segunda-feira, 24 de março de 2014

Marcelo Ridenti: O golpe de 1964, aqui e agora


Se for verdadeiro o adágio de que "o brasileiro não tem memória", não é por falta de informações e análises publicadas, pelo menos sobre o golpe de 1964 e o tempo da ditadura. As obras contam-se às centenas, escritas nos últimos 50 anos por jornalistas, memorialistas, economistas, sociólogos, cientistas políticos, historiadores e outros, até mesmo das gerações mais jovens. Talvez nenhum outro período tenha sido esquadrinhado tão detalhadamente em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais.
As interpretações sobre o golpe e seus desdobramentos são variadas. Algumas enfatizam o tema como indissociável das mudanças do capitalismo brasileiro, outras centram-se nos impasses do sistema político, terceiras na cultura política autoritária e conciliadora ou até mesmo na ação de agentes individuais, ora mirando a especificidade da ação militar, ora suas conexões com a sociedade civil. Cada corrente analítica aponta deficiências em suas concorrentes, embora todas busquem evitar simplificações.
Para além das querelas e da especialização das pesquisas, é importante incorporar as diversas contribuições, compreender a complexidade de cada conjuntura, a mescla de repressão e busca de convencimento, sem minimizar as diferenças no interior do regime nem perder de vista um aspecto central: a ditadura não foi um acontecimento isolado da história do Brasil, antes um capítulo decisivo do longo processo de industrialização e urbanização caracterizado pelo que alguns chamam de modernização conservadora, outros de via prussiana ou revolução passiva.
Trata-se de uma característica da política brasileira até hoje, em que as classes dirigentes tendem a se recompor e encampar a seu modo a pressão social por mudanças num país pleno de desigualdades, sem realizar transformações estruturais, em que o suposto "moderno" se combina com o dito "arcaico", o "progresso" é indissociável do "atraso".
O que esteve em jogo no pré-1964 foi a possibilidade de uma modernização alternativa, cujos contornos estavam apenas esboçados e eram objeto de disputas políticas, mas o sentido geral era o de alargar os direitos dos trabalhadores do campo e da cidade, politizando-os e diminuindo as desigualdades sociais, algo que os conservadores consideravam "comunismo". No contexto da Guerra Fria –e numa sociedade como a brasileira, cujos privilegiados são tradicionalmente temerosos dos movimentos populares–, as reformas de base (agrária, bancária, eleitoral, tributária, educacional) que estavam na pauta do governo e das esquerdas pareciam ameaçadoras.
Abriam-se disputas, gerando incertezas sobretudo nas classes dirigentes, que preferiram apoiar o golpe de Estado, início de um regime que aprofundou a modernização conservadora, consolidada no período do "milagre econômico". Ela não sofreu fortes abalos após a redemocratização, mesmo em governos liderados por partidos com raízes na oposição à ditadura, como o PSDB e o PT, que em nome da governabilidade fizeram alianças com forças que deram respaldo ao regime militar, reiterando a tradição conciliadora de negociação pelo alto, sem rupturas. O custo foi não realizar transformações de fundo, o que ajuda a entender os protestos multifacetados de junho passado.
Uma bela adormecida em 1984 nas manifestações pelas Diretas-Já que por encanto despertasse hoje ficaria espantada de ver Fernando Henrique Cardoso ao lado de Marco Maciel, Lula aliado a Sarney.
O país continua refém das forças que deram o golpe de 1964 e impedem mudanças que possam aprofundar a democracia política também num sentido social e econômico, diminuindo as desigualdades. O desafio continua posto, daí a atualidade da discussão sobre os acontecimentos de 50 anos atrás.
MARCELO RIDENTI, 54, é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e coorganizador de "A Ditadura que Mudou o Brasil"
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Prefeituras querem atrair empresas menores


