segunda-feira, 22 de abril de 2013

20 anos depois - VINICIUS MOTA



FOLHA DE SP - 22/04

SÃO PAULO - Policiais recebem da sociedade o mandato especial de proteger a vida e a liberdade dos cidadãos contra quem as ameace. Para cumprir o objetivo, podem usar legitimamente a violência, invadir domicílios, interceptar conversas e vasculhar contas bancárias. Podem matar.

As democracias maduras reconhecem a importância dos servidores encarregados dessa tarefa. Agentes mortos em serviço recebem tratamento de honra não só das autoridades, mas da sociedade e da imprensa. Alvejar policiais é considerado crime contra o Estado.

A contrapartida de tanta deferência e de tanto poder conferido à polícia são rígidos sistemas de treinamento e controle. A tolerância com o policial que abusa de suas prerrogativas é nenhuma, a começar de dentro de sua corporação.

Processos contra agentes de segurança são eficientes. Expulsa-se ou reintegra-se, condena-se ou absolve-se num lapso de tempo suficiente para que a memória da ale-gada ofensa ainda paire no ar.

De que adianta finalizar o primeiro dos quatro julgamentos do massacre do Carandiru mais de 20 anos depois do fato? Finalizar, aliás, é um termo impróprio: os 23 PMs condenados vão recorrer da sentença em liberdade. Sabe-se lá quando essa etapa vai acabar de verdade.

A resposta cabal da Justiça a esse evidente abuso deveria ter chegado ainda na primeira metade dos anos 1990. Teria sido pedagógica para as várias turmas de novos policiais que se formaram desde lá. Teria tirado os culpados das ruas e da convivência com colegas. Teria livrado os inocentes de uma carga torturante.

No início da década passada, os condenados já teriam cumprido o período de regime fechado. Estariam hoje em liberdade condicional, fechando o ciclo ideal do castigo também sob a ótica individual.

Mas, em 2013, o castigo pelos crimes de um longínquo 1992 nem sequer começou.

Males da democracia atual - RENATO JANINE RIBEIRO



VALOR ECONÔMICO - 22/04

Um elogio curioso à democracia deve-se a Winston Churchill, falando na Câmara dos Comuns, em novembro de 1947: "A democracia é a pior forma de governo, excetuando todas as outras que já foram testadas de tempos em tempos". É puro humor britânico. Na prática, diz que a democracia é a melhor forma de governo disponível; mas a graça está em que, mesmo assim, não é um bom regime político. É o menos ruim que podemos ter.

Hoje, quando elogiamos a democracia, parece que sua principal virtude é a transparência. Já não se enfatiza sua definição: como "poder do povo", ela dá voz a todos, gera governos que atendam à vontade da maioria, e isso sem esmagar a minoria. Hoje, a transparência parece até mais importante que a vontade do povo. Um século atrás, a Primeira Guerra Mundial marcou o auge e o apocalipse da diplomacia secreta, que levava a tratados negociados a portas fechadas, com o propósito de retaliar países inimigos. A entrada dos Estados Unidos na guerra, defendendo a autodeterminação dos povos, e a saída dos russos da guerra, divulgando os tratados sigilosos, anunciaram o fim da política internacional secreta. Ela fica difícil na democracia, o que é bom. Talvez por isso se diga, com certo exagero, que democracias nunca fazem guerra entre si. Finalmente, a transparência tem sido, talvez, o principal antídoto para o mau uso do dinheiro público.

Mas a democracia tem problemas. Estudiosos de comportamento eleitoral afirmam que as intenções de voto acompanham o crédito ao consumidor. O eleitor é racional, sim, ele não se oferece aos demagogos como uma vítima inocente - mas sua racionalidade parece estar ligada ao dinheiro que tenha no bolso para gastar. Isso favorece políticas diretamente voltadas para a satisfação de seus desejos. Assim, a importação de produtos baratos da China ajuda a aumentar o poder aquisitivo dos brasileiros mais pobres. Só que essa importação se faz em detrimento de nossa indústria. Para ganhos sociais em prazo curto, pagamos um preço econômico, a maior prazo.

Vejam um caso: a Europa está sacrificando sua política climática às imposições da crise econômica. Pois sacrificávamos as políticas sociais à primeira turbulência econômica, até não muito tempo atrás. Uma das mudanças do governo Lula foi tornar a política social um componente central - e irrenunciável - de todo projeto político brasileiro. Em 2010, mesmo quem atacava a Bolsa Família propôs aumentá-la. Além disso, havia um subconsumo crônico dos mais pobres em relação a produtos básicos, fosse o iogurte, fosse a geladeira. Mas a ênfase no consumo traz problemas. Um, econômico: consumir é mais popular do que poupar. Outro, cultural: a tão propalada ascensão dos mais pobres à classe C é medida em termos de renda e de acesso ao mercado. Não é avaliada em função da cultura ou da educação. Em suma, promovemos as pessoas não por algo que elas adquiriram e nunca hão de perder, ao se tornar seu patrimônio inalienável: a cultura, o conhecimento; mas por algo que é vulnerável e efêmero: o consumo.

Eleitores-consumidores votam de uma maneira específica. Premiarão o governo que lhes permitir o gozo das mercadorias e serviços. Propor políticas de longo prazo fica difícil. Ora, para ter um mínimo de eficiência, o governo tem que mirar o futuro. Daí que o Executivo tenha de ser racional, no lugar de eleitores que não o são. O governo atende o desejo consumista dos eleitores da forma mais barata que conseguir, e se vira para separar dinheiro destinado a grandes projetos estruturais - estradas, portos, universidades, usinas elétricas. O único gasto público de longo prazo que o eleitorado adora é na saúde. Nem a educação consegue igual popularidade.

