domingo, 25 de maio de 2014

Metade das famílias de classe média vive 'enforcada'

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Entre os entrevistados, 28% ganham para pagar dívidas e 22% são desorganizados; os mais pobres são os que se programam melhor

17 de maio de 2014 | 19h 13

Alexa Salomão - O Estado de S. Paulo
As classes C, D e E podem dividir a base da pirâmide, mas não lidam com questões financeiras da mesma maneira. Essa é outra constatação da pesquisa realizada pela consultoria Plano CDE. Apesar de ter mais renda, a classe média – aquela que puxou o consumo nos últimos anos – demonstra menos habilidade do que os mais pobres para lidar com as contas.
Nailda tem cinco cartões e dívida equivalente ao triplo de sua renda - Felipe Rau/Estadão
Felipe Rau/Estadão
Nailda tem cinco cartões e dívida equivalente ao triplo de sua renda
A Plano criou três perfis de relacionamento de orçamento familiar. O organizado (faz a gestão de ganhos e gastos, se priva e, quando consegue, poupa). O desorganizado (não sabe quanto ganha ou gasta e entra no vermelho regularmente). O orientado pela dívida (que destina tudo que ganha ao pagamento das contas e vive com a corda no pescoço).
Apesar de serem considerados mais arriscados pelo sistema financeiro, porque têm renda inferior, os mais pobres se mostram bem mais organizados – 71% têm controle rigoroso das finanças.
As famílias de classe média que participaram da pesquisa tiveram um comportamento bem diferente – 22% se mostraram desorganizados e 28%, orientados pelas dívidas. Ou seja: metade deste grupo teve problemas para pagar as contas.
"Não podemos expandir o dado para o Brasil e dizer que metade da classe média, que reúne 98 milhões de pessoas – incluindo os 64 milhões de classe C – estão nessa condição", diz Luciana Aguiar, sócia diretora da Plano CDE. "Mas é possível dizer que há uma forte propensão a esse comportamento."
Na avaliação de Luciana, vários fatores contribuem para colocar a classe média nessa situação, além do fato de a renda oscilar. A falta de instrumentos financeiros adequados é uma delas. A classe média hoje recorre muito, por exemplo, ao cartão de crédito. Integrantes da pesquisa tinham cinco, alguns até dez cartões, que funcionavam como cheque especial.
Essa ineficiência também foi percebida em outras pesquisas. O SPC Brasil, empresa de cadastro de crédito, identificou no final do ano passado que 47% dos inadimplentes eram da classe C e estranhou o dado. "Na nossa avaliação, esse dado mostrou que a classe C não consegue se blindar com alternativas de crédito e rolagem de dívidas, como as classes A e B", diz Luiza Rodrigues, economista do SPC.
Dívidas. Há também questões comportamentais. As famílias que participaram da pesquisa responderam a 1.107 entrevistas. Nesses momentos, muitas diziam não ter dívidas. Mas, ao olhar em detalhe o orçamento nos diários financeiros, a Plano encontrava as dívidas.
"Definitivamente a noção de dívida entre os mais pobres não é a mesma dos economistas", diz Luciana. "Para eles, dívida é o que não conseguiram pagar – se renegociou ou parcelou um bem, não é dívida. O pagamento pode estar até atrasado, mas a pessoa só considera dívida quando decide que não vai pagar mesmo."
Essa classe também ampliou sua cesta de compras. Agora paga internet, TV por assinatura, plano de saúde, colocou o filho na escola privada, comprou uma moto, mas o supermercado ainda é o item que mais pesa no orçamento – 27% dos gastos. Essa composição faz com que essas pessoas fiquem mais fragilizadas diante de oscilações da economia. "À medida que avança, a camada mais baixa permanece sentindo a alta de preços dos produtos básicos, como alimentos, mas também passa a sentir parte da inflação de serviços. E sofre com as duas", diz o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Nailda Santos do Nascimento, 49 anos, está com dificuldades para lidar com os novos tempos. Ela tem carteira assinada e recebe por hora para cuidar da limpeza de um condomínio. Com os descontos, são pouco mais de R$ 500 por mês. Mas a sua principal fonte de renda é a pensão como viúva – R$ 1,6 mil. Com a renda de R$ 2,1 mil sustenta três filhas, numa casa própria em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo.
Em meados do ano passado, quando os gastos foram ficando maiores que os ganhos, começou a usar os cinco cartões de crédito que recebeu de lojas e bancos sem pedir, mas guardara para emergências. A dívida nos cartões passa de R$ 6 mil – o triplo de sua renda. Primeiro usou para pagar prestações atrasadas da faculdade da filha, depois para despesas pessoais e, por fim, os cartões bancaram a reforma da casa, que teve a estrutura abalada por uma infiltração do imóvel vizinho.
"Nunca tive o nome sujo porque, quando vejo que não vou conseguir pagar, renegocio, mas desta vez eu acho que não vou conseguir. Estou vivendo dos cartões e não saio mais do vermelho."

