segunda-feira, 19 de maio de 2014

Morto ou vivo?

Turbulências no Cantareira podem movimentar poluentes que deveriam continuar no fundo

17 de maio de 2014 | 16h 30

Dejanira de Franceschi de Angelis e Maria Aparecida Marin Morales - O Estado de S. Paulo
A água existente é a mesma desde que se formou o planeta Terra, portanto detentora de alto índice de reúso, sendo constantemente renovada no ciclo hidrológico. A demanda de água doce no século 20 aumentou cerca de sete vezes, e a população triplicou de 2 para 6 bilhões de habitantes. Nesse contexto de alta demanda, sua qualidade e quantidade vêm se alterando.
Os ambientes aquáticos de águas paradas são chamados de sistemas lênticos. Dentre os ambientes lênticos, podemos citar as lagoas, os lagos e os pântanos, e também os reservatórios de água. Todo sistema lêntico apresenta significativa importância biológica, por apresentar grande diversidade de espécies com alta susceptibilidade a distúrbios ambientais, tanto pela restrição das condições do meio como pelo ciclo de vida geralmente curto. A estrutura desses ambientes lênticos é dividida em seis diferentes zonas: a zona profunda, onde são encontrados seres heterotróficos; a de borda, com vegetação enraizada nas margens; a limnética, composta por água e organismos; a de interface, região de contato água/ar habitada por organismos flutuantes; a fótica, situada entre a zona profunda e a superficial, relacionada à oxigenação do corpo hídrico, onde ocorre a fotossíntese.
A água apresenta alta capacidade de dissolver substâncias orgânicas, inorgânicas e gases. Muitas delas, ao se degradarem, podem conferir característica de salinidade. A Resolução 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) classifica as águas dos sistemas hídricos brasileiros, de acordo com a sua salinidade, em doce, salobra e salina. O abastecimento público e o uso agrícola e industrial utilizam quase que exclusivamente água doce.
O Cantareira, maior sistema de captação e tratamento de água do Estado de São Paulo e dos maiores do mundo, abastece quase 9 milhões habitantes da Grande São Paulo. Seu volume morto, a ser usado para o abastecimento público, contém 400 milhões de metros cúbicos de água, situado abaixo das comportas das represas desse sistema.
Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, ao contrário do que o nome possa parecer, volume morto não tem nada a ver com água morta ou estragada. É um termo técnico da engenharia para definir águas situadas abaixo da última janela de captação dos reservatórios.
Pesquisas feitas pelos laboratórios de ecotoxicologia dos departamentos de Biologia e de Bioquímica e Microbiologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista - Rio Claro nos sistemas hidrológicos das Bacias PCJ (dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) revelaram que, na estiagem, há maior comprometimento do índice de qualidade da água, o que pode colocar em risco tanto a diversidade biológica da região como a saúde pública.
Os contaminantes industriais, agrícolas e urbanos contêm substâncias que podem alterar a qualidade da água. Os agentes tóxicos de locais contaminados frequentemente apresentam propriedades críticas, como alta toxicidade aguda e/ou crônica, alta persistência ambiental, alta mobilidade (passando de um sistema hídrico para outro) e alta lipofilicidade (o que pode levar à bioacumulação nas cadeias tróficas).
O Cantareira é abastecido por águas de rios de boa qualidade hídrica e de baixo reúso. Entretanto, esses rios, em períodos de alta estiagem (baixos índices pluviométricos), podem acumular poluentes. Os sedimentos desempenham papel importante no meio aquático, pois mediam trocas químicas entres as fases particulada, líquida e biológica do sistema. Uma vez que os poluentes atinjam os sedimentos, eles podem ficar retidos nesses compartimentos, servindo como reservatórios. Os contaminantes presentes nos sedimentos podem permanecer ligados a estes, apresentando concentrações muito maiores que as originalmente presentes na coluna d’água. Entretanto, podem retornar à água, por meio de processos como inversão térmica, bioturbação e/ou ressuspensão, caracterizando-se, assim, fontes secundárias de poluição. Caso haja turbulências no sistema hídrico, por ação natural ou antrópica, podem ocorrer movimentação e dessorção dos poluentes dos sedimentos para a coluna d’água, aumentando a contaminação e o risco de uso desses recursos hídricos.
A análise química, ainda que bem detalhada, não contempla a avaliação das interações entre as substâncias presentes na água e os sistemas biológicos. Atualmente, preconiza-se associar análises físicas e químicas aos ensaios biológicos, para que se possa estimar com segurança a qualidade e o possível potencial tóxico da água.
Quanto à presença de micro-organismos (bactérias, fungos, microalgas e protozoários), os tratamentos convencionais, quando bem conduzidos, efetuam um bom controle e asseguram a qualidade microbiológica dentro das condições impostas pela legislação vigente, devendo estes serem obrigatoriamente conduzidos em monitoramentos de qualidade de águas a serem disponibilizadas para abastecimento público.
DEJANIRA DE FRANCESCHI DE ANGELIS É PROFESSORA ADJUNTA DO DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA E MICROBIOLOGIA

E
MARIA APARECIDA MARIN MORALES É PROFESSORA ADJUNTA DO DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA, AMBAS DA UNESP, RIO CLARO

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