segunda-feira, 19 de maio de 2014

Efeitos duradouros

18 de maio de 2014 | 2h 10

Flávia Scabin
A fabricante americana de medicamentos Eli Lilly foi condenada a pagar indenização de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos pela

contaminação de ex-trabalhadores expostos a substâncias tóxicas na fábrica do grupo, em Cosmópolis (SP). A empresa disse que vai recorrer.

Tem sido cada vez mais recorrente a condenação de empresas pelo Judiciário por práticas de violações sistemáticas de direitos, especialmente em relação aos impactos provocados por grandes empreendimentos que afetam as comunidades locais e a casos envolvendo a presença de trabalho escravo nas diferentes cadeias produtivas.

A condenação pela Justiça do Trabalho de Paulínia das empresas Eli Lilly do Brasil e Antibiótico do Brasil há duas semanas é mais um exemplo que deve ser compreendido nesse contexto. Nesse caso, as empresas foram condenadas a pagar integralmente o tratamento de todos os trabalhadores que passaram pelo menos 6 meses na fábrica do grupo em Cosmópolis (região de Campinas), e também de seus filhos, pela exposição a substâncias tóxicas depositadas indevidamente em seu terreno, ao que se estimou o valor de R$ 1 bilhão em indenizações.

Tanto nesse caso quanto na mais recente decisão tomada pela Justiça do Trabalho de São Paulo contra a Zara, que responsabilizou a empresa por violações em toda a sua cadeia de produção, há muito mais em jogo do que as relações trabalhistas podem indicar, considerando as dimensões e o número de pessoas envolvidas. Essas decisões trazem a discussão da responsabilização das empresas para o campo dos Direitos Humanos.

De fato, a aprovação pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, em junho de 2011, dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos e a sua adoção por 193 países, incluído o Brasil, já foi um sinal relevante de que os Estados, a quem exclusivamente se reputava violações a direitos humanos, podem não ser mais considerados os únicos vilões.

Essas decisões, aqui consideradas em conjunto, têm em comum o desafio de lidar com casos de violações sistemáticas de direitos, seja porque envolvem toda uma cadeia de produção, como foi o caso da Zara, seja pela extensão dos seus efeitos no espaço e no tempo, como costuma ocorrer em casos de contaminação ambiental, a exemplo da Eli Lilly.

Nesses casos, persiste um padrão de desafios para a supressão de violações que incluem desde a dificuldade para a identificação e responsabilização dos que causam violações até a dificuldade na produção de provas - porque nem sempre é tão simples correlacionar uma doença depois de passados anos da exposição à substância tóxica, como também não é simples associar a extinção de um sítio de pesca de comunidade indígena a uma grande empreendimento sendo construído ali próximo.

O caso da Eli Lilly não foi diferente. Nos autos do processo, se reconhece diversas vezes a dificuldade de se apurar a relação entre a presença dos contaminantes no subsolo e lençol freático do terreno e os casos de diabete, confusão mental, ansiedade, entre outros, que acometem os trabalhadores do local. Na sentença, inclusive, menciona-se que o processo chegou a ser suspenso algumas vezes "em razão da dificuldade de se identificar perito capaz de auxiliar o Juízo", o que denota que a Justiça brasileira não está preparada para lidar com essa complexidade.

Apesar disso, considerando a capacidade de suprir violações, a decisão dada pela Justiça de Paulínia pode ser compreendida como um importante precedente. Desde 2008, foram diversas ações individuais propostas e julgadas relativamente à mesma contaminação em Cosmópolis até que a ação coletiva proposta pelo Ministério Público do Trabalho fosse analisada pela Justiça do Trabalho de Paulínia. Mesmo havendo, em parte desses casos, a condenação da empresa à indenização pelos danos causados a determinado trabalhador, isso não afetou a rotina de outros tantos trabalhadores desenvolvendo suas atividades no mesmo local. Tomando esse fato em consideração e a capacidade da empresa de conhecer os efeitos da contaminação ambiental, a Justiça do Trabalho de Paulínia estendeu os efeitos de obrigar o pagamento de tratamento de saúde integral para qualquer trabalhador que, em qualquer condição, tivesse passado seis meses no terreno, ainda que a esse tivesse sido negado o direito a indenização em processo individual. Isso, além de obrigar a empresa a suspender as operações nos locais do terreno que viessem, com o apoio do Ministério Público do Trabalho, ser demarcados como impróprios para o trabalho.

