domingo, 25 de maio de 2014

Brasil, o elo partido, in CC


Salvo exceções, o País está distante das cadeias de fornecimento globais, eixos do dinamismo econômico mundial
por Carlos Drummond — publicado 25/05/2014 09:11
O ano de 2014 está perdido para a indústria, anunciou a Fiesp em abril, oito meses antes do fim do período, aparentemente sem surpreender ninguém. O índice de confiança dos empresários do setor medido pela FGV caiu para menos de 100 pontos, o mesmo nível atingido na grande depressão mundial de 2009.
Dificuldades (e avanços) acumularam-se nos últimos anos, mas as principais agruras do setor vêm de décadas atrás. Estudos recentes apontam uma das consequências da crise crônica da indústria: o Brasil distanciou-se dos padrões internacionais e hoje, exceto no caso de algumas empresas, é um elo partido das grandes cadeias de fornecimento globais, também chamadas de cadeias produtivas ou de valor. A situação é preocupante, mas o País tem condições de resolvê-la, asseguram as análises.
Uma cadeia de fornecimento global é o conjunto de empresas de diferentes países envolvidos nas diversas etapas de produção de um bem ou serviço, da produção ao marketing e à distribuição. O Ford Escort produzido em 1981 na Europa com peças de várias procedências é considerado o primeiro carro mundial fabricado nesse sistema. O iPhone e o iPad são exemplos recentes de utilização da mesma lógica de suprimento.
Ficar fora dessas redes mundiais de suprimento equivale a apartar-se do mundo industrial e econômico contemporâneo, porque elas “baratearam enormemente os custos e aumentaram a eficiência dos sistemas da produção manufatureira”, explica o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Mas “participar das cadeias globais é para quem pode, não para quem quer”, diz Mario Bernardini, diretor de competitividade da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, a entidade responsável pela mobilização, há um mês, de 21 associações empresariais para pressionar o governo federal por medidas de apoio à indústria de transformação. As reivindicações abrangem câmbio, juros, carga tributária, concorrência de produtos importados, desoneração de investimentos, indexação de preços, custo de energia e infraestrutura.
O conjunto de problemas considerados sistêmicos expressos na pauta encaminhada pela Abimaq explica em parte a inserção reduzida da indústria local nas cadeias globais e o baixo valor agregado nas transações do País com o mundo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e a Organização Mundial do Comércio consideram o Brasil uma das economias com menor valor adicionado de itens importados nas suas exportações, da ordem de 10%. Mas a sua contribuição em valor acrescentado às exportações de outros países é a segunda maior entre as economias em desenvolvimento, principalmente por conta das vendas externas de insumos e de matérias-primas. O seu lugar é mais o de um fornecedor de insumos para empresas de outras origens adicionarem valor às suas cadeias produtivas do que um exportador de produtos com maior valor adicionado. Empresas multinacionais buscam o País atraídas pelo mercado interno ou pela exploração de recursos naturais, mas não o veem como um local para agregar valor às cadeias globais às quais estão conectadas, concluem OCDE e OMC.
A elevada concentração no topo das cadeias de valor globais restringe o espaço de inserção dos países em desenvolvimento, mostra um levantamento feito por Peter Nolan, da Universidade de Cambridge, um dos principais estudiosos de cadeias produtivas e consultor oficial do governo da China (leia a tabela). Três empresas, em média, controlam quase 70% dos mercados mundiais em 31 setores e subsetores. São as integradoras das respectivas cadeias de valor global, quase todas com sedes nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Há apenas uma integradora brasileira, a Embraer, que reparte com a canadense Bombardier 75% do mercado mundial de aeronaves comerciais de 20 a 90 assentos.
O problema da baixa inserção da indústria brasileira ficou mais nítido com o impulso dado pela globalização às grandes cadeias produtivas mundiais. O setor foi menos ator e mais plateia desse movimento ocorrido entre 1980 e 2008. “A globalização é um fenômeno das economias asiáticas, europeias e americanas. Não chegou por aqui. Nós não fomos incluídos”, diz Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
A participação reduzida do Brasil tem a ver com a política econômica dos anos 1970 e a crise da dívida externa nos anos 1980, responsável por um choque de 15 anos na economia. “Antes do Plano Real, a situação grave do balanço de pagamentos e a ameaça da hiperinflação afastaram o País das estratégias de migração e reorganização da grande empresa transnacional”, diz Luiz Gonzaga Belluzzo, diretor da Facamp Faculdades de Campinas e consultor de CartaCapital. A partir do plano, controlou-se a inflação, mas “a valorização do real, além de reanimar a vulnerabilidade externa, desfavoreceu a participação brasileira nas cadeias produtivas globais, sobretudo nos setores em que as transformações estruturais e tecnológicas ocorriam com mais intensidade”.
