segunda-feira, 30 de julho de 2012

Da cama ao octógono


José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
O PMDB é o maior aliado do PT. O PMDB é o maior adversário do PT. Se conseguir explicar a um marciano como as duas frases estão corretas ao mesmo tempo, você terá entendido como funciona a política no Brasil. Talvez consiga entender até o mensalão. Quanto ao marciano, há o risco de ele sair voando para outro planeta, onde a teoria quântica se limite à física.
PMDB e PT se apoiam mutuamente em 1.225 eleições de prefeito este ano. Os petistas dão apoio a 811 peemedebistas, e recebem de volta as juras de amor do PMDB em 414 cidades. É, de longe, a maior aliança entre dois partidos. A segunda ligação mais popular, do PSDB com o PP e vice-versa, é 27% menos frequente do que a ligação petista-peemedebista. Mas a coroa dessa moeda é proporcional à cara onde se assenta.
PMDB e PT se batem diretamente por 579 prefeituras. É o confronto mais comum nestas eleições, à frente até da disputa entre os arquirrivais petistas e tucanos. Se fosse luta de MMA seria tão repetida quanto Anderson Silva versus Chael Sonnen.
Como explicar essa contradição? Que os maiores aliados sejam, ao mesmo tempo, os maiores rivais? Que possam ir da cama ao octógono com tanta naturalidade? A teoria das probabilidades explica o que a ciência política tem dificuldade de justificar.
O PMDB é, dentre todos, o partido com mais candidatos a prefeito. É uma necessidade que a sigla alimenta desde que ganhou o "P". O PMDB alicerça sua catedral federal na base municipalista. Sem milhares de prefeitos, não elegeria quase uma centena de deputados federais, e seus cardeais não teriam o que barganhar com o presidente de plantão. O PMDB depende de prefeitos como a Igreja depende de padres. Sua força é proporcional à quantidade de paróquias.
Quem tem mais candidatos tem também maior probabilidade de ter mais adversários. E o segundo partido que mais lançou candidatos a prefeito em 2012 foi o PT. Logo, o intenso confronto PMDB X PT é uma consequência aritmética. Parece cru, mas é como as coisas funcionam nas eleições municipais brasileiras.
O PSDB é o terceiro partido em candidatos a prefeito. Seus confrontos diretos com PT (em 535 cidades) e com PMDB (522) estão, como manda a probabilística, entre os três mais frequentes. A regra se repete com impressionante proporcionalidade à medida que descemos a escada partidária: quanto menos candidatos a prefeito, menor o número de confrontos entre duas siglas. Há raras exceções em que a ideologia ou as conveniências superaram as leis da probabilidade.
A mais surpreendente é a união de PSDB e PP. Os tucanos fizeram 899 coligações com o partido de Paulo Maluf, mas só têm confrontos diretos com o PP em 165 cidades, o que demonstra uma aliança premeditada. A ironia é que, para garantir tempo de TV a Fernando Haddad em São Paulo, Lula posou para foto com Maluf, mas foram os candidatos a prefeito do PSDB que mais apoios receberam do PP malufista: 548, contra 342 candidatos petistas. O PP serviu ao PT no varejo e ao PSDB no atacado.
Quando subtraímos os confrontos das alianças, o mapa político brasileiro fica ainda mais claro. O único saldo negativo é o da relação PT X PSDB. São apenas 343 apoios recíprocos, contra 535 confrontos diretos na eleição de prefeitos. Nem sempre foi assim, mas o acirramento da disputa entre os dois partidos nas últimas cinco eleições presidenciais acabou se refletindo em conflitos crescentes e alianças cadentes na política local.
O saldo de apoios também prova que a mais forte relação eleitoral, entre todos os partidos, é a do DEM com o PSDB: têm proporcionalmente menos confrontos (157) e mais coligações (911) nas disputas por prefeituras. É uma relação quase subalterna, na qual o DEM dá mais do que o dobro de apoios do que recebe dos tucanos. Sinal de que uma eventual fusão das duas siglas teria poucos empecilhos na base partidária.
Outra regra emerge dos números de embates e coligações: quanto mais candidatos a prefeito têm um partido, menos apoios ele dá e mais ele recebe das demais legendas. O PMDB supera todos os demais em apoios, o PT supera todos menos o PMDB, o PSDB supera todos menos PT e PMDB, e assim vai. É a prova de que quem tem mais pode mais - e de que os partidos políticos brasileiros fazem de tudo entre si, só não dão beijo na boca.