Tributação é indicada para reduzir diferenças


Para Piketty, rendimento do capital paga menos impostos do que ganho com trabalho

18 de maio de 2014 | 2h 06

CLÁUDIA TREVISAN , CORRESPONDENTE / WASHINGTON - O Estado de S.Paulo
Mais bem pago gestor de fundos de hedge dos Estados Unidos, David Tepper ganhou no ano passado US$ 3,5 bilhões, valor que grande parte dos americanos só conseguiria receber se vivesse 68 mil anos, considerando a renda média de US$ 51 mil em 2013. A fortuna dá a ele uma cadeira cativa no cada vez mais próspero 1%, cuja distância dos restantes 99% é crescente.
O abismo ajuda a explicar por que um livro sobre desigualdade escrito por um até agora não célebre economista francês se tornou um best-seller instantâneo no país capitalista por excelência. O nome de Thomas Piketty frequenta colunas de jornais, debates na academia, talk shows e discussões em mesas de bares e restaurantes.
Seu livro O Capital no Século 21 é o terceiro entre os mais vendidos na categoria de não ficção da lista do New York Times e aparece em segundo nos best-sellers da Amazon, uma façanha surpreendente para um tratado de economia de 696 páginas.
Com título inspirado no clássico O Capital, de Karl Marx, o calhamaço sustenta que a riqueza no século atual será cada vez mais concentrada nas mãos de poucos, com impactos nefastos sobre o funcionamento de democracias representativas.
"Quando a taxa de retorno sobre o capital excede a taxa de crescimento da produção e da renda, como ocorreu no século 19 e provavelmente ocorrerá de novo no 21, o capitalismo automaticamente gera desigualdades arbitrárias e insustentáveis, que corroem os valores da meritocracia nos quais as sociedades democráticas são baseadas", escreve Piketty.
Esse processo pode ser evitado com políticas públicas redistributivas, que implicam o radical aumento da tributação sobre os que estão no topo da pirâmide de renda, diz o francês. Segundo ele, a prática não é inédita e vigorou na maioria dos países desenvolvidos durante quase a metade do século 20, coincidindo com o período de menor concentração e desigualdade.
Nos Estados Unidos, a tributação sobre a faixa de renda mais elevada subiu de maneira drástica depois da Grande Depressão de 1929 e registrou uma média de 81% entre 1932 e 1980. A partir daí, caiu abruptamente e chegou a 28% em 1986, na onda neoliberal do governo de Ronald Reagan (1981-1989), que também promoveu a desregulamentação da economia e dos mercados. A alíquota subiu um pouco nos anos seguintes e, segundo Piketty, oscilou entre 30% e 40% entre 1980 e 2010.
A curva da concentração de renda traçou uma trajetória inversa. No fim dos anos 20, os 10% mais ricos detinham 50% da renda nacional. O porcentual caiu a 45% na década de 30 e se reduziu de maneira acentuada na seguinte, para cerca de 35%, nível mantido até o início dos anos 80. Depois disso, a concentração nas mãos dos 10% mais ricos aumentou de maneira constante e hoje está próxima dos 50% do início do século 20.
As estatísticas reunidas por Piketty mostram que movimento semelhante ocorreu em outros países desenvolvidos, nos quais os ricos passaram a se beneficiar de uma tributação regressiva: quanto mais alto estiverem na pirâmide de renda, menor a alíquota efetiva a que estão sujeitos. Em grande medida, isso reflete o tratamento mais benéfico dado ao rendimento obtido do capital do que ao ganho com o trabalho.
Regra Buffet. Terceiro homem mais rico do mundo, com US$ 65,2 bilhões de acordo com a revista Forbes, o investidor Warren Buffett disse no ano passado que pagaria proporcionalmente menos impostos do que sua secretária e todos os demais funcionários de seu escritório. Isso apesar de a alíquota sobre ganhos de capital ter sido elevada de 15% para 20%.
O bilionário se transformou em um dos maiores defensores do aumento da tributação sobre os mais ricos, a ponto de a proposta passar a ser conhecida como "A Regra Buffett". O presidente Barack Obama a encampou e propôs que milionários e bilionários paguem no mínimo 30% de impostos - enquanto os ganhos de capital pagam 20%, a alíquota máxima do Imposto de Renda é de 39,6%.
David Tepper, o bilionário citado no início, é o líder no ranking dos 25 gestores de fundos de hedge mais bem pagos dos Estados Unidos, elaborado há 13 anos pelo site setorial Institutional Investor's Alpha. O grupo faturou US$ 21,15 bilhões em 2013, valor que supera os US$ 15 bilhões que o Brasil deverá gastar com a Copa do Mundo.
O fato de que eles desempenham uma profissão que a maioria esmagadora da população teria dificuldade em descrever revela o peso desproporcional que o sistema financeiro passou a ter na economia nas últimas três décadas. Esses gestores atuam em um mercado pouco regulado e realizam investimentos agressivos, dos quais se espera rendimento mais elevado.
O livro de Piketty foi recebido com desdém pelo Partido Republicano e conservadores americanos, que se opõem a qualquer tentativa de aumento de impostos. Muitos atacaram o economista francês por sua proposta de criação de um imposto global sobre o capital, ideia que ele próprio vê como utópica.
Apesar disso, Piketty acredita que é possível avançar nessa direção, com adoção do tributo em âmbito regional. Sua função seria menos de geração de receita e mais de regulação do sistema financeiro e de fornecimento de informações sobre a riqueza de cada um. "Esse tributo abriria o caminho para evitar uma interminável espiral de desigualdade", diz o economista.