O movimento de globalização e a estruturação das cadeias de valor globais abalaram também concepções enraizadas a respeito da evolução provável das economias nacionais e das empresas. “Ao contrário da crença dos economistas da corrente de pensamento dominante, o chamado mainstream, de que abrir as economias em desenvolvimento proporcionaria às empresas locais oportunidades para seguir o caminho daquelas dos países de alta renda, as três décadas de globalização testemunharam um grau sem precedentes de consolidação internacional e concentração industrial”, dizem Peter Nolan e Jin Zhang, pesquisadora de Cambridge, no estudo Competição Global pós Crise Financeira.
A trajetória da Embraer contrasta com a da maior parte do setor industrial. A empresa iniciou a articulação de educação, manufatura e pesquisa há 45 anos, com apoio do governo, através do Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Um desenvolvimento anterior, portanto, às políticas liberalizantes dos anos 1980.
Com as transformações financeiras e organizacionais e as novas formas de concorrência surgidas a partir dessa década, as grandes empresas dos países desenvolvidos reconfiguraram o ambiente internacional. O crescente comércio entre as indústrias e principalmente o suprimento mundial, ou global sourcing, tiveram um papel decisivo nas estratégias de internacionalização das cadeias de fornecedores beneficiadoras, a partir da década de 1990, das economias asiáticas, em especial da chinesa. A maior parte do suprimento da Boeing, uma das integradoras da cadeia global de produção de aeronaves de grande porte, provêm de empresas do Japão, Coréia do Sul, Taiwan e China. A situação da Airbus, concorrente da Boeing, da Bombardier e da Embraer é semelhante.
“A realidade do setor aeronáutico, em âmbito mundial, exige produtos no estado da arte da tecnologia para manter as empresas competitivas e geradoras de empregos. Poucos fornecedores em todo o mundo estão aptos a prover muitos dos componentes e peças com as especificações necessárias para tais produtos, o que faz com que as cadeias sejam globalizadas”, diz Nelson Salgado, vice-presidente de relações institucionais e sustentabilidade da Embraer. A empresa auxilia o desenvolvimento dos seus fornecedores nacionais para atendimento dos padrões de excelência e competitividade exigidos para inserção na cadeia global e aumento do índice de nacionalização dos seus produtos.
As cadeias globais de valor “tornaram-se uma força central impulsionadora de mudanças estruturais em muitas economias modernas”, afirma a Confederação Nacional da Indústria em estudo coordenado por Timothy Sturgeon, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Gary Gereffi, da Universidade de Duke. Historicamente, o Brasil conta com uma base de tecnologia nacional mais sólida que a China ou o México. Não desenvolveu indústrias plenamente competitivas, mas a substituição de importações no passado criou bolsões de excelência que podem, com base em uma combinação correta de políticas, desempenhar papéis importantes nas cadeias globais de valor daqui para a frente. Cabe ao Brasil resolver os problemas crônicos da sua indústria, coordenar as políticas de governo já existentes e procurar as empresas estrangeiras bem situadas nas cadeias, dizem os pesquisadores.
“Temos uma grande base instalada de empresas transnacionais. A maioria delas agrega muito valor, com fábricas e centros de desenvolvimento locais”, diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. Boa parte é dirigida por executivos brasileiros, ou estrangeiros com relação estreita com o País. “Deveríamos negociar com esses dirigentes um maior compromisso com produção e inovação locais, exportações, empregos e tudo que possa acelerar e qualificar nossa inserção externa”, sugere Lacerda.
Para Gomes de Almeida, a solução dos problemas sistêmicos da economia permitiria explorar melhor setores em que o Brasil tem muita expertise, como as indústrias automobilística, de bens de capital, mecânica, de equipamentos elétricos, eletrônica, de alimentos. O economista defende “uma política especial para envolver as multinacionais que fracionam sua produção no mundo sem incluir o Brasil, a não ser como fornecedor básico e mercado final, apesar de estarem instaladas no País”.
A cadeia produtiva do petróleo exemplifica avanços e possibilidades no caso brasileiro. Há um investimento significativo da Petrobras em exploração e refino do petróleo. É importante aproveitar a capacidade industrial de convertê-lo no País em produtos químicos e petroquímicos hoje, em grande parte, importados, disse Carlos Fadigas, presidente da Braskem, no Fórum Brasil promovido em março por CartaCapital. Nas etapas anteriores à produção de petróleo, inclui-se a construção de plataformas de prospecção, responsável pelo renascimento do setor de estaleiros no Brasil.
Falta ao Brasil “entender a nova geografia da produção”, diz Renato da Fonseca, gerente de pesquisa e competitividade da CNI. Com o avanço do comércio e da tecnologia, não se concebe mais produzir tudo em um país. O conteúdo local dos produtos é importante, mas deve-se defini-lo com cuidado, “para acertar a dosagem”. Antes, no entanto, é preciso proporcionar à indústria boas condições locais de operação.

