Prisões dominadas pelo PCC ajudam detentos a ampliar a rede criminal
01 de junho de 2013 | 16h 27
Bruno Paes Manso
Em abril, São Paulo ultrapassou a casa dos 200 mil presos. Eles se amontoam em apenas 102 mil vagas disponíveis no sistema penitenciário paulista. Quais os resultados dessa política de encarceramento em massa? A socióloga Camila Nunes Dias, que lança na quarta-feira o livro PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência (Editora Saraiva), em que descreve o papel da facção nas prisões de São Paulo, mostra como os efeitos colaterais do remédio (a pena de privação de liberdade) podem, muitas vezes, ser piores que a própria doença a ser curada (o crime). Diante da força do PCC, ela afirma que o sistema penitenciário vive um impasse.
Divulgação
Camila Nunes Dias, socióloga
Atualmente, em vez de ser o instrumento de punição para coibir os crimes, o sistema prisional tornou-se etapa importante para ascensão no universo criminal. Nos presídios, graças aos longos tentáculos sociais do PCC, os criminosos ampliam as oportunidades de fazer contatos com quadrilhas organizadas. Para eles, as prisões, assim, deixam de ser vistas como ameaça e se transformam em oportunidade para o sucesso na carreira.
O PCC, ao mesmo tempo, garantindo a ordem no cárcere, acaba se fortalecendo e ampliando sua legitimidade entre os criminosos. Desatar esse nó, segundo ela, é um dos maiores desafios da política de segurança pública nos dias de hoje.
Mais forte
"A maior prova de força atual da facção é a capacidade do PCC de manter a ordem social nas prisões, a despeito das péssimas condições do encarceramento. Celas de 12 lugares têm 50 presos. A situação é muito precária no sistema e o PCC segura os motins e rebeliões. Se o PCC representasse minimamente a população carcerária, a gente teria hoje rebeliões maciças por melhores condições nas prisões. Mas, em vez disso, o PCC se tornou um ator político que mantém certa ‘acomodação’ com o Estado. O que o PCC ganha em manter a calma no sistema? As principais lideranças do PCC estão cumprindo pena em unidades comuns, em vez de serem mandadas para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Enquanto a maioria dos Estados manda seus criminosos para presídios federais, São Paulo não manda.
Ordem nos presídios
"Irmãos do PCC fazem a mediação de diversos tipos de conflitos nos presídios: resolvem problemas com visitas, com comida, etc. Em algumas unidades eles controlam o acesso a bens materiais, como itens de higiene e medicamentos. Muitas vezes, a administração prisional passa os medicamentos para que eles distribuam à população carcerária. Isso vai depender da unidade. As lideranças têm um papel muito importante na regulação dos conflitos que ocorrem na prisão, no acesso a bens materiais básicos e de produtos ilícitos, como maconha, cocaína e bebidas alcoólicas. A administração prisional acaba muitas vezes legitimando os presos como seus interlocutores. Eu testemunhei um problema que houve na cozinha de um presídio. O responsável da administração teve que conversar com o piloto do PCC para autorizar a tirar o detento que estava dando problema.
Alcance nacional
"O PCC passa por três fases. A primeira, quando ele nasce, em 1993, até 2001, quando ocorre a primeira megarrebelião. O PCC começa a se expandir pelas unidades prisionais pelo uso recorrente da violência. Havia decapitações e outras formas de matar. A partir da primeira megarrebelião, o PCC mostra a cara. A reação do Estado foi sobretudo a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, que nunca cumpriu o objetivo de desarticular o PCC. Em 2006, ocorrem novos ataques, em maio, fase que se caracteriza pela consolidação do PCC, não só dentro como fora das prisões. Acho que a facção vai atualmente em direção a uma quarta fase, que eu chamo de nacionalização. Há evidências muito fortes da presença de membros e sintonias do PCC em diversos Estados. Há casos em que não existem dúvidas sobre a presença do PCC, como Mato Grosso do Sul e Paraná. Acho que vai haver configurações diferentes conforme o Estado, de acordo com as articulações com o crime local.
Carreira criminal
O criminoso não quer ser preso, claro. Mas passar pela prisão representa hoje um ganho simbólico. É um status para a carreira do criminoso. A prisão também é uma etapa positiva no sentido de ampliar a possibilidade de se inserir em redes mais complexas de crime. A prisão é mais do que uma faculdade. O ladrão de carro, por exemplo, que age sozinho, vai ter contato com uma série de pessoas. Quando ele sair de lá, vai poder se inserir em uma rede criminal mais complexa, que envolve levar o carro para outro país, trocar por drogas, etc. A prisão possibilita a ampliação dos contatos, o fortalecimento dos laços no mundo do crime e da ideologia que é a base do PCC. O Estado, muitas vezes, ressalta o aspecto da violência do PCC. Óbvio que há violência. Mas apenas esse aspecto não explica o tamanho do PCC. É importante compreender como o discurso contra a opressão ganha legitimidade conforme aumenta a opressão do Estado contra os presos.
Homicídios
"Vejo como clara a relação entre o PCC e a queda dos homicídios. No espaço prisional é nítido. Fora das prisões, o papel da facção também é importante. Na medida em que o PCC se apropria da possibilidade de aplicar punições àqueles que transgridem a lei, você cria uma instância de mediação e regulação de conflito. O PCC é essa instância de mediação. Nos debates promovidos pela facção, os lados em conflitos são chamados para ponderar e encontrar solução. Dentro das prisões é quase impossível morrer um preso. Antes, um preso tinha um problema com o outro, ia lá e matava. O outro grupo se vingava, criando um ciclo. Com a ascensão do PCC, esses ciclos de vingança se rompem, porque nenhum preso hoje pode dar um tapa no outro sem autorização do PCC. Fora, é mais ou menos igual. Os conflitos vinculados a atividades ilícitas em grande parte são regulados pelo PCC. Existe uma hegemonia no mercado de drogas. E quando essa hegemonia existe, os homicídios não interessam.
Nobel da paz
"O coronel José Vicente da Silva (ex-secretário nacional de Segurança) me provocou em um programa de TV ao perguntar se não era o caso de dar o Nobel da Paz ao PCC ou levá-lo para resolver o problema de homicídios na Bahia. Sobre o Nobel da Paz, o PCC não medeia os homicídios porque é bonzinho e valoriza a vida, mas por uma questão de negócios. Nas primeiras fases, matar era preciso. Agora que o poder se consolidou em São Paulo, matar é antieconômico. Em relação aos outros Estados, em muitos a violência está relacionada à disputa no mundo do crime. E o PCC atua nessa disputa e mata para ganhar mercado. Quando é preciso matar, ele mata."