sexta-feira, 18 de setembro de 2015

o fenômeno do ‘espírito golpista dos ricos contra os pobres’

De Veríssimo, no globo:
Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres. O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar. Economistas liberais recomeçaram a pregar abertura comercial absoluta e a dizer que os empresários brasileiros são incompetentes e superprotegidos, quando a verdade é que têm uma desvantagem competitiva enorme. O país precisa de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores e setores da baixa classe média, contra os rentistas, o setor financeiro e interesses estrangeiros. Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente. Não é preocupação ou medo. É ódio. Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou. Continuou defendendo os pobres contra os ricos. O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos rentistas. Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita. Dilma chamou o Joaquim Levy por uma questão de sobrevivência. Ela tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem tem o poder. A divisão que ocorreu nos dois últimos anos foi violenta. Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho. E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.
Nada do que está escrito no parágrafo anterior foi dito por um petista renitente ou por um radical de esquerda. São trechos de uma entrevista dada à “Folha de São Paulo” pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que, a não ser que tenha levado uma vida secreta todos estes anos, não é exatamente um carbonário. Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano. Mas confesso que até eu, que, como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna admiração. Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera.
Outro trecho da entrevista: “Os brasileiros se revelam incapazes de formular uma visão de desenvolvimento crítica do imperialismo, crítica do processo de entrega de boa parte do nosso excedente a estrangeiros. Tudo vai para o consumo. É o paraíso da não nação.”

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

DESPOLUIÇÃO DO TIETÊ É REIVINDICAÇÃO ELITISTA, por Alvaro Rodrigues dos Santos



Desde já explicando adequadamente esse título francamente provocativo. Por óbvio

que todos gostariam e mereceriam rios urbanos inteiramente despoluídos, capazes de

honrar a história e prover as cidades de elementos ambientais, culturais e de lazer,

quando não de saudáveis recursos hídricos para abastecimento e de infraestrutura

natural para o transporte hidroviário.

Porém, esse tipo de reivindicação, quando expresso isoladamente, fora do contexto

mais geral de programas de saneamento básico, imaginando para tanto que a desejada

despoluição venha a ser fruto de ações junto ao próprio curso d’água, como o

conhecido Projeto Flotação que pretendia com intervenções tecnológicas no próprio

canal despoluir o que nos resta do Rio Pinheiros, implica inexoravelmente em dirigir

grande quantidade de recursos públicos escassíssimos em operações de limitado

alcance social e que em nada mudariam o baixíssimo patamar de saneamento público

de nossas cidades; deficiência essa que, paradoxalmente, está na raiz da poluição dos

rios urbanos.

Fixando a afirmação: a poluição dos rios urbanos é causada pelas águas, fluidos e

detritos vários originados pelas cidades que os envolvem. Não há poluição hídrica

gerada nos próprios rios. A qualidade das águas dos rios urbanos é conseqüência e

retrato direto e exato da qualidade dos serviços urbanos de saneamento (distribuição

de água potável, recolhimento de efluentes por redes de esgotos, tratamento dos

esgotos recolhidos e realimentação da rede hidrográfica).

Vejamos alguns números (ordens de grandeza) da maior metrópole brasileira, a

paulistana (RMSP), a qual geograficamente coincide em sua maior parte com a Bacia

Hidrográfica do Alto Tietê, que tem o próprio Tietê como rio principal e o Pinheiros

e o Tamanduateí, como seus principais afluentes: volume de esgoto gerado

anualmente: 1.350.000.000 m³; volume de esgoto coletado: 900.000.000 m³/ano;

volume de esgoto tratado: 497.000.000 m³/ano. Do que se depreende que, por dados

oficiais, são recolhidos apenas 67% do esgoto total gerado, e são tratados apenas

cerca de 37% desse mesmo volume total. Ou seja, bem mais da metade do esgoto

gerado na RMSP é lançado em termos práticos diretamente na rede hidrográfica

urbana. Isso sem considerar as inúmeras e qualitativamente expressivas

irregularidades de esgotos auto-gerados não oficialmente computados e

irregularmente lançados in natura que sabidamente existem em abundância em toda a

metrópole, o que evidentemente torna a situação ainda mais grave.

Pois bem, frente a esse terrível quadro, e sabedores que suas vítimas maiores habitam

áreas faveladas e as zonas periféricas pobres de nossas cidades, fica-nos

absolutamente claro que os ganhos que teremos na qualidade das águas de nossos rios

serão fruto direto dos ganhos que tivermos nas políticas públicas de saneamento

básico. Isto é, nossos rios serão despoluídos na medida da extensão das boas práticas

de saneamento para toda a cidade, ou, em outras palavras, nos ganhos de cidadania

em saneamento básico. De quebra, teremos rios limpos e cheios de vida. Ou seja, a

despoluição dos rios acontecerá como decorrência natural, em um movimento de fora

para dentro, se assim pudermos dizer.

Nesse cenário, onde está caracterizado um claro injustiçamento social das populações

mais pobres, podemos afirmar, sim, que a reivindicação de termos rios limpos

resultantes de caríssimas operações tecnológicas neles próprios aplicadas, enquanto a

população pobre obriga-se a viver arriscadamente em ambientes contaminados por

esgotos a céu aberto, contém sim um indisfarçável caráter elitista e excludente.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

 Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT  - Instituto de Pesquisas Tecnológicas

 Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira

da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e

Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.

 Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

domingo, 13 de setembro de 2015

Depois da erva, na FSP


Legalização da maconha atrai turistas e mendigos às ruas do Colorado; após medida, índice de crimes relacionados às drogas cresceu na capital
GABRIEL ALVESEM DENVER (EUA)Não é difícil, ao percorrer as ruas de Denver, capital do Estado do Colorado (EUA), encontrar indícios de que a atmosfera mudou por lá. Um grande cartaz anuncia uma convenção com o slogan "Marijuana is business".
Nela serão discutidos modelos de negócios que têm como produto-base as ervas do gênero Cannabis.
O Estado, montanhoso e localizado no meio-oeste americano, é um dos quatro onde a maconha recreativa é legal.
Os outros são Washington, Oregon, Alasca, além do Distrito de Columbia, onde fica a capital americana.
O processo de legalização no Estado americano começou em 2012 com um referendo. Em 2013, houve a regulamentação e, desde o início de 2014, já era possível comprar legalmente a erva.
No Brasil, uma sessão do STF iniciada em agosto determinará o futuro da descriminalização do porte de drogas no país. Três ministros dos 11 se posicionaram a favor, pelo menos em relação à maconha, e Teori Zavascki pediu vistas do processo.
Em todo o Estado do Colorado e na capital, Denver, conhecida como "mile high city" por estar a uma altitude de uma milha (1,6 km), há inúmeras lojas autorizadas a realizar o comércio de maconha e derivados.
Na 16th, rua que funciona como shopping a céu aberto, no centro da cidade, uma delas se propõe, em aviso na fachada, a ajudar o usuário a ficar "stone mountain high" (ou "tão alto quanto uma montanha"), trocadilho com "high" (alto), que na gíria em inglês quer dizer "chapado" ou "alterado" por uma substância.
Atualmente, o uso em qualquer local público é proibido. Não é difícil, porém, ver pessoas em carros ou nas ruas da cidade descumprindo a lei.
O uso recreativo é coisa séria para os empresários do setor. Mesmo com impostos que beiram os 30%, as lojas não param de se multiplicar.
Em 2014 foram arrecadados mais de US$ 40 milhões (R$ 155 milhões) só em impostos sobre a maconha recreativa (sem contar aquela que é usada para fins medicinais).
Ainda em franco crescimento, o mercado de maconha no Colorado, seja medicinal ou recreativa, é estimado em mais de US$ 700 milhões (R$ 2,7 bilhões).
'HOMELESS'
Se, por um lado, mais receita é gerada para o Estado e uma parte dela vai para a construção de escolas, por outro, setores da sociedade reclamam de uma invasão de mendigos na cidade.
O problema não é novo, mas tem se intensificado, e muitos atribuem essa entrada à liberação da maconha.
"Need money for pot" (precisa-se de dinheiro para maconha), dizia um cartaz segurado por um homem que aparentava estar na faixa dos 40 anos, em uma rua no centro da cidade. Outros pedem dinheiro para comida.
Pessoas que trabalham e frequentam a região se incomodam com a presença dos "homeless" (sem teto).
Algumas iniciativas particulares e do governo local almejam resolver o problema, mas a quantidade de pessoas impede que se atenda a todas da maneira mais adequada.
Uma das implicações do aumento de mendigos seria uma expansão da criminalidade. No Estado, crimes relacionados às drogas aumentaram 7,7% em 2014 em relação a 2013 –ano anterior à liberação das vendas, apesar de outros tipos de crime terem se mantido estáveis.
Nesse período, a cidade de Denver também não viu grandes mudanças. Em 2015, só na capital, houve alta de 75% de homicídios, de 25,7% de estupros e de 12,5% de roubos. Não há dados estaduais ou nacionais no período para comparação.

    Lojas do ramo criam produtos com maconha

    Bala com princípio ativo custa até R$ 97
    EM DENVER (EUA)Para atrair os clientes, experientes ou novatos, as lojas de maconha em Denver, no Colorado (EUA), apostam em produtos exclusivos, como plantas híbridas projetadas para proporcionar níveis customizados de alterações mentais para os clientes.
    Um dos lançamentos é uma variedade de Cannabis que leva o nome do DJ Griz Kush, que seria adequada para relaxar e manter a criatividade em alta –para compor músicas, por exemplo.
    Um grama da maconha personalizada custa US$ 20 (R$ 76), mas outras mais comuns podem custar até US$ 12 (R$ 47) o grama. Uma pessoa pode carregar consigo até 28 g de maconha.
    Em São Paulo, a erva costuma ser comercializada (ilegalmente) por R$ 4 o grama, mas "está longe de ter a potência da planta daqui [de Denver]", conta um turista brasileiro sob condição de anonimato.
    O valor é considerado justo pelos compradores e, para quem é avesso à fumaça, há uma grande variedade de produtos, como cookies, chocolates, balas, bebidas e até mesmo sprays, extratos e loções para massagem.
    Os preços variam de acordo com a quantidade de THC (princípio ativo da maconha). Por exemplo, uma bala que contém 10 miligramas sai por US$ 5 (R$ 19), outra, com 100 mg, sai por US$ 25 (R$ 97).
    Pessoas de todas as idades, a partir dos 21 anos, frequentam as lojas de Denver, movimentando o turismo da cidade relacionado à droga.
    TURISMO
    "Eu diria que 75% dos nossos consumidores são turistas. O que é ótimo para a cidade: hotéis, companhias aéreas, restaurantes... É bom para todos", afirma John Swenson, de 23 anos, que trabalha há um ano em uma das lojas da rede Native Roots, especializada no comércio desses produtos.
    As queixas de grupos contrários à legalização, diz, não atrapalham os negócios. "Até agora ninguém veio aqui na loja reclamar", brinca.
    Para os entusiastas, a nova meta é liberar o consumo em espaços coletivos, com se fossem "clubes da maconha".