Nada mais longe do iluminismo, o movimento de ideias que no século 18 fundou a democracia moderna, propondo difundir as luzes do conhecimento para melhorar a vida e a ação humana. O filósofo Kant resumiu-o numa expressão: "Sapere aude", atreve-te a saber. Disse que representava a passagem da humanidade à idade adulta. "Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade, de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem." Recomendo que leiam seu opúsculo "O que é o iluminismo", acessível na internet. Pois, enquanto a democracia se escorar no eleitor-consumidor, ele será perpetuamente infantil. Eis um traço preocupante da política contemporânea, agudo no Brasil, mas presente também nos países ricos. E o pior é que nosso Congresso age de maneira parecida. Afirmei outro dia que o Executivo federal é o garante de nossa racionalidade. Ao não pagar emendas paroquiais ao orçamento, ao vetar leis inconvenientes, ao ter nas pastas ministeriais quadros superiores aos que dirigem as comissões parlamentares, ele atenua o impacto de demandas imediatas, populares ou parlamentares, sobre as finanças e, mais que isso, sobre a construção de nosso futuro. Teria dito FHC, quando presidente, comentando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que perturbava as finanças públicas: "Eles não pensam no Brasil". É um pouco essa a ideia. Em nossa democracia, pensar no Brasil e em seu futuro se torna dever e ofício da Presidência da República, a quem cabe a tarefa racional de sacrificar o desejo imediato em nome do bem futuro, no lugar dos eleitores, envoltos pelo consumo, e dos parlamentares, ansiosos por serem populares.

Como mudar este quadro? Não creio que uma reforma política ou eleitoral o altere; ela terá seus méritos, mas não aqui. A única saída é melhorar a educação e, sua parceira mais que necessária, a cultura. Este é tema para a próxima coluna.

Novas trapalhadas do MEC - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 22/04

Depois de deixar muitos institutos técnicos federais sem aulas, por falta de professores, e de anunciar uma política para o ensino jurídico que obriga os formandos a estagiar, trabalhando em órgãos estatais, o governo da presidente Dilma Rousseff acabou com a exigência de apresentação dos títulos de mestre e doutor para os novos docentes das universidades federais. A medida, que entrou em vigor em março, foi instituída por um projeto de lei de autoria do Executivo, aprovado pelo Congresso.

Com isso, quem tiver um diploma de graduação agora pode disputar as vagas abertas com a criação de novas instituições federais de ensino superior. Atualmente, mais de 90% dos professores das universidades federais têm pós-graduação.

As novas regras começaram a ser esboçadas no ano passado, durante a greve das universidades federais, que durou quatro meses. Na época, os docentes dessas instituições reivindicaram reajustes salariais de até 40% e a introdução de um mecanismo que permitisse chegar mais rapidamente ao cargo de professor titular - o topo da carreira. A paralisação só foi encerrada depois que o Ministério da Educação (MEC) prometeu enviar ao Congresso um projeto de lei mudando os critérios de ascensão na carreira e concedendo aumento escalonado em três anos.

Em momento algum os critérios de ingresso estiveram em discussão, durante a greve de 2012 - e, por isso, o que menos se esperava é que o Executivo alterasse para pior os critérios de ingresso na carreira. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior alega que não foi ouvida pelo MEC durante a elaboração do projeto de lei. Por discordar das novas regras, a Universidade Federal de Pernambuco (UFP) suspendeu os concursos para os Departamentos de Química e de Física. "Sem a titulação pós-graduada, a competência acadêmica e a formação de recursos humanos ficarão seriamente comprometidas", afirmaram os dirigentes do Departamento de Física da UFP, um dos mais produtivos do País. Já a Universidade Federal de São Paulo divulgou nota alegando que a revogação da exigência de pós-graduação para candidatos a professor fere sua autonomia para definir o perfil do corpo docente.

A exigência de pós-graduação nos concursos públicos para professores das universidades federais foi instituída há cerca de duas décadas com o objetivo de melhorar a qualidade da pesquisa e do ensino superior no País. Nos últimos anos, as autoridades educacionais invocaram o mesmo argumento para exigir que as instituições confessionais e privadas de ensino superior aumentassem o número de professores com título de mestrado ou doutorado em seus corpos docentes. Na USP, só pode ingressar na carreira docente quem tiver doutorado. Ao justificar a revogação da exigência de pós-graduação nos concursos das universidades federais, o MEC alegou que essa medida segue as diretrizes das demais carreiras do serviço público federal. Trata-se de uma bobagem, pois as carreiras técnicas na administração pública são diferenciadas - e para o ingresso em cada uma delas há exigências específicas.

Diante do grau de insatisfação dos dirigentes das instituições federais de ensino superior, o governo recuou e prometeu devolver a elas a prerrogativa de exigir o título de mestre ou de doutor de candidatos a professor. "Leis para carreiras são complexas e devem ser aperfeiçoadas. Faremos uma alteração (na legislação) para que a lógica volte a ser como era", diz o secretário de Ensino Superior do MEC, Paulo Speller.

O problema é que o governo não sabe como fazer essa mudança. Pela legislação em vigor, há necessidade de que o governo envie ao Congresso um projeto de lei reinstituindo as exigências que foram revogadas. Como esse processo é demorado e as universidades não podem deixar de substituir professores que se aposentam ou pedem demissão, há no governo quem defenda que o problema seja resolvido por meio de medida provisória. Essa é mais uma das trapalhadas do MEC, cujo ministro não é especialista na área.