No caso da Zara, apesar de a condição de trabalho análogo à escravidão ter sido verificada em empresa terceirizada, pesou ao juiz da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo "a tamanha desproporção no poderio econômico entre fornecedora e compradora", o que o fez concluir que essa não poderia ter "controles tão frouxos da conduta de seus fornecedores".

Como afirma Charles Sabel, os tribunais desempenham um papel importante quando removem organizações da sua zona de conforto. Neste sentido, as decisões judiciais podem provocar mudanças mesmo para atores que não estão diretamente envolvidos no caso em julgamento, seja porque os impacta indiretamente ou porque projeta um efeito simbólico que influencia e muda a direção de decisões futuras.

Com casos como esse, o Judiciário sinaliza para as empresas de que é preciso se reorganizar no sentido da adoção de ações preventivas que estão, inclusive, um pouco além dos seus próprios muros, e de que as suas análises de risco dos negócios já não podem mais ser feitas sem consideração a todo um contexto de intervenção e de sua esfera de influência.

FLÁVIA SCABIN É PROFESSORA, PESQUISADORA DO GRUPO DE DIREITOS HUMANOS, EMPRESAS DA ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO , DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

Alstom conseguiu incluir estação em linha do Metrô


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A Alstom procurou funcionários do Metrô para mudar uma licitação da linha 2-verde de São Paulo e incluir uma estação que não estava prevista na concorrência original, indica e-mail de um diretor da múlti francesa.
Doze dias depois de ele ter sido enviado ao Metrô, a licitação foi publicada com alterações em termos similares ao que a Alstom queria.
Em outubro de 2004 o Metrô lançou a licitação para a realização do projeto executivo, fornecimento e implantação dos sistemas de trens para o trecho entre as estações Ana Rosa e Imigrantes da linha 2. Em dezembro, porém, a estatal anunciou o adiamento da entrega das propostas para 12 de janeiro de 2005.
Ciente desse fato, o então diretor da Alstom Wagner Ribeiro enviou e-mail ao colega Paulo Borges em 3 de janeiro de 2005 para contar que buscara funcionários do Metrô para adequar a licitação aos interesses da empresa.
"Estamos trabalhando junto ao pessoal técnico do Metrô para tentar 'aliviar' as Specs [especificações] de escadas rolantes e sinalização. Quanto ao orçamento, sugiro que seja modificado o objeto da licitação, por exemplo, retirando a reforma do trecho em operação e incluindo a estação Ipiranga", afirma Ribeiro na mensagem.
Três dias depois, o Metrô anulou a concorrência alegando razões técnicas e econômicas. No dia 15 de janeiro de 2005, a estatal lançou novo edital alterando o projeto inicial. As pretensões da Alstom foram contempladas: a estação Alto do Ipiranga entrou no negócio.
O primeiro edital e a mudança surgiram no governo de Geraldo Alckmin (PSDB). O Metrô nega que tenha havido influência externa. O valor do orçamento subiu de R$ 115 milhões para R$ 136 milhões, em valores da época.
Todavia, o consórcio vencedor, formado por Alstom e Siemens, ganhou o contrato ao apresentar uma proposta de R$ 143 milhões, acima do preço de referência da concorrência.
