quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ansiedade em vão - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 14/05


Não conhecia o Iago, o rapaz que entrou na contramão na ponte do Guaíba e percebeu tarde demais que o vão estava levantado. Ele não conseguiu frear a tempo, caiu e abreviou sua vida por causa de uma aflição.

Não sei detalhes da história, a não ser que ele estava atrasado e que não conhecia bem os meandros de entrada e saída de Porto Alegre. Tinha um carro na mão, um relógio fazendo tic-tac e uma entrevista marcada, e já passava da hora: quem tem o mínimo de responsabilidade sabe que compromissos existem para serem cumpridos.

Uma das razões de o Brasil ser essa bagunça colossal é que a palavra compromisso, para a maioria, não tem o menor valor.

Para Iago, tinha. Mas até onde devemos sucumbir ao desatino? Se o plano inicial começou errado, melhor não emendar com novos erros. Um atraso normalmente acarreta excesso de velocidade, estacionar em local proibido, estresse, e tudo isso para quê? No caso do garoto, o desespero resultou numa fatalidade.

Mais vale aceitar nossos vacilos sem buscar uma correção afobada. Falhou, está falhado. Respire fundo e vá tomar um café. Celular também existe para isso: “Não consegui chegar, desculpe”.

Claro que ele não cogitou morrer. Pensou no máximo na perda de emprego, de oportunidade, de promoção, de seja o que for que a entrevista significasse. Ele apenas quis correr atrás do prejuízo. E no caminho não viu as placas de sinalização, todas de costas para ele.

A aflição é como um sol traidor, aquele que bate de frente e te cega.

Para muitos, foi apenas um acidente com características incomuns. Para mim, foi um aviso: não vale a pena sacrificar a vida pelo bom-mocismo.

Já fiz o que ele fez. Já me perdi por ansiedade, já me senti devedora por não cumprir o combinado, já tentei consertar estragos numa tentativa presunçosa de extirpar o erro da minha biografia. Ora, um erro ou outro, o que é que tem? Aquele que não se permite uns desacertos se desumaniza pela insistência em ser perfeito.

Pressupondo que eu esteja certa a respeito da angústia do Iago, ela me fez sentir total empatia com a situação dele. Naqueles segundos finais antes de cair da ponte, ele deve ter pensado: “O que fui fazer!”. Está feito. Mas ficou o recado: sejamos todos mais atentos, porém menos ansiosos. A ansiedade não serve para nada, ela apenas faz com que tentemos superar a nós mesmos. “Superar a nós mesmos” é uma bonita frase de efeito, mas induz a uma competição besta: o vencedor e o perdedor são a mesma pessoa. 

Agência federal quer limitar captação do Cantareira ao volume de chuvas


Às vésperas do uso do ‘volume morto’ do reservatório, órgãos gestores do manancial paulista negociam restrição de vazão; consórcio das bacias diz que há projeções sobre falta de água no pico do inverno

14 de maio de 2014 | 3h 00

Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Às vésperas do início da captação do chamado "volume morto" do Sistema Cantareira, previsto para esta quinta-feira, 15, os órgãos gestores do principal manancial paulista estudam limitar a quantidade de água retirada das represas para abastecer cerca de 14 milhões de pessoas na Grande São Paulo e na região de Campinas ao volume de chuva que cai nos reservatórios. A ideia é tentar evitar o colapso do Cantareira, mas pode comprometer o abastecimento nos próximos meses, que são tradicionalmente secos.
Na prática, se chover menos do que a média histórica do período em 15 dias, por exemplo, a proposta é diminuir proporcionalmente a vazão máxima de água que poderá ser retirada do sistema nos 15 dias seguintes. A proposta está sendo discutida entre a Agência Nacional de Águas (ANA), do governo federal, e o Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee), do governo paulista. Os dois órgãos devem definir as novas regras de retirada de água do Cantareira a partir de amanhã, quando a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) deve iniciar a captação da reserva profunda.
Hoje, por exemplo, a Sabesp pode retirar até 22,4 mil litros dos principais reservatórios do sistema para abastecer a Grande São Paulo. A região de Campinas fica com até 3 mil litros, independentemente da quantidade de chuva que cai nas represas. Só em abril, por exemplo, o déficit entre o volume de água que entrou e o volume que saiu foi de 9,1 mil litros por segundo, ou 23,6 bilhões de litros no mês. Só ontem, o prejuízo foi de 19,5 mil litros por segundo.
"Nossa posição é: choveu menos, tira menos; choveu mais, tira mais. Com critério de retirada semanal, no máximo quinzenal, a partir das vazões afluentes, porque estamos diante de um quadro de anomalia absoluta, no qual não podemos fazer previsões a longo prazo. Precisamos trabalhar com intervalos curtos", afirmou o presidente da ANA, Vicente Andreu.
Ele e técnicos do Daee estiveram nesta terça-feira, 13, em Campinas para debater medidas de contingência que podem ser adotadas na região para enfrentar a crise de abastecimento. Após uma das reuniões, o Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que abastece a região, emitiu uma nota afirmando que cálculos apresentados pela ANA confirmavam o prognóstico feito pela entidade de que "vai faltar água no pico da estiagem em agosto e setembro" para Campinas e para a Grande São Paulo.
Em nota, a agência federal negou que tenha feito as projeções. Segundo a ANA, se forem mantidas as condições atuais de retirada de água do Cantareira pela Sabesp (cerca de 21 mil litros por segundo) e a média histórica retirada pelas Bacias do PCJ no inverno (cerca de 7 mil litros), em um cenário no qual a vazão afluente ao sistema tem sido 60% da mínima histórica, faltariam 10 mil litros por segundo para suprir a demanda por água. "Esse foi um exercício que fizemos, não é uma projeção", disse Andreu.
Sem racionar. Nesta terça, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que o "volume morto" será suficiente para garantir o abastecimento sem racionamento. "Se não tiver nenhum fato superveniente, analisando a mínima histórica de vazão, nós chegamos à próxima estação das chuvas (o sistema) cobre o final do outono e o inverno." / COLABOROU CAIO DO VALLE

