barreiras e Ilhéus, inicialmente avaliadas em R$ 4,2 bilhões, agora chegam em R$ 6,4 bilhões. Ignorada no plano de concessões do governo, a Fiol tem sido encarada como uma “dor de cabeça” quando o assunto é discussão sobre investimentos, apesar de o projeto já ter dragado R$ 3 bilhões em recursos públicos.
Sobre os 500 km restantes que ligariam a ferrovia à Norte-Sul, em Figueirópolis (TO), o que existe até hoje são pilhas de papéis, nada mais.
Reajuste. O rombo financeiro nos projetos não assusta o atual presidente da Valec, Mário Rodrigues Júnior. “Não é valor adicional, é reajuste. Se minha obra demorar cinco anos, ela vai ter cinco reajustes”, justifica Rodrigues. Questionado se um estouro de R$ 4,8 bilhões no orçamento lhe parece razoável, Rodrigues reage com certa naturalidade: “Eu acho que sim”.
Lançada pelo então presidente José Sarney, no anos 80, a Norte-Sul atravessou duas décadas de abandono e passou por dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tendo avançado apenas 215 km. Sua retomada ocorreu em 2007, quando Lula reativou a Valec e trouxe para seu comando José Francisco das Neves, mais conhecido como Juquinha. Em 2011, Juquinha chegou a ser preso pela Polícia Federal em decorrência de investigações que apuravam desvio de recursos e superfaturamento nas ferrovias. No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) em Brasília pediu a condenação de Juquinha e de Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo, outro ex-presidente da estatal. Mais seis pessoas também foram alvos da denúncia, por causa de desvios de R$ 23,1 milhões dos cofres da empresa.

‘FALAVAM QUE O TERMINAL IA MUDAR TUDO POR AQUI’

Após fazer festa para anunciar a ‘obra do século’, Valecabandona cidade que colocou uma locomotiva em seu slogan à espera do terminal

André Borges
02 Julho 2016 | 16h 00
No dia 23 de outubro de 2010, o pequeno rancho do agricultor Geraldo Gomes Pinto foi transformado em um heliporto. Do céu, desciam o então presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, e sua comitiva, para anunciar, bem ali no quintal do senhor Geraldo, que o futuro finalmente havia chegado a Santa Isabel, pequeno município de 7 mil habitantes no interior de Goiás, cortado pelo traçado da Norte-Sul e pela BR-153, a Rodovia Belém-Brasília. Juquinha distribui abraços, sanduíches e a promessa de dias melhores para a população, com desenvolvimento e emprego. Foi chamado pelos prefeitos da região que o acompanhavam de “estadista” com grande visão empreendedora.
“Eles desceram bem aqui”, diz Geraldo, ao mostrar um roçado no meio do mato. “Falavam que a vida da gente ia melhorar, que o terminal de carga ia mudar tudo por aqui, essas coisas todas que os políticos falam.”
A comitiva contava coisas sobre a “espinha dorsal do Brasil”, a “obra do século”, o “eixo central de integração dos modais de transporte do País”. Empolgado com tanto desenvolvimento e com os tributos que o município passaria a receber, o prefeito de Santa Isabel, Levino de Souza, tratou de pintar sua cidade como a capital da ferrovia. No site de Santa Isabel, estampou um novo “logotipo” para o município, com as imagens de uma locomotiva, um livro e uma cruz. “São os símbolos das nossas prioridades, o transporte, a educação e a saúde”, disse o prefeito.
ferrovia norte sul
Os homens da Valec foram embora. Ficou a promessa. Está lá até hoje.
O local que seria transformado em eixo logístico continua a ser o mesmo matagal. No lugar de galpões e estruturas para o transbordo de cargas, a Valec construiu só dois trechos de linhas paralelas à malha principal da ferrovia. Santa Isabel não passará de um local usado apenas para o controle de tráfego dos trens que circularão pela ferrovia. Como muitos municípios, portanto, ficará ao largo do prometido progresso, vendo o trem passar.
“A ferrovia era nossa esperança. Hoje não tenho mais informações sobre o nosso terminal. Nem sei mais onde ficará. Não me falaram mais nada sobre o projeto que estava previsto para cá”, diz o prefeito Levino de Souza. “Fui até Brasília, cobrei o projeto, mas nada aconteceu. Isso causa uma frustração muito grande na gente, na população. Somos uma cidade de pequenos agricultores, mas nessa região também tem muita usina de cana. É lamentável tudo isso.”
A Valec informou que não adianta mais esperar por terminais ali. A estatal declarou que, depois de reestudar o trecho, percebeu que a proximidade de outras cidades com maior estrutura acabaram por não justificar o investimento adicional no meio do caminho.
“A demanda de carga ali tem a concorrência de Uruaçu e de Anápolis, que são razoavelmente próximas. E ainda tem um problema geológico, que é violento. O custo seria altíssimo para estabilizar o solo”, diz o diretor de Operações da Valec, Marcus Almeida.
O pequeno agricultor Geraldo Gomes Pinto diz que não lamenta mais o plano frustrado. “Já estou com os meus 67 anos. Para mim, o tempo desse progresso todo que falavam passou”, diz o agricultor, abraçado à mulher, Celina Gomes Pinto. “O que eu quero agora é só sossego, cuidar das minhas vacas e dormir em paz.”
Todos os dias, pela tarde, funcionários terceirizados que trabalham na manutenção da Norte-Sul passam pela porta de senhor Geraldo. “Faz anos que eles vêm aqui, passam de lá para cá na ferrovia e vão embora.”

