1 300x199 Os males do crescimento das cidades: ciência para suas soluções?As configurações espaciais das cidades hoje, que resultam de um crescimento acelerado, correspondendo a conurbações, metrópoles e megalópoles dispersas, é realmente um mal que deve ser evitado e combatido? Seria possível prever por simples matemática a maioria das tendências de crescimento ou desenvolver uma teoria geral sobre os processos de urbanização para todas as cidades no mundo?
Um ditado popular alemão Stadtluft macht frei, contempla que “o ar da cidade liberta”, faz referência às cidades medievais que não estavam sob julgo do controle feudal de famílias da nobreza e possuidores das terras produtivas. Na cidade, os habitantes eram considerados cidadãos livres. As cidades medievais foram a peça inicial de desenvolvimento das cidades que conhecemos hoje. Bem diferente do ar citadino, principalmente londrino pós-revolução industrial, que era considerado o mal e o modo de infecção de todas as doenças e pestes, em especial o cólera, que se alastravam facilmente e matavam em poucas horas após os primeiros sintomas.
Nesta época acreditava-se que o contágio era feito pelos vapores fétidos ou “miasmas  na atmosfera” dos subúrbios apinhados de pessoas em condições precárias (KOCH, 2005; TUTHILL, 2003). Nesta época, a compreensão de cidade era bem diferente, tal  era a tecnologia da época, tanto em termos de manter uma densidade populacional que suportasse os limites das estruturas de água e despejos de detritos, quanto o acesso a alimentos, uma vez que não podiam estar a uma distância superior à velocidade dos transportes da época.
Entre 1831 e 1854, mais de dez milhões de pessoas morreram na Inglaterra devido ao cólera. Nesta época, as pessoas usavam bombas d’água públicas abastecidas por poços e não havia rede de esgotos fazendo com que os dejetos fossem jogados diretamente nos rios ou em poços abertos chamados fossas. A partir deste último ano, o médico John Snow pôs em prática o que é considerado hoje em dia como as fundações do SIG moderno. Ele identificou geograficamente todos os casos de cólera no bairro do Soho. A partir desta visualização cartográfica, pôde provar que na realidade o meio de infecção da doença era a água, em especial, de uma bomba de poço d’água pública na Broad Street. A epidemia de cólera, na Europa e nos Estados Unidos, do Século 19 terminou após cidades metropolitanas finalmente melhorarem o saneamento e o abastecimento de água.
Apesar dos avanços da tecnologia e até mesmo com o grande interesse atual pelos conceitos de ecodesenvolvimento, o pensamento corrente ainda persiste na definição de cidade doente. Quanto maior a cidade, maiores seus problemas sociais e ambientais para a população e o planeta. Amparadas nestas constatações, várias políticas públicas, herdeiras daquelas higienistas e sanitaristas do Século 19, se alastraram durante todo o século passado e até hoje são postas em prática. Pode-se citar, como erros de políticas que acabaram tendo efeito contrário, não apenas os processos de remoção de favelas brasileiras, como também a estratégia de “encolhimento planejado” em Nova York dos anos 1970, e processos de diminuição da densidade populacional na Europa.
A alta densidade provocada pelo crescimento acelerado de diversas cidades levando a conurbações, metrópoles e megalópoles é realmente um mal que deve ser evitado e combatido?
Segundo os pesquisadores Bettencourt e West (2010, p. 912-913), esta não seria uma verdade. As cidades fornecem tantas soluções quanto problemas em razão de serem centros mundiais de criatividade, poder e riquezas. Em função de uma economia de escala similar à encontrada em organizações de comunidades de formigueiros e colmeias, a poupança não apenas de recursos, mas também de capital humano, poderia ser um fator importante a ser considerado.