O novo desenvolvimento e o papel do Estado - 2


Coluna Econômica - 30/07/2012
A análise dos modelos de desenvolvimento nacionais, ao longo dos últimos séculos, permite idntificar pontos centrais que deflagram processos.
Há que se preparar as bases, educação, inovação, ambiente favorável ao empreendedorismo etc. Mas o gatilho que muda o patamar da economia é a abertura de mercados.
É o que permite ampliar a escala da produção, abrir espaço para novos investimentos, para a empresas mudar rapidamente de patamar tecnológico e de produção.
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Foi assim com a Inglaterra (conquistando o mercado externo), os Estados Unidos (conquistado o interior), a Argentina no final do século 19 (conquistando os pampas e os mercado norte-americano e europeu) e a China no final do século 20.
É esse impulso inicial que muda a dinâmica do desenvolvimento, cria uma mística interna que facilita reformas, mudanças de paradigma, abre espaço fiscal para políticas proativas,
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São vários os caminhos para tal:
Conquista do mercado interno
Os grandes saltos de desenvolvimento brasileiro – político e econômico – foram precedidos de inclusão de novos atores nos mercados de consumo e político. Foi assim com a migração no final do século 19, com a urbanização de São Paulo nos anos 20, com a criação das indústrias do ABC nos anos 50 e, nos últimos anos, com a massificação de políticas sociais.
Outro ponto relevante é o da interiorização do desenvolvimento. A conquista do Paraná, nos anos 50, e do centro-oeste nos anos 70 foram passos fundamentais para a construção da nova economia. Agora, a ampliação da malha ferroviária, o novo dinamismo do nordeste, a dinâmica do sul da Amazonia ampliam essas perspectivas.
Há um conjunto de ferramentas financeiras facilitando o acesso ao mercado. A principal é o crédito. A mera redução dos juros do creditário significa um enorme ganho no poder aquisitivo do consumidor.
Exemplo: prestação de R$ 100,00 por mês, por 48 meses a uma taxa de juros de 4% ao mês permitirá adquirir um bem no valor de R$ 2.120,00. Se a taxa cair para 0,5% ao mês, com a mesma prestação se conseguirá adquirir bem no valor de R$ 4.2580,00 ou um aumento de 101%.
Conquista do mercado externo
Aí se entra na competição com os produtos internos.
Há um conjunto de características externas à empresa, como o custo país, questões de infraestrutura, financiamento etc. que serão abordados em outro capítulo.
Para o tema de hoje - abertura de mercado e competição externa - há dois tipos de ação.
Uma, de abertura estratégica de mercados. Compõem essa linha acordos comerciais, parcerias entre países, ação diplomática, grandes lances de logística, mecanismos de financiamento etc.
Uma segunda linha é da ação direta sobre preços e concorrência. Entram ai as tarifas de importação, restrições comerciais, barreras sanitárias, hoje em dia penalizadas por legislação internacional no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
A segunda linha - sem restrições, por enquanto - é o câmbio, a desvalorização cambial. Esse é o caminho mais imediato para a expansão exponencial dos mercados.