Crise na USP tem múltiplas facetas


Rombo financeiro, 'reajuste zero' e risco de greve são elos de uma estrutura que precisa ser revista, admitem veteranos da universidade

25 de maio de 2014 | 2h 05

LAURA GREENHALGH - O Estado de S.Paulo
"A primeira condição para superar esta difícil conjuntura é compartilhar as informações e não esconder a gravidade." Em uma carta de duas páginas, ilustrada com dois gráficos preocupantes, o médico e recém-empossado reitor da USP, Marco Antonio Zago, atestou a debilidade financeira da mais importante universidade pública do País e uma das cem melhores num ranking de 10 mil instituições pelo mundo. A USP mantém seus sinais vitais preservados. Há prognóstico de cura. Só que o diagnóstico desafia o tratamento, tantas são as enfermidades - do desequilíbrio financeiro do mês a mês a desajustes no seu papel institucional, num País que pleiteia cada vez mais posição de destaque no cenário global, embora com déficit educacional cada vez menos tolerável.
A carta de Zago, ao revelar que o pagamento da folha de pessoal da USP consome 106% do orçamento geral e que a reserva financeira da universidade tombou de R$ 3,6 bilhões, em 2013, para R$ 2,3 bilhões em 2014, preconiza medidas duras, desde a suspensão de obras e contratações até a disposição de congelar salários ante a ameaça de "reajuste zero" para o ano. A penúria uspiana, até em relação a seus pares - Unesp e Unicamp -, acende a luz vermelha: o que vem acontecendo a esse gigante do ensino superior, público e de qualidade, com seus 92 mil alunos, 5.860 professores e quase 17 mil funcionários técnico-administrativos? O comunicado do reitor surtiu efeito previsível: a mobilização das três universidades paulistas, que prometem entrar em greve nos próximos dias.
"De novo, voltamos a falar de orçamento. Mas os desafios vão além dessa conversa de verba, verba, verba", diz o filósofo José Arthur Giannotti, professor emérito da USP. Ao colocar a questão financeira como consequência, e não causa, de uma crise que abala o futuro da instituição, prefere atacar as amarras do funcionalismo público ao qual USP, Unicamp e Unesp se subordinam.
Acha que a última reforma universitária para valer aconteceu no tempo da ditadura, em 1969-70, e que, de lá para cá, viu a USP se transformar numa grande repartição. "Penso que não faltam recursos, mas são muito mal empregados." Vocaliza boa parcela do professorado ao pleitear a criação de um regime jurídico especial para a USP, custeada desde o final dos anos 1980 com repasses do ICMS da ordem de 5% do bolo geral - mecanismo que assegurou a autonomia financeira, ao lado da didática e administrativa.
Baderna, fora!. Em 1988, pressionado por protestos às portas do Palácio dos Bandeirantes, o governador Orestes Quércia acatou sugestão do então reitor da USP, o físico José Goldemberg, que por sua vez tinha o respaldo dos reitores da Unicamp e da Unifesp. Por decreto, Quércia destinaria 8,5% da arrecadação do ICMS para as três universidades públicas estaduais, e os reitores deixariam de passar o pires do orçamento anualmente. Quércia topou, o reitor saiu vitorioso e o índice do repasse de 8,5% para as instituições subiu para 9,57% com o passar dos anos. Mas hoje Goldemberg se arrepende de não ter incluído itens balizadores no texto do decreto governamental (mais informações na pág. A31).