02 Julho 2016 | 16h 00

IMPORTAÇÃO DE TRILHOS FOI SUSPENSA

André Borges/ BRASÍLIA
02 Julho 2016 | 16h 00
A falta de recursos da Valec para tocar as obras em suas ferrovias levou a empresa a suspender a importação de trilhos. O Brasil não tem hoje nenhuma fábrica de trilhos em operação e é obrigado a importar o material de outros países, como a China. Um total de 63 mil toneladas dos lingotes de ferro esperam a emissão de pedido pela estatal.
Por meio de nota, a Valec declara que, “em função da restrição orçamentária imposta pelo governo federal, os contratos firmados com os consórcios Pietc/RMC e Trop/Comexport foram suspensos, sendo que a retomada dos mesmos foi prorrogada para o ano de 2017”.
Na extensão sul da Norte-Sul, entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste (SP), as empresas entregaram um total de 88 mil toneladas do material. Para a Fiol, foram enviadas outras 85 mil toneladas.
Para complicar um pouco mais o cenário financeiro, a compra do insumo está atrelada à variação cambial. Os contratos tiveram seus valores atrelados ao dólar americano, com cotação inicial aproximada de R$ 2,20. Quando há a medição dos serviços, esses são pagos com a cotação do dólar do dia. O custo inicial dos contratos foi de aproximadamente R$ 945 milhões. Hoje, considerando os reajustes contratuais, já chega a cerca de R$ 1,2 bilhão.
A entrega da última remessa de trilhos no Brasil ainda depende do que será feito da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que enfrenta uma série de dificuldades em suas obras na Bahia. 
Prejuízos. Atualmente, os poucos canteiros de obra que estão em andamento reúnem apenas mil empregados. Apesar de a Valec prever que o trecho de 500 km da ferrovia, entre Caetité e Ilhéus, será concluído até junho de 2018, o futuro da ferrovia é praticamente uma incógnita. Não há sinalização sobre quando, efetivamente, estará pronto o destino dessa malha, o chamado Porto Sul, previsto para ser construído em Ilhéus.
A construção do terminal, que originalmente contaria com a sociedade da Bamim, mineradora interessada em retirar ferro da região central do Estado, está parada desde a queda vertiginosa do preço do minério, que inviabilizou o projeto logístico.
O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou prejuízos potenciais de até R$ 2 bilhões em razão do descompasso das obras da ferrovia e do porto em Ilhéus. Trata-se de uma estimativa de lucro que a ferrovia deixará de gerar até 2018, e os custos do capital imobilizado nesse período, o que embute depreciação dos ativos, gastos com manutenção e o custo de oportunidade atrelado ao que foi investido na malha.
“Hoje, o porto é uma obra do governo da Bahia. É uma responsabilidade dele. Não adianta nada a gente levar a ferrovia até lá, se não existir o porto”, diz o presidente da Valec, Mário Rodrigues Júnior. 
Até o fim de 2015, o trecho central da ferrovia baiana – os 500 km que ligam Barreiras a Caetité – estavam com 42% de execução física. Alguns lotes de obra praticamente não foram iniciados. A terceira parte de 500 km que avança até Ilhéus estava com 67% de execução geral. 