domingo, 29 de julho de 2012

Construindo uma casa de plástico



Polímeros substituem tijolos de argila e dormentes de ferrovias
© EDUARDO CESAR
Descoberto em 1872, o policloreto de vinila, conhecido como PVC, começou a ser produzido industrialmente na década de 1920 nos Estados Unidos e na de 1930 na Europa. Feito a partir do sal de cozinha (cloreto de sódio) e de derivados de petróleo, hoje é um dos plásticos mais usados no mundo em tubos, conexões e tapetes de banheiro, brinquedos, bolsas de sangue e soro. Mais recentemente ele passou a ser usado para substituir tijolos e outros materiais. É o caso de uma tecnologia para construção de casas com paredes de PVC desenvolvida em parceria pela Braskem, Dupont e Global Housing, empresa brasileira com sede em Santa Catarina.
Batizado de sistema construtivo em concreto PVC, ele emprega perfis ou módulos desse tipo de plástico encaixados uns nos outros e preenchidos com concreto (veja o vídeo da montagem). As vantagens são que a casa pode ficar até 20% mais barata, comparando-se com as de alvenaria, e é construída de forma mais rápida, levando oito dias para ficar pronta ante três meses de uma residência convencional de 40 metros quadrados (m2).
São 10 tipos de perfis, cada um com uma função específica. O mais usado em uma construção é o chamado módulo I, que tem 20 centímetros (cm) de largura e 8 cm de espessura e altura variável de acordo com o pé-direito da casa. Há ainda o módulo multifuncional, de 8 por 8 cm, empregado nos cantos e nas divisórias. O único que fica visível depois da moradia pronta é o perfil de acabamento, que encobre os outros, tanto no interior como no exterior, e tem a mesma função do reboco.
O presidente da Global Housing, Gilberto Fernandes, conta que a ideia de desenvolver o concreto PVC surgiu há seis anos, inspirada numa tecnologia semelhante existente no Canadá, onde há pelo menos duas empresas do ramo. Existem ainda outras similares na Austrália, México e Venezuela. ?Num primeiro momento, nós desenvolvemos a ideia, aprimorando e adaptando a tecnologia às condições ambientais e climáticas brasileiras?, explica. ?O segundo passo foi criar uma formulação, para fabricar os módulos.? É aí que entram a Braskem e a Dupont. A primeira fornece a resina de PVC e a segunda o dióxido de titânio, que são usados na composição da fórmula que dá origem aos perfis.
De acordo com o responsável pelo desenvolvimento de negócios de PVC da Braskem, Marcello Cavalcanti, a empresa fornece o produto, em forma de pó, que depois é fundido na fábrica da Global Housing com os outros componentes da formulação. São cerca de 300 toneladas por mês. Além do reboco, o PVC dispensa pintura e revestimento. A cor branca é dada pelo PVC e pelo dióxido de titânio, substância que também protege contra os raios ultravioleta do sol, evitando microrrachaduras e escamações do plástico, preservando o desempenho mecânico e aumentando a durabilidade do produto. ?Mas se o dono da casa quiser pintá-la de outra cor, pode?, garante Fernandes. ?Assim como aplicar ladrilhos, azulejos ou grafiato [revestimento decorativo]. Na verdade, é tudo como numa casa convencional.?
Além dessas vantagens do PVC, que é um tipo de polímero reciclável, Fernandes cita outras, como a resistência à chuva, vento e maresia. ?Esse plástico é imune à ação de fungos, bactérias, insetos, roedores e à maioria dos reagentes químicos?, enumera. ?Sem falar que é um bom isolante térmico, elétrico e acústico; impermeável a gases e líquidos; não propaga chamas e é totalmente reciclável.? Quanto à casa em si, o presidente da Global Housing diz que ela tem paredes com espessuras menores que as tradicionais ? não mais que 8 cm ?, o que gera um ganho de até 7% na área útil. Elas também não racham nem estufam, não deformam e não absorvem água.
A construção da casa não exige mão de obra especializada, apenas treinada. De acordo com Fernandes, essa tecnologia é uma forma inovadora e rápida de construir, em escala industrial, diferentes tipos de edificações de alta qualidade, com pouco uso de madeira e água e desperdício mínimo de materiais. O projeto de uma moradia de concreto PVC começa como os outros, tradicionais. O piso pode ser uma laje de concreto (chamada deradier), que servirá como principal apoio para as paredes de PVC. A Global Housing verifica o projeto e, de acordo com ele, fornece o kit para a montagem da casa. No canteiro de obras basta montar os perfis, seguindo o projeto e as especificações. Não há colunas propriamente ditas, mas nos cantos e no meio de cada parede é colocada uma barra de ferro, do piso até o teto. Além disso, ao longo das paredes, a cada 80 cm, no piso são fixadas pequenas barras de ferro com 60 cm de altura. Todas ficam por dentro das paredes feitas com os módulos, que depois são preenchidas com concreto. Após 24 horas secando, a casa está pronta para a colocação das portas e janelas e do telhado. Por esse sistema podem ser erguidas edificações com até dois andares ? térreo mais o andar de cima ?, como sobrados, por exemplo.
Em termos de custo, o preço do metro quadrado de uma construção com concreto PVC equivale ao de uma tradicional ? algo entre R$ 800,00 e R$ 850,00, dependendo da região do país. ?Mas no final da obra há uma economia de cerca de 20%, principalmente por causa da menor necessidade de trabalhadores?, diz Fernandes. Também contribui para a redução do preço de uma casa de PVC a facilidade de gerenciamento e padronização dos processos construtivos