Entre eles, algo que funcionasse como bússola financeira para os reitores: o orçamento geral da universidade deve reservar 80% para gastos com pessoal e 20% para custeio e investimento. "Parece um desequilíbrio, mas é preciso bem mais para pessoal, porque a universidade é feita fundamentalmente de gente", explica Goldemberg. Essa relação "quatro por um" manteve-se bem até 2010, quando a reitoria da USP foi entregue a João Grandino Rodas, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Rodas assumiu com cerca de 78% dos recursos comprometidos com pessoal, portanto, dentro da meta, e passou a reitoria em 2014 com o mesmo índice na casa dos 105%. Hoje há consenso em torno do seguinte ponto: a gestão do ex-reitor desbalanceou as finanças e ainda consumiu parte das reservas da instituição. O que não é consenso, no entanto, é se a crise atual deve atender só pelo nome de João Grandino Rodas. O debate se acirra.
"Desde os anos 50 não se via governança tão problemática. Sempre houve um padrão de gestão, uma estrutura, um trâmite na USP. A gestão Rodas, com seu plano de obras, volume de contratações e a oneração da folha, demonstrou que, embora estatutariamente o reitor não tenha tanto poder assim, na prática pode optar por uma gestão centralizadora", avalia Caio Dantas, ex-diretor do Instituto de Matemática e Estatística e ex-pró-reitor de Graduação. Visão endossada por muitos na cúpula uspiana, que estranham a baixa frequência com que o ex-reitor teria se reportado ao Conselho Universitário, instância máxima da universidade.
Walter Colli, médico de formação, professor titular aposentado do Instituto de Química e com meio século de dedicação integral à universidade, amplia o foco da crise. "Aos 80 anos, a USP precisa reformar seus estatutos. É o momento certo de estabelecer que reitores sejam auditados por órgão independente."
Na outra ponta, mas na mesma direção, reclama o servidor Magno de Carvalho, representante do sindicato dos funcionários, o Sintusp. "Para que construir um centro de convenções com teatro para 1,5 mil pessoas, como quis o Rodas? Para que comprar prédios caros e até uma mansão para integrar ao patrimônio da USP? Por que fazer dos câmpus no interior canteiros de obras quando falta dinheiro para cirurgia no Hospital Universitário?", questiona Carvalho, embora falando pela corporação mais beneficiada por Rodas: nos últimos quatro anos, os servidores tiveram aumento de 74%, contra os 43% do corpo docente.
Nina Ranieri, também professora da Faculdade de Direito e ex-assessora de vários reitores da USP, faz ponderações à gritaria anti-Rodas - com quem, esclarece, jamais trabalhou. "Não podemos confundir fluxo e investimento. Comprar imóveis para a universidade é também uma maneira de investir, imobilizando recursos em patrimônio. Já o que se vê no déficit da folha de pessoal, aí sim, é problema de fluxo." Nina relativiza o que para muitos terá sido uma gestão repleta de generosidades do ex-reitor, supostamente receoso de enfrentar uma ocupação da reitoria tão espalhafatosa quanto a da gestão anterior à sua, sob comando de Suely Vilela, da Faculdade de Farmácia de Ribeirão Preto. "Rodas descentralizou a administração. Trouxe o departamento jurídico e o centro de computação para fora da Cidade Universitária. Certamente não queria correr o risco de colapsar a administração, num confronto com grevistas. Desse ponto de vista, agiu bem."