PAÍS INVESTE SÓ 0,6% DO PIB EM TRANSPORTE

André Borges/BRASÍLIA
02 Julho 2016 | 16h 00
A estratégia do governo de apresentar as concessões na área de infraestrutura como a tábua de salvação da economia e da retomada do emprego corre riscos de se frustrar. A avaliação é do coordenador de infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Campos.
Entre os países em desenvolvimento, afirma Campos, o Brasil tem sido o que menos investe nesses empreendimentos. “O que temos investido em transportes fica em torno de R$ 29 bilhões e R$ 30 bilhões por ano, incluindo os setores público e privado. Em 2015, ficou em R$ 25 bilhões. Isso representa 0,6% do PIB. Esse número fala por si”, comenta. “Os países em desenvolvimento que concorrem com Brasil, como Rússia, Índia, Coreia do Sul, Chile e Vietnã, estão investindo uma média de 3,7% do PIB em transporte.”
A timidez dos investimentos não é o único problema, diz o especialista. É preciso lidar ainda com a falta de regularidade e a demora com que esses projetos são implementados. “A forma esporádica como esse processo é implementado dificulta os resultados. Além disso, o País já concedeu seus melhores ativos em áreas estratégicas de concessão, como rodovias e aeroportos. O que sobra atrai menor interesse. Por isso, eles acabam sendo insuficientes para ter impacto no crescimento econômico ou mesmo no volume de emprego. É um problema de magnitude, o setor não é capaz de dinamizar a economia.”
O governo chegou a anunciar que faria a concessão da Ferrovia Norte-Sul neste ano, mas o ministro dos Transportes, Portos e Aeroportos, Maurício Quintella, já indicou que são mínimas as possibilidades de isso ocorrer e que o leilão do trecho deve ficar mesmo para 2017. Já a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) nem sequer chegou a entrar no pacote de privatizações anunciado pelo Palácio do Planalto.
Iniciadas há praticamente dez anos, as ferrovias federais já passaram por duas edições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), duas edições do Programa de Integração em Logística (PIL) e, agora, sob comando do governo de Michel Temer, são inseridas no “Programa Crescer”. Uma década depois, não se sabe ainda em que condições serão concedidas, ou mesmo quando terão parte de seus trechos concluída.
Ainda assim, não faltam interessados. Recentemente, a estatal russa RZD, uma das maiores companhias ferroviárias do mundo, percorreu o trecho pronto da Norte-Sul, entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), para analisar as condições da ferrovia e seu potencial. Chineses também conversaram com o Ministério dos Transportes sobre o possibilidade de assumir a Fiol.