sábado, 24 de maio de 2014

Vila Itororó, finalmente, vai ser recuperada

A Prefeitura anunciou hoje que as obras de restauro da Vila Itororó, no Bexiga, finalmente vão começar. O projeto de recuperação do histórico conjunto arquitetônico foi idealizado há 40 anos, pelos arquitetos Benedito Lima de Toledo e Décio Tozzi. Nesta primeira fase, que deve ser iniciada em junho, serão investidos R$ 4 milhões – via lei de incentivo fiscal, metade de um banco, metade de uma construtora.
“A obra será executada em quatro etapas”, explica o arquiteto Tozzi. “No total, é uma obra para quase R$ 50 milhões, mas outras empresas patrocinadoras devem surgir.” A primeira fase está prevista para ser concluída em outubro. No período, “será feita a análise estrutural das edificações, limpeza geral do terreno, instalação do canteiro de obras, drenagem do solo, demolições e remoção de entulho e o início da consolidação das construções que compõem o conjunto arquitetônico”, conforme informou a Prefeitura, em nota.
“Só depois da limpeza poderemos entrar lá para avaliar a situação atual”, comenta o arquiteto Toledo. “A vila foi muito vandalizada nos últimos anos, infelizmente.”
Após o restauro, no local deve funcionar um abrangente centro de memória, com espaços museológicos, recintos para exposições, salas para oficinas, biblioteca, brinquedoteca e até um restaurante italiano, com o objetivo de difundir a culinária característica do bairro, conhecido pelas cantinas. “Também haverá uma residência artística, para que artistas de outras parte do mundo, com projetos, passem temporadas ali, estudando e produzindo”, conta Tozzi.
História. A vila foi construída entre 1916 e 1922 pelo tecelão português Francisco de Castro e ficou conhecida como Vila Surrealista, por causa da arquitetura extravagante, com grandes carrancas e outros adornos. É formada por 37 casas e um palacete, com piscina. De acordo com a dupla de arquitetos, foi a primeira piscina particular de São Paulo e era abastecida com água corrente, do córrego.
Por suas peculiaridades arquitetônicas, o endereço sempre foi visto com curiosidade pelos paulistanos. Muitos dos pilares e carrancas instalados ali antes pertenceram ao Teatro São José, destruído por um incêndio em 1898 – o português Castro teria comprado os adornos de revendedores de materiais de demolição.
Ao longo do século passado, o conjunto de casas foi se transformando em cortiço – o local abrigava 86 famílias até 2011. A Vila Itororó é protegida pelos órgãos de patrimônio histórico municipal.