Sem-teto de todo o mundo, uni-vos



Três dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto produziram um artigo intitulado "O que quer o MTST?". E responderam: querem "movimentos populares de massa, que enfrentam as relações de poder constituídas. Chamamos a isso poder popular. É isso que quer o MTST".
O que vem a ser um poder popular, não se sabe e coisa boa não há de ser. Mesmo assim, os argumentos dos militantes devem levar pessoas que não gostam deles a refletir. Desde 2008 os aluguéis subiram 97% em São Paulo e 144% no Rio de Janeiro, contra uma inflação acumulada de 40%. Esse movimento da mão invisível do mercado tange pessoas de mais baixa renda para a periferia longínqua ou para as comunidades desprovidas de serviços públicos.
Nem todos aqueles que estão em dificuldades para conseguir um teto participam de invasões de terrenos. Ainda bem. Em São Paulo, o MTST organizou 12 invasões, e o Rio assistiu à ocupação de uma área abandonada que pertenceu à Telerj. Invasões são mais vitrine do que solução. Tanto é assim que o MTST blindou a invasão de um terreno próximo ao estádio onde será aberta a Copa depois que nele colocou 4.000 famílias. Seguindo a lógica do mercado, como as demais imobiliárias, abriu um cadastro para candidatos. Conseguiram uma conversa com a doutora Dilma e, como sempre, uma promessa. Demagogia de ano eleitoral. Nem ela dará teto aos quem não os têm, nem o MTST ficará contente enquanto não conseguir o "poder popular".
Essa cena ocorreu na mesma semana em que o controlador-geral da cidade de São Paulo reuniu-se com o sindicato da habitação, o Secovi, e reclamou porque até hoje nenhuma empresa do setor imobiliário procurou o poder público para colaborar com a investigação de fraudes em cobranças municipais. Leia-se propinas.
As grandes cidades brasileiras foram capturadas por um contubérnio de empresários, burocratas, políticos e uma boa parte da população, que não quer pobre por perto. Salvo os empresários, todos reclamam do que seria a "especulação imobiliária", mas, quando um apartamento dobra de valor, atribui-se a variação à clarividência de quem o comprou.
Os programas municipais de legalização de lotes urbanos andam devagar, quase parando. A percentagem de proprietários nessas comunidades pobres é alta, mas esse capital está congelado. Não serve como garantia para empréstimos bancários. Num chute, pode-se estimar que, no Brasil, essas propriedades valham mais de R$ 50 bilhões.
A ideia segundo a qual uma família terá acesso à casa própria invadindo um terreno é tóxica e insuficiente. O cadastro do MTST está aí para provar isso. Contudo, a ideia de que cidades como Rio e São Paulo possam tanger os pobres para as terras dos sem-serviços é veneno puro.
Ano eleitoral tem a virtude de expor os problemas. Refletir em torno dos argumentos do MTST pode ser um bom começo. Perguntar aos candidatos o que pretendem fazer pode não adiantar muito, mas servirá como um alerta: não votar em quem promete pura e simplesmente construir mais casas populares. Essa é a resposta fácil e, como se sabe, enganadora.
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Nas próximas quatro quartas-feiras, o signatário será beneficiário do programa Sem-Artigo, usufruindo de uma Bolsa Férias.