De grão em grão a galinha enche o papo, por Ladislau Dowbor


Ladislau Dowbor
28 de junho de 2016
13501669_1113323925402901_3038991760338697246_nVocê já comeu no Sujinho? Um ótimo restaurante na Consolação, aqui em São Paulo. Fora de série. Mas o que me deixou mais contente foi este aviso aos clientes: “Não aceitamos nenhum cartão de crédito, nem de débito, motivo: altas taxas cobradas pelas administradoras, que no caso de aceitarmos, teremos que repassar no nosso cardápio, prejudicando os nossos clientes, não achamos justo, estamos negociando.”
Imagina colocar um aviso deste na mesa de um economista com apetite. Jantei muito bem, com ótimos amigos, e tirei a foto do aviso. Em casa pedi a ajuda de Marcos do Espírito Santo, mestrando em economia, que me localizou a tabela básica que explica o pedido da gerência do Sujinho e o meu contentamento. Leitor, não se assuste com a quantidade de números, em dois minutos você vai entender como é jantado, e porque o pessoal do Sujinho tem excelentes razões para a sua manifestação.
Na realidade a tabela é só para você poder verificar os dados, coloquei porque em economia qualquer um acha que é tudo mentira, a não ser que os dados coincidam com o que o qualquer quer achar. Portanto vou explicando em prosa, não em financês, e você poderá sempre verificar os dados na tabela, na última coluna. Tabela que é da ABECS, a associação que cuida de se manter este lucrativo negócio, e portanto acima de qualquer suspeita. Inclusive porque no site da instituição constatamos que tem Conselho de Ética e Autoregulação.
Muita gente naturalmente paga com cartão. Como entrar em dívida no Brasil é suicídio, os mais conscientes e forrados pagamos as despesas com cartão, mas à vista, acreditando não incorrer em custos. No entanto, mesmo pagando à vista, numa compra com cartão na modalidade “crédito”, tipicamente uma loja tem de pagar cerca de 5% à instituição financeira dona do cartão, além do aluguel da máquina, coisa menor esta última, pois estamos falando de um pedágio de 5% sobre todas as vendas de milhões de estabelecimentos.
Estes 5% podem ser menos para grandes lojas com capacidade de negociação com o sistema financeiro, mas de toda forma trata-se de um gigantesco imposto privado sobre o consumo, reduzindo drasticamente a capacidade de compra do consumidor. Podemos nos refugiar na modalidade “débito”: mesmo nesta modalidade, as instituições financeiras cobram cerca de 2%, frequentemente mais para empresas pequenas. É muito? Podemos tomar como referência a CPMF que cobrava 0,38%, o que escandalizou a Veja. Era para o governo e para a saúde, não para os bancos. Portanto era escandaloso. Mas vamos ao tamanho do pedágio no caso dos cartões.
Poderíamos considerar que os 5% cobrados na modalidade crédito da compra à vista, e 2% na modalidade débito, correspondem aos custos de gestão dos cartões: para termos uma referência, nos Estados Unidos o custo por transação para as operadoras de cartão é da ordem de 4 centavos de dólar (uso aqui os dados da pesquisadora americana Ellen Brown, p. 14)), cerca de 14 centavos de real. Quando você faz uma compra à vista de 100 reais numa papelaria, por exemplo, pagando com cartão na modalidade crédito, serão debitados 100 reais da sua conta, mas creditados 95 reais na conta da papelaria. A papelaria naturalmente terá de aumentar os preços de forma correspondente, ou seja, os 5 reais sairão do seu bolso. É limpo e elegante. Chique, inclusive, dependendo do cartão. E é o que o Sujinho está se recusando a fazer.
O que acontece com os 5 reais abocanhados pelo banco? Terá de descontar os seus custos de 14 centavos por transação. Simples aritmética, neste caso lucra 37 vezes mais do que o custo da operação. Um custo/benefício fantástico, e ainda se beneficiando da ótima reputação que gera a ajuda e praticidade que nos permite nas transações diárias, como se tivessem inventado o pagamento por cartão. Aumenta os preços, e isto aliás se chama inflação.
O que isto representa para a economia? Bem, antes de tudo, como todos usamos cartão, somos clientes cativos, e como se trata de um cartel, não adianta mudar de cartão. E os lucros afluem para algumas poucas instituições financeiras, representando muito dinheiro, mas os custos são distribuídos por milhões de consumidores, o que faz com que cada um de nós, digamos, se cale e aguente. Não dá para brigar a cada instante e em todo lugar. Ou seja, é um mal democraticamente distribuído para evitar protestos.
indicadoresmensais
(clique na imagem para ampliar)
Mas e do lado da instituição financeira? Em 2014 tivemos um pouco mais de 10 bilhões de transações com cartões (primeira cifra na última coluna), somando as operações na modalidade crédito e na modalidade débito. O valor transacionado é de 963 bilhões de reais. Se adotarmos os 14 centavos por transação, o custo para as instituições financeiras soma 1,4 bilhões de reais. E do lado dos lucros? Vejam que foram transacionados 610 bilhões na modalidade crédito. Um pedágio de 5% sobre este volume de recursos representa 30,5 bilhões de reais. Na modalidade débito, foram transacionados 353 bilhões, o que estimando a média de 2% de pedágio daria 7 bilhões de reais. No total, ordem de grandeza, pois aqui não estamos com gente que se preocupa com centavos, 37,5 bilhões de reais. Descontando os custos da ordem de 1,4 bilhões, temos aqui um lucro simpático de 36 bilhões de reais, da mesma ordem de grandeza que o Bolsa Família que tirou 50 milhões de pessoas da miséria, sendo que aqui, este Bolsa Banqueiro evidentemente favorece pessoas em número bem menor e que de miséria só ouviu falar.
Temos aqui um enorme pedágio que tira recursos da economia real para o sistema de intermediação financeira, e encarece todas as nossas compras. É um “imposto” privado que sai do nosso bolso. A Abecs considera que esta carteira “está sendo responsável por fomentar o crédito ao consumidor no país”. É uma forma positiva de apresentar o problema, mas o que é fomentado é o custo das transações, e portanto o lucro do intermediário financeiro, e não o consumo. Tirar uma lasquinha de todo mundo, e discretamente, funciona. Quem é que vai entender o que acontece por detrás da maquininha?
E não estamos falando no rotativo do cartão, que o Banco Central calcula em 471% neste junho de 2016, ou os mais de 300% no cheque especial, além dos mais de 100% nos crediários. Estamos aqui falando de pouquinha coisa, mas que atinge todo mundo. Miguel de Oliveira, diretor da Anefac, resume bem a situação: “A pessoa que não consegue pagar a fatura e precisa parcelar, ou entrar no rotativo, na verdade está financiando a dívida do cartão de crédito com outro tipo de crédito. O problema é que essa dívida não tem fim. As pessoas acabam não se dando conta dos juros que terão que pagar.”(DCI, B1, 20/08/2014) Nestas modalidades o rombo é ainda muito maior, mas 36 bilhões de reais não são desprezar. Crise? O PIB cai mas em 12 meses o Bradesco aumentou os seus lucros em 25,9%, enquanto o Itaú os aumentou em 30,2%. Tem coisa que funciona.
Sim, no Sujinho a carne é ótima.
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Anefac – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contábeis.