A Feira do Empreendedor de São Paulo, um evento no qual prestadores de serviços a pequenas empresas buscam novos clientes, teve, neste ano, um estande de uma prefeitura, a de Barueri.
O município da Grande São Paulo, que tem 256 mil habitantes, enviou funcionários da prefeitura para tentar convencer empresários a se instalarem lá.
Joel Silva/Folhapress
Jayme Tanisho era empresário em Osasco, mas decidiu abrir um novo negócio em Barueri
Jayme Tanisho era empresário em Osasco, mas decidiu abrir um novo negócio em Barueri
O secretário de desenvolvimento econômico e trabalho da cidade, Mário Lopes, afirma que, assim como um investidor coloca dinheiro em uma empresa iniciante esperando que ela cresça, a prefeitura espera que alguns dos negócios de menor porte que se instalem na cidade ganhem proporção e, então, gerem empregos e tributos.
Ele lista alguns dos atrativos que Barueri tem em comparação com cidades do mesmo porte da Grande São Paulo: um escritório da Junta Comercial, um recém-aberto posto do Sebrae e um ISS (Imposto Sobre Serviços) de 2% -em São Paulo, por exemplo, a alíquota é 5%, a não ser em casos de serviços de pesquisa ou de softwares e programação de jogos (2%).
Jayme Tanisho, 66, foi um dos que decidiram se instalar lá. Originalmente, ele tinha uma empresa em Osasco. Há dez anos, a vendeu e decidiu abrir a AcrilLaser em Barueri. Além do ISS mais baixo, ele cita uma vantagem, do ponto de vista dele, em relação à São Paulo: o salário dos funcionários é menor.
DISTRIBUIR OS OVOS
A cidade de Três Rios (RJ) resolveu apostar em pequenas e médias empresas depois de uma experiência traumática, conta o prefeito Vinicius Farah (PMDB). Segundo ele, no passado Três Rios sofreu com indústrias que fecharam as portas. A ideia de incentivar os negócios de menor porte era não ficar "refém de grandes empresas".
O município passou a dar incentivo fiscal no ISS para as micro e pequenas. E, ao adotar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, passou a dar prioridade em compras governamentais.
Segundo ele, Três Rios, que tem 78 mil habitantes, ganhou mais de 1.100 novas empresas nos últimos três anos, além de 2.900 microempreendedores individuais.
De acordo com o presidente do Sebrae, Luiz Barretto, mil municípios favorecem as pequenas e médias empresas em compras, principalmente as que têm valores menores, de até R$ 80 mil.
Outras 3.000 prefeituras já aprovaram leis para isso, mas ainda não as praticam. O país tem 5.570 cidades.
Ele diz que muitos municípios precisam se adaptar para ter, entre seus fornecedores, pequenas empresas."As prefeituras às vezes atrasam pagamentos. Uma demora de seis meses faz com que os pequenos negócios quebrem."
Barretto diz que, para uma prefeitura, incentivar as pequenas empresas dinamiza mais a economia do que favorecer as grandes. "Uma montadora, por exemplo, já traz os fornecedores dela." 

Falta d'água coloca indústrias em alerta


A possibilidade de faltar água de modo continuado em São Paulo já coloca as indústrias em alerta. Micro e pequenas empresas devem ser as mais prejudicadas em caso de racionamento, mas até multinacionais, como a General Motors, estão preocupadas.
Matéria-prima de setores como bebidas e alimentos, a água é insumo essencial em vários segmentos industriais.
O que as empresas mais prescindem é de informação. A falta de previsões é o que mais as atemoriza.
Em Jundiaí, a regional do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) vem mantendo contato diário com o DAE (Departamento de Água e Esgoto) para monitorar os reservatórios e se preparar para eventual corte no fornecimento de água. "Não dá para uma indústria se preparar como uma família", afirma Mauritius Reisky, 41, diretor do Ciesp Jundiaí.
O acesso à informação é, para o vice-diretor do Ciesp de São Caetano, William Pesinato, um dos aspectos que diferencia grandes e pequenas empresas —essas últimas dependeriam da mídia.
Além de menos previsões, normalmente as pequenas empresas não têm recursos nem estrutura para continuar a produção sem água.
Enquanto as maiores podem recorrer a poços artesianos e sistemas de reuso, indústrias de menor porte não conseguem incluir esses itens no orçamento.
"Qualquer problema que possa afetar a indústria atinge mais as micro e pequenas", diz Rogério Grof, diretor de relações institucionais do Simpi (Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo). "Elas têm menor acesso a crédito, que poderia viabilizar uma obra para minimizar o problema de falta de água, como um poço artesiano."
Mesmo multinacionais, como a GM —com unidade em São Caetano, cidade afetada por corte—, mostram preocupação. "Racionamento é um cenário para o qual não temos alternativa", diz Jaime Ardila, presidente da montadora para a América do Sul.
GUARULHOS E CAMPINAS
Em Guarulhos, o fornecimento entrou em sistema de rodízio neste mês.
No entanto, em fevereiro, o efeito do período seco já era sentido. "A água só chega das 21h às 6h", disse João Possenti, sócio-diretor da Komec, uma caldeiraria. "Os funcionários não conseguem tomar banho antes de ir para casa."
Apesar das consequências do rodízio, o Ciesp local diz que a falta de abastecimento não é nova na cidade. Muitas indústrias da cidade, por isso, têm outras fontes de água porque não confiam no abastecimento.
O superintendente do Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Guarulhos, Afrânio de Paula Sobrinho, diz que o problema acompanha o crescimento da região. "A demanda é superior à oferta."
Em Campinas, a farmacêutica MSD parou de captar de água no rio Atibaia. "Para manter atividades em funcionamento, a MSD está contratando caminhões-pipa", disse a empresa.
Para o diretor do Ciesp Campinas, José Nunes, o pior está por vir. "O problema vai surgir em agosto, no período de seca."