Depois do desenvolvimento da tecnologia, a empresa catarinense buscou a certificação e homologação de seu sistema construtivo em órgãos públicos. Para isso contou com o auxílio da Braskem. ?Nós ajudamos a Global Housing a conseguir toda a certificação técnica para concreto PVC?, conta Cavalcanti. De acordo com ele, a legislação da construção civil no Brasil só permite que novas modalidades e tecnologias de edificações se beneficiem de financiamentos da Caixa Econômica Federal se passarem pelo Sistema Nacional de Avaliação Técnica (Sinat). Também conhecido como diretriz Sinat, é uma iniciativa da comunidade técnica nacional da construção civil que direciona a avaliação do produto e é organizado pelo Ministério das Cidades. O objetivo é uniformizar e avaliar novos produtos e sistemas construtivos colocados no mercado e visa obter o Documento Técnico de Avaliação (DATec), um certificado que homologa e comprova a qualidade. Por isso, abre as portas para programas habitacionais financiados com recursos públicos, como o Minha Casa Minha Vida.
O sistema construtivo concreto PVC da Global Housing passou pela fase do Sinat. Foi analisado pelo Centro Tecnológico do Ambiente Construído (Cetac) do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), onde foi feito o acompanhamento do sistema de montagem e ensaios de envelhecimento acelerado dos painéis, além de verificação da resistência a impactos, fogo e isolamento acústico. ?Nessa fase o produto foi considerado com bom potencial de desempenho para a construção de casas térreas e sobrados, isolados ou geminados?, disse Luciana Oliveira, pesquisadora e chefe do Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos do Cetac. ?Isso significa que ele pode receber financiamento da Caixa?, explica Cavalcanti, da Braskem. Mesmo antes da diretriz Sinat a empresa conseguiu conquistar uma fatia do mercado imobiliário. Desde que as casas de PVC começaram a ser comercializadas há um ano, foram construídos 20 mil m2 delas no Brasil. ?Elas são de diversos tamanhos, além de creches, escolas, sobrados e até quiosques de praia?, conta Fernandes. ?Hoje produzimos em torno de 400 moradias por mês. A previsão é ampliar esse número para mil.? A Global Housing vai aumentar o número de fábricas em 2012, abrindo unidades, nos estados do Rio de Janeiro, Alagoas e Piauí.
Atuando em outro ramo de mercado, a empresa Wisewood igualmente faz do plástico seu principal negócio. A empresa criada em 2007, com sede em Itatiba, no interior de São Paulo, fabrica a chamada madeira plástica, usada na produção de dormentes de estradas de ferro, decks, revestimentos, pallets, módulos, bancos, lixeiras e rodapés. Trata-se na verdade de um composto denominado tecnicamente wood plastic composition (WPC), produzido a partir de plásticos recolhidos do lixo, como rebarbas de fraldas descartáveis, recipientes de óleo combustível e de detergente e sacos de embalagem.
A Wisewood iniciou suas atividades com a fabricação de dormentes poliméricos para atender a MRS Logística e sua necessidade de substituição de dormentes de madeira. ?Desenvolvemos então uma peça de alta tecnologia e engenharia, para atender a todas as especificações e à enorme resistência mecânica que este mercado exige?, conta o diretor comercial da companhia, Diego Gevaerd. ?Foi um sucesso total e hoje nossos dormentes à base de WPC já estão em teste nas outras duas gigantes do setor de ferrovias: Vale e All.?
Com o tempo, os dormentes deram origem a novas tecnologias e produtos como tábuas e mourões. De acordo com Gevaerd, hoje a empresa recolhe em aterros sanitários e lixões, por meio de cooperativas de catadores, sucateiros e das próprias indústrias, cerca de 1.800 toneladas de plástico por mês, basicamente polipropileno e polietileno. São os chamados plásticos duros, que, adicionados a fibras naturais, passam por um processo industrial, dando origem a um material idêntico à madeira. ?Transformamos o que chamam de ?lixo? em produtos acabados, com aplicações industriais?, orgulha-se Gevaerd. ?Hoje atuamos em nível nacional, mas estamos iniciando atividades em novos mercados no exterior.?
Ele garante que a madeira plástica pode ser manuseada como a natural. Com as mesmas ferramentas ela também pode ser cortada, colada, furada, parafusada, pregada e torneada à vontade. Além disso, tem uma série de outras vantagens. ?É inerte e impermeável, imune a pragas como fungos e cupins, permite ser lavada e não necessita de certificados de fumigação?, enumera Gevaerd. ?Além disso, não precisa de tratamento algum (custo zero de manutenção) e não solta farpas. Sem falar que evita o desmatamento de nossas florestas e uso de madeira de reflorestamento e é uma solução sustentável, por ser um material 100% reciclado e reciclável.?