Tal situação não é ilegal, em tese, mas é incomum –o valor de referência funciona como preço máximo nas disputas. Segundo documentos do processo licitatório, a compra de escadas rolantes não entrou na concorrência.
Editoria de Arte/Folhapress
"LOS 5 AMIGOS"
A licitação da extensão da linha 2 até a estação Alto do Ipiranga faz parte da delação feita pela multinacional alemã Siemens ao governo federal sobre a formação de cartel, por ela e outras empresas, em licitações de trens em São Paulo entre 1998 e 2008, em sucessivos governos do PSDB.
Após a denúncia, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) promoveu fez buscas e apreensão de documentos nas companhias suspeitas, em julho do ano passado. No e-mail de 2005 apreendido na Alstom, o diretor da multinacional também envia aos colegas planilhas com preços de referência da empresa e "de los 5 amigos" para a licitação.
Segundo o Cade, a expressão "los 5 amigos" refere-se ao grupo de empresas participantes do cartel na concorrência: Alstom, Siemens, Bombardier, TTrans e Balfour Beatty. As planilhas integrantes da mensagem têm os títulos de "Mágica" e "Mágica 1".
As companhias acertaram o resultado da licitação e o consórcio vencedor (Linha Verde) subcontratou as derrotadas na disputa, segundo o Cade. As empresas e seus diretores são alvo de processo administrativo no órgão. O cartel também é investigado pela Polícia Federal, pela Promotoria e pelo governo paulista. Em algumas ações os executivos já são réus.
OUTRO LADO
O Metrô afirma que "não houve influência externa" no projeto da linha 2-verde. De acordo com nota da companhia, a primeira concorrência foi cancelada porque um decreto estadual "declarou de utilidade pública os imóveis necessários à implantação da estação Alto do Ipiranga, possibilitando as desapropriações essenciais à execução das obras".
O Metrô, então, "optou pelo cancelamento da concorrência por conveniência técnica e econômica, já que poderia contratar de uma única vez todo o trecho Ana Rosa –Alto do Ipiranga". A companhia não informou, no entanto, a data do decreto de desapropriação.
De acordo com a nota, as escadas rolantes foram retiradas da licitação porque "a separação da contratação por sistemas proporciona maior participação de empresas especializadas do mercado, maior agilidade na contratação e implantação dos equipamentos, além de possibilitar a redução dos preços".
O Metrô afirma ainda que está colaborando com todas as investigações sobre o cartel que fraudou concorrências desde 1998. Apura também eventuais condutas irregulares de seus servidores. "O Metrô e a Secretaria Estadual de Transportes Metropolitanos são os maiores interessados na apuração dos fatos que ora são levantados", diz a companhia.
A Alstom afirma que "não concluiu a avaliação da integralidade dos autos do processo, de modo que não tem condições de se manifestar quanto às acusações". A empresa também diz colaborar com as apurações.
As outras companhias citadas no conluio denunciado pela Siemens (Bombardier, Balfort Beatty e TTrans) não quiseram se pronunciar. 

Morto ou vivo?

Turbulências no Cantareira podem movimentar poluentes que deveriam continuar no fundo

