Os aterros sanitários da capital paulista já rendem créditos de carbono.
DC- Kátia Azevedo - 6/6/2010 - 21h34
Agliberto Lima/DC
Com o processo, metano vira dióxido de carbono, menos nocivo, e é gerada energia elétrica.
A operação, que de tão recente ainda causa estranhamento, foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma forma inteligente de combater o aquecimento global. Funciona da seguinte forma: projetos que comprovadamente reduzem a emissão de gases causadores do efeito estufa são recompensados em dinheiro – os tais créditos de carbono, pagos na mesma proporção do poluente que deixou de ser lançado na atmosfera.
Economia aquecida com prejuízo ao meio ambiente? Só pagando.
Para o comprador seria o mesmo que "pagar por vento" não fosse a dura legislação atrelada ao Protocolo no Kyoto, no qual os países signatários se comprometem a reduzir as emissões. Pelas regras, quem descumpre as metas é obrigado a pagar multas pesadas A única forma de evitar a punição é compensar os danos ao meio ambiente, por meio do financiamento a projetos que impeçam ou, pelo menos, reduzam a contaminação do ar pelos tais gases, mesmo que isso ocorra em outras partes do planeta.
Nações emergentes como o Brasil têm levado vantagem nesse processo. É que o protocolo ainda não estipulou metas para países em desenvolvimento, por considerar que as grandes potências são as maiores poluidoras do mundo, vorazes no consumo de energia para abastecer a frota de automóveis, usinas e fábricas. Ou seja, quem ainda não encontrou forma de manter a economia aquecida sem prejudicar a natureza tem que pagar por isso.
O bom da história é que o dinheiro é bem empregado, usado para financiar projetos de tecnologia limpa. É nesse ponto que voltamos a São Paulo e ao lixo acumulados nos aterros sanitários São João, em São Mateus, e Bandeirantes, localizado em Perus.
Ao se decompor, as toneladas de lixo acumuladas produzem um dos maiores vilões do aquecimento global, o gás metano que, graças a um projeto da Biogás, passou a ter um destino mais nobre e rentável. A empresa faz a captação por meio de sucção e, em seguida, o gás é queimado. Ao fim do processo, transforma-se em dióxido de carbono (CO2), bem menos nocivo. De quebra, a combustão ainda produz energia elétrica. São 370 MW/h (megawatts/hora) por ano. Energia que é suficiente para abastecer uma cidade com 700 mil habitantes.
De acordo com a Secretaria do Verde e Meio ambiente, a instalação dessa usina fez com que a cidade reduzisse em cerca de 20% as emissões de gases do efeito estufa. E essa redução rendeu R$ 75 milhões para o município. A quantia foi arrecadada por meio de dois leilões (realizados em 2008 e 2009) de créditos de carbono, o equivalente a quase 808 mil toneladas de dióxido de carbono emitidas no lugar do metano. Esse dinheiro abastece o Fundo Especial de Meio Ambiente (Fema) e é destinado a projetos socioambientais nas regiões do entorno dos aterros, uma forma de compensar a população, por meio da criação de praças, ciclovias e parques.
O valor dos créditos oscila ao ritmo da economia. Com a Europa e os Estados Unidos assolados pela crise em 2009, a produção nas maiores potência caiu e com ela o interesse pelos créditos, já que indústrias menos ativas não poluem tanto. É a lei da oferta e da procura. Por conta disso, as cotações dos créditos que – em 2008 chegaram a ser negociadas por cerca de 19 euros por tonelada – caíram para menos de 10 euros, o que fez a Prefeitura desistir do leilão.
Neste ano, com a recuperação da economia global, o município já planeja uma nova investida. "O próximo leilão deve ser realizado na primavera", diz o secretário Municipal de Finanças, Walter Aluisio Morais Rodrigues. O plano é ofertar cerca de 370 mil toneladas de carbono, que podem render mais 5 milhões de euros aos cofres públicos.