Andrea Calabi: Uma questão de gestão


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Ao contrário do que afirma ex-reitor João Grandino Rodas, em seu artigo "O orçamento da USP", publicado pela Folha na quarta-feira (21), a crise da universidade não se deve ao modelo de financiamento. Dados recentes mostram que não houve diminuição de arrecadação de ICMS no Estado de São Paulo.
Em uma escala mais longa, verifica-se que entre 2007 e 2013 a receita de ICMS cresceu 83% em termos nominais, ou seja, 31% em termos reais, descontada a inflação. A receita obtida pela arrecadação do imposto no ano passado foi de R$ 119 bilhões, 6,4% maior do que em 2012, incluindo os programas de parcelamentos.
A vinculação de recursos do ICMS às universidades paulistas nasceu com um decreto de 1989, com o percentual de 8,4%. Em 1993, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) paulista determinou a destinação de 9% da quota-parte estadual do imposto às universidades, valor majorado para 9,57% na LDO de 1995 e mantido desde então, de forma que os repasses acompanham a evolução do ICMS. O governador Geraldo Alckmin comandou o absoluto respeito ao repasse imediato das parcelas devidas às universidades. No ano passado, foram transferidos R$ 8,30 bilhões. A USP recebeu R$ 4,36 bilhões, a Unesp R$ 2,03 bilhões, e a Unicamp R$ 1,91 bilhão.
Nesse sentido, o "quadro de dificuldades" a que o ex-reitor se refere deve-se mais à gestão dos recursos por parte do corpo diretivo das universidades do que ao volume dos repasses. Dados da Evolução de Receitas e Despesas da USP, disponíveis no site da instituição, mostram que em 2013 a universidade gastou além da conta: recebeu R$ 4,36 bilhões e gastou R$ 5,37 bilhões. No início de 2013, a USP tinha R$ 3,3 bilhões em caixa e, ao final desse ano, esse valor caiu para R$ 2,7 bilhões.
Os presidentes das Associações de Docentes da USP, Unicamp e Unesp faltam com a verdade no artigo "A conta que não fecha", publicado pelaFolha no mesmo dia, ao se referirem aos programas de parcelamento de débitos como "artimanhas governamentais" que resultam em "desfalques inaceitáveis".
Apenas o Programa Especial de Parcelamento do ICMS de 2013 rendeu nesse ano aos cofres do Estado R$ 6,3 bilhões. Parte dessa arrecadação adicional foi parar no caixa das universidades –R$ 106 milhões apenas na USP. A acusação de que o Estado não repassa os juros cobrados sobre a arrecadação do ICMS atrasado e em programas especiais de parcelamento não possui o menor embasamento legal. A LDO lhes destina 9,57% do ICMS, e não das receitas adicionais associadas à cobrança do tributo em atraso.
Surpreende o ataque à Nota Fiscal Paulista, principalmente porque os cidadãos, ao solicitá-la, contribuem para formalizar as operações comerciais do ICMS, combater a sonegação do imposto e aumentar a arrecadação, base dos repasses às universidades. Ao pleitear que as devoluções aos consumidores não devessem ser subtraídas da base de cálculo dos repasses, os autores mostram desconhecimento da lei que instituiu o programa.
A atual crise que enfrentam as universidades estaduais decorre de suas próprias decisões, adotadas de forma independente. O governo do Estado simplesmente repassa valores para que elas administrem.
Em São Paulo, a Constituição Estadual determina que 30% das receitas tributárias sejam destinadas às despesas com educação, percentual superior ao exigido pela Constituição Federal, que é 25%. São Paulo cumpre sistematicamente a regra, fiscalizada com rigor pelo Tribunal de Contas do Estado.
Dos 30% das receitas, os R$ 8,30 bilhões correspondentes às três universidades atendem a um quadro de 60 mil servidores ativos e inativos. Os R$ 22,20 bilhões restantes vinculados à educação servem a uma rede de 510 mil servidores, incluindo os 240 mil professores ativos da rede estadual. São 180 mil alunos das três universidades e 4,3 milhões de alunos no nível fundamental, médio e do ensino técnico.
O ICMS é a maior fonte de recursos do Estado de São Paulo. As três universidades paulistas recebem do Tesouro estadual uma alta proporção daquele que é seu mais importante tributo, o que reflete o comprometimento do governo do Estado de São Paulo com o ensino superior.
ANDREA CALABI, 68, é secretário da Fazenda do Estado de São Paulo