17 de maio de 2014 | 16h 30

Dejanira de Franceschi de Angelis e Maria Aparecida Marin Morales - O Estado de S. Paulo
A água existente é a mesma desde que se formou o planeta Terra, portanto detentora de alto índice de reúso, sendo constantemente renovada no ciclo hidrológico. A demanda de água doce no século 20 aumentou cerca de sete vezes, e a população triplicou de 2 para 6 bilhões de habitantes. Nesse contexto de alta demanda, sua qualidade e quantidade vêm se alterando.
Os ambientes aquáticos de águas paradas são chamados de sistemas lênticos. Dentre os ambientes lênticos, podemos citar as lagoas, os lagos e os pântanos, e também os reservatórios de água. Todo sistema lêntico apresenta significativa importância biológica, por apresentar grande diversidade de espécies com alta susceptibilidade a distúrbios ambientais, tanto pela restrição das condições do meio como pelo ciclo de vida geralmente curto. A estrutura desses ambientes lênticos é dividida em seis diferentes zonas: a zona profunda, onde são encontrados seres heterotróficos; a de borda, com vegetação enraizada nas margens; a limnética, composta por água e organismos; a de interface, região de contato água/ar habitada por organismos flutuantes; a fótica, situada entre a zona profunda e a superficial, relacionada à oxigenação do corpo hídrico, onde ocorre a fotossíntese.
A água apresenta alta capacidade de dissolver substâncias orgânicas, inorgânicas e gases. Muitas delas, ao se degradarem, podem conferir característica de salinidade. A Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) classifica as águas dos sistemas hídricos brasileiros, de acordo com a sua salinidade, em doce, salobra e salina. O abastecimento público e o uso agrícola e industrial utilizam quase que exclusivamente água doce.
O Cantareira, maior sistema de captação e tratamento de água do Estado de São Paulo e dos maiores do mundo, abastece quase 9 milhões habitantes da Grande São Paulo. Seu volume morto, a ser usado para o abastecimento público, contém 400 milhões de metros cúbicos de água, situado abaixo das comportas das represas desse sistema.
Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, ao contrário do que o nome possa parecer, volume morto não tem nada a ver com água morta ou estragada. É um termo técnico da engenharia para definir águas situadas abaixo da última janela de captação dos reservatórios.
Pesquisas feitas pelos laboratórios de ecotoxicologia dos departamentos de Biologia e de Bioquímica e Microbiologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista - Rio Claro nos sistemas hidrológicos das Bacias PCJ (dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) revelaram que, na estiagem, há maior comprometimento do índice de qualidade da água, o que pode colocar em risco tanto a diversidade biológica da região como a saúde pública.
Os contaminantes industriais, agrícolas e urbanos contêm substâncias que podem alterar a qualidade da água. Os agentes tóxicos de locais contaminados frequentemente apresentam propriedades críticas, como alta toxicidade aguda e/ou crônica, alta persistência ambiental, alta mobilidade (passando de um sistema hídrico para outro) e alta lipofilicidade (o que pode levar à bioacumulação nas cadeias tróficas).
O Cantareira é abastecido por águas de rios de boa qualidade hídrica e de baixo reúso. Entretanto, esses rios, em períodos de alta estiagem (baixos índices pluviométricos), podem acumular poluentes. Os sedimentos desempenham papel importante no meio aquático, pois mediam trocas químicas entres as fases particulada, líquida e biológica do sistema. Uma vez que os poluentes atinjam os sedimentos, eles podem ficar retidos nesses compartimentos, servindo como reservatórios. Os contaminantes presentes nos sedimentos podem permanecer ligados a estes, apresentando concentrações muito maiores que as originalmente presentes na coluna d’água. Entretanto, podem retornar à água, por meio de processos como inversão térmica, bioturbação e/ou ressuspensão, caracterizando-se, assim, fontes secundárias de poluição. Caso haja turbulências no sistema hídrico, por ação natural ou antrópica, podem ocorrer movimentação e dessorção dos poluentes dos sedimentos para a coluna d’água, aumentando a contaminação e o risco de uso desses recursos hídricos.
A análise química, ainda que bem detalhada, não contempla a avaliação das interações entre as substâncias presentes na água e os sistemas biológicos. Atualmente, preconiza-se associar análises físicas e químicas aos ensaios biológicos, para que se possa estimar com segurança a qualidade e o possível potencial tóxico da água.
Quanto à presença de micro-organismos (bactérias, fungos, microalgas e protozoários), os tratamentos convencionais, quando bem conduzidos, efetuam um bom controle e asseguram a qualidade microbiológica dentro das condições impostas pela legislação vigente, devendo estes serem obrigatoriamente conduzidos em monitoramentos de qualidade de águas a serem disponibilizadas para abastecimento público.
DEJANIRA DE FRANCESCHI DE ANGELIS É PROFESSORA ADJUNTA DO DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA E MICROBIOLOGIA

E
MARIA APARECIDA MARIN MORALES É PROFESSORA ADJUNTA DO DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA, AMBAS DA UNESP, RIO CLARO