O volume menor de carbono ofertado reflete a redução da queima de metano nos aterros. "A capacidade de produzir metano é limitada. Acredito que no caso do Bandeirantes, já desativado, o lixo decomposto só emita o gás por mais cinco anos", afirma.
Em geral, quem arremata os lotes são bancos estrangeiros, que renegociam os créditos no mercado quando o valor sobe. O comprador final normalmente está localizado em países da Europa. Outro grande interessado é o Japão. Já os EUA, que não se comprometeram em assumir metas, ficam fora do jogo, situação que pode mudar em 2012, quando ocorre nova conferência mundial sobre o tema.
O diretor da Brazilian Carbon Bureau Julio Tocalino Neto diz que a previsão é de que o novo encontro defina regras ainda mais rígidas contra o aquecimento global, com de redução da poluição também para o Brasil e outros emergentes, como China, México e Índia.
"Esse mercado nunca vai parar. A tendência é que a indústrias se tornem menos poluidoras, e que no decorrer desse processo precisem comprar novos créditos para manter a produção", diz. E acrescenta. "Até 2012, serão injetados U$ 5 bilhões na economia global em função dessas transações. E quem sai na frente leva vantagem, por isso damos consultorias às empresas interessadas em participar."
A medida se justifica uma vez que o processo não é simples. O primeiro passo é apresentar o projeto de redução de emissões para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Uma vez aprovada, a ideia segue para a ONU. Caso também receba o aval internacional, a empresa responsável precisa contratar um escritório especializado, para certificar a redução de emissões. Só após constatada a veracidade do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), é que o Banco Mundial chancela os créditos, que então podem ir a leilão.
"É um processo muito trabalhoso e burocrático", se queixa o secretário de Finanças. "É por isso que a Prefeitura se uniu à Biogás para seguir adiante com o projeto dos leilões de carbono, referentes aos aterros sanitários", diz. "Como empresa privada, eles têm muito mais agilidade, e facilidade para fazer contratações."
A Biogás, responsável pelas usinas instaladas nos aterros, coordena todas as etapas e custos da certificação e, em troca, fica com metade dos créditos de carbono resultantes da queima do gás metano. "Temos contrato com um banco estrangeiro, o KfW, que compra nossos créditos e os coloca no mercado à disposição de países mais poluentes", diz o engenheiro da empresa, Douglas Ramponi. "Recebemos em torno de 10 euros pela tonelada. Aplicamos o dinheiro no aprimoramento de tecnologias limpas. Há ganhos para a empresa e para a comunidade", conclui.
O diretor da Brazilian Carbon Bureau ressalva que nem todas as empresas têm condições de participar desse novo e rentável mercado. "A ONU só tem interesse em projetos que impeçam a emissão de, pelo menos, 10 mil toneladas de gases do efeito estufa por ano. É coisa pra gente grande."
O detalhe é que o interesse em evitar danos ao meio ambiente cresce, mesmo entre os que não têm o sinal verde daquela organização. É o chamado mercado voluntário.
"Você tem uma indústria, faz um inventário de emissões de gases do efeito estufa e se dispõe a compensar as toneladas de gás nocivo despejadas no ar por meio do plantio de árvores", diz Tocalino Neto. "São as empresas carbon free, condição que as coloca em vantagem no mercado de ações. Também aí, empresa e meio ambiente saem ganhando."
No Brasil, mais de 700 empresas já apresentaram projetos ao MCT para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Entre elas há gigantes, como Sadia e Perdigão. "É um esquema engenhoso, na medida em que países comprometidos com metas financiam projetos limpos em outras nações, como o Brasil. Ainda levamos vantagem por usarmos a água para produzir eletricidade, enquanto vários países europeus recorrem a termelétricas, que geram energia por meio de fontes muito mais poluentes como o carvão", diz. "Espero que esse mecanismo tenha vida longa".