Nós e os outros. Politização ou sindicalização da vida universitária? Para a maioria dos docentes ouvidos, a USP padece de aguda sindicalização em suas relações internas, o que trava o debate. "As discussões estão partidarizadas. O Brasil ficou assim, 'nós e os outros', e a universidade é o reflexo da sociedade", diz Colli. "A Adusp, que nasceu como uma associação dos docentes e teve papel de liderança no passado, hoje luta por modelos que julga certos e quer nos impor", agrega Dantas. "Parece haver uma divisão maluca na USP, entre marxistas e burgueses. Até Anísio Teixeira (1900-1971), o grande educador, virou burguês, já não se pode nem falar dele", provoca Eunice Durham, cientista social, professora titular da USP e ex-secretária Nacional de Educação Superior do Ministério da Educação no governo Collor de Mello (voltaria à pasta com FHC). A Adusp já está mobilizada para a greve: quer aumento salarial e cobra transparência nas contas da USP.
Eunice Durham defende que a atual crise sirva como oportunidade de revisão da estrutura da universidade, até mesmo para melhor empregar os recursos, como propõe Giannotti. Para ela, a USP sofre da "síndrome do modelo único", doença que contamina a instituição como um todo e a gestão das carreiras, em particular. "Como aplicar a mesma concepção de carreira acadêmica a um físico nuclear, um diretor de hospital e um regente de orquestra? É o que acontece aqui." Critica o sistema de avaliação dos docentes, "único, também", a peneira dos concursos, a rigidez na titulação, a exigência e perda de qualidade das publicações acadêmicas, e, por fim, a cristalização de uma ideia antiquada de profissão. "Tudo isso resulta dessa estrutura sem flexibilidade, cujos reflexos estamos vendo agora."
Kit faculdade. Em outras palavras, a USP, que ainda é referência para a vida universitária brasileira, acabaria alimentando desequilíbrios. Com carreiras de progressão mais lenta e remuneração média inferior, hoje perde professores para as federais, que por sua vez pagam salários melhores, fixados pelo Ministério da Educação. "Pior é a pressão que vem das particulares, que correspondem a 80% do ensino superior do País", alerta Giannotti. "Há casos escandalosos, universidades privadas que importam cursos prontos dos Estados Unidos. Kits para formação em Ciências Sociais, Direito... É comércio."
Nina, atualmente na assessoria jurídica do governador Geraldo Alckmin, tenta separar os desafios estruturais dos conjunturais na universidade octogenária. Do ponto de vista do regime jurídico, entende que, embora sujeita às normas do funcionalismo público, a USP dispõe de brechas para atuar em regime próprio, como favorecem certos artigos da Lei de Diretrizes e Base (LDB). "São brechas que possibilitam situações tais como selecionar docentes por currículos e não só por concursos, por exemplo." Do ponto de vista da sustentabilidade financeira, acredita que as universidades públicas estaduais, USP incluída, ainda não conseguiram chegar a um bom modelo de prestação de contas, seja internamente, seja ao poder público, seja à sociedade, lembrando que a autonomia financeira não as exime disso. "Em uma palavra, falta accountability", resume.
Como outras fontes ouvidas, a professora apoia a expansão recente da USP, que se multiplica em vagas, cursos e câmpus pelo Estado, no entanto questiona se esse crescimento deve ser pela base (a graduação) ou por meio da formação de quadros (leia-se 'doutores') que se espalhem pelo sistema universitário nacional, elevando o ensino superior como um todo. Entende que esse modelo de expansão "por cima" pode ter efeito democratizante. "Mas um dos problemas", diz Caio Dantas em sua avaliação, "é que não há visão sistêmica". "Um exemplo: hoje vemos alunos e docentes da USP sendo bancados para estudar em universidades inferiores à nossa do ponto de vista acadêmico. Pergunto: o que se ganha com esse tipo de internacionalização que não traz nada de bom como retorno?".