Estes pesquisadores defendem que é possível prever por simples matemática a maioria das tendências de crescimento e que é possivel desenvolver uma teoria geral sobre os processos de urbanização para todas as cidades no mundo. A grande variável que define a previsão é a mais simples: a quantidade populacional da cidade. E mais, elegem o valor de 15% como uma espécie de proporção áurea do crescimento da cidade em habitantes em relação aos índices gerais mensuráveis em uma cidade. Por exemplo, se uma dada cidade duplicar o seu tamanho de população, será necessário apenas 85% mais de infraestrutura urbana, seja de arruamento, cabeamento elétrico, tubulação de água e esgoto dentre outros. Desta forma há uma economia de 15% pois, em geral, a criação e operação de uma mesma infraestrutura mais densa é mais eficiente e economicamente viável do que em espaços mais extensos.
Contudo esta “proporção áurea” serve para o bem e para o mal. Não apenas a renda per capita, salários, infraestrutura urbana, número de instituições educacionais e de pesquisa crescem  15% a mais do que a espectativa linear de crescimento, mas também índices de criminalidade, tráfico de drogas, congestionamentos de trânsito, incidência de determinadas doenças também seguem o mesmo padrão. Seguindo esta linha de raciocínio, as cidades são versões aproximadas umas das outras, em escalas menores ou maiores. O trabalho faz referência a que Nova York e Tóquio seriam, em um nível previsível e surpreendente, versões em uma maior escala de São Francisco na Califórnia e Nagoia no Japão. Trazendo para o Brasil, esta não é uma realidade tão distante, uma vez que, segundo dados da Rede de Cidades Médias (ReCiMe), várias das dinâmicas e mazelas características de cidades de grande porte já são identificáveis nas cidades médias.
Seguindo o mesmo raciocínio, a pesquisa de Hoornweg, Sugar e Gomez (2011) aponta que a pegada de carbono provocada pelas grandes cidades e metrópoles é menor do que a gerada por cidades menos densas e com menor população. Uma vez que as cidades são responsáveis por 80% das emissões globais de gases-estufa, faz-se necessário uma análise mais detalhada de quais e que padrão de cidades deixam maior pegada. Foram analisadas 110 cidades de 30 países. A partir deste estudo concluiu-se que, com a eficiência principalmente de meios de transporte público e matrizes energéticas ecológicas, muitas grandes cidades desenvolvidas emitem menos gases que cidades menores. Como é o caso de Nova York e Barcelona na Espanha, que apresentam emissões menores que a Cidade do Cabo na África.
O estudo analisa quatro cidades brasileiras. Os resultados mostram que o Rio de Janeiro é a que tem maior quantidade de emissão (2,1 toneladas por habitante por ano), seguido de Porto Alegre (1,48 ton/hab/ano), São Paulo (1,4 ton/hab/ano), e Goiânia, (0,99 ton/hab/ano).
Não é a primeira vez que a compração entre a estrutura e a dinâmica das cidades é feita em relação à organização em sociedade de formigas e abelhas. Johnson (2003) segue a mesma linha, valorizando a vida nas cidades enquanto meio não só de promoção de economias de escala mas também de desenvolvimento tecnológico e inovação.
Como está sugerido, nem erradicação das cidades, nem a diminuição da densidade urbana são soluções para o problema urbano. Um novo modelo menos desigual faz-se necessário, e uma vez que tivermos definido os parâmetros desta teoria unificada de urbanização definida por Bettencourt e West, para que seja possível alterar as variáveis para o bem da sociedade humana.
Bibliografia
BETTENCOURT, L.; WEST, G. A unified theory of urban living. In: NATURE vol. 467, p.912-913. 21 outubro 2010.
HOORNWEG, D.; SUGAR, L.; GOMEZ, C. L. T. Cities and greenhouse gas emissions: moving forward. In: Environment and Urbanization January 10, 2011. Artigo acessível em: < http://eau.sagepub.com/content/early/2011/01/08/0956247810392270.abstract>. Acesso em 18/03/2011.
JOHNSON. S. Emergência: A dinâmica de rede em formigas, cerebros, cidades e softwares. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2003.
KOCH T. Cartographies of Disease: maps, mapping and medicine. California: ESRI Press, 2005.
TUTHILL, K. John Snow and the Broad Street Pump on the trail of an epidemic. Cricket 31(3), pp. 23-31, Novembro, 2003. Artigo acessível em . Acesso em 24/05/2010.
*Publicado originalmente no Observatório das Metrópoles.