sexta-feira, 7 de junho de 2024

Cozinha Bruta - Marcos Nogueira - Açaí de São Paulo invade a Amazônia, FSP

 

MANAUS

Bem ao lado do teatro Amazonas, no miolo de Manaus, há uma loja chamada Top Frozen. O lugar vende açaí. Congelado, como o nome em inglês já entrega.

Achei curioso, pois pensava que aqui no Norte o açaí fosse acompanhamento de peixe frito. Entrei no lugar e peguei um cardápio.

Basicamente, o cliente pode incrementar sua taça com um punhado de guloseimas: bala de goma, farinha láctea, granola, banana em calda, paçoca, leite em pó. Tem também farinha de tapioca e creme de cupuaçu.

Três taças de açaí
Taças de açaí vendidas na rede Top Frozen, de Manaus - Reprodução/Instagram

Não é exatamente igual ao açaí que se come em São Paulo e no Rio, mas é bem parecido.

Manaus não é Belém, onde a cultura do açaí é mais forte. Trata-se, no entanto, de um claro episódio de interferência "sudestina" –neologismo detestável, mas vá lá– num hábito nortista que se tornou bandeira de orgulho regional.

Mandei um zap para a amiga Ana Carolina, paraense criada em Manaus que hoje vive em São Paulo. Perguntei-lhe como ela costumava comer o açaí aqui em Manaus.

"Do jeito normal", foi a resposta. "Com farinha de tapioca."

Mostrei a ela as fotos que fiz na Top Frozen.

"Ah, mas não tem xarope de guaraná. É só açaí gelado."

Muito bem, Ana. Sucede que, da primeira vez que vim à Amazônia, apenas encontrava açaí em temperatura ambiente. Ou seja, quente.

"É na parte turística da cidade."

A referida loja tem 21 unidades espalhadas por Manaus, além de filiais em quatro estados, incluindo o Pará.

Ana rendeu-se, lacônica: "Enfim, a colonização".

Vim a Manaus para acompanhar uma feira que busca facilitar a importação de alimentos produzidos na Amazônia –brasileira e de outros sete países sul-americanos.

Organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Lac Flavors teve uma série de painéis com chefs e pesquisadores da gastronomia para discutir os obstáculos desse comércio e como superá-los.

As pedras pelo caminho não são poucas. A imensidão de um território com infraestrutura insuficiente. Os custos que se avolumam devido à ineficiência geral. A conciliação do interesse econômico com a responsabilidade ambiental.

Outro entrave para a decolagem da comida amazônica é a aceitação de alguns desses alimentos fora da região.

Tome o caso do açaí, que precisou virar sorvete para fazer sucesso mundo afora. Antes dele, o guaraná foi domado e açucarado e gaseificado.

Os sabores amazônicos são singulares e, na versão para exportação, quase sempre se transformam.

Isso ocorre de duas formas distintas. Uma delas, o emprego calculado de exotismos na alta gastronomia –dá visibilidade, mas atinge uma parcela ínfima do público.

A outra é fazer o que fizeram com o açaí. A máquina gira, mas a identidade regional se dilui em proporções homeopáticas.

Falta tornar palatável, digamos, o tacacá sem deformá-lo até virar um dogão de Osasco. Mais ainda, evitar que a massificação volte de ricochete e tome o lugar das formas tradicionais de consumo –como, aparentemente, está ocorrendo com o açaí.

Como fazer isso? Se eu soubesse a resposta, estaria rico vendendo tacacá para os americanos.


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