Luiz Zanin Oricchio
30 de janeiro de 2022 | 13h13
Munique no Limite da Guerra, de Christian Schwochow, disponível na Netflix, é um competente thriller histórico-político baseado em fatos reais. O enredo é tirado do livro do britânico Robert Harris, o mesmo de O Oficial e o Espião, origem do extraordinário filme de Roman Polanski sobre o caso Dreyfus.
São romances sobre encruzilhadas históricas. Num caso, o affaire Dreyfus, falsa acusação de espionagem motivada pelo antissemismo, e que dividiu a França. No segundo, um episódio crucial na tensa prévia da 2ª Guerra Mundial, quando a Europa, e a Inglaterra em particular, precisavam decidir se freavam os avanços de Hitler ou deixavam-no prosseguir em sua sede expansionista, torcendo para que ficasse satisfeito com o butim conquistado e deixando o resto do continente em paz.
Protagonista dessa história, o então Primeiro-Ministro britânico, Neville Chamberlain (Jeremy Irons), tenta a todo custo manter a paz. Em setembro de 1938, reúne-se na cidade de Munique, com Hitler e Mussolini, e mais o primeiro-ministro francês Edouard Daladier, para assinar um tratado entre as nações. O acordo entregava a Hitler a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, primeiro alvo da política expansionista nazista.
Na mesma ocasião, Chamberlain ainda assinaria, em separado, um documento de não-agressão com Hitler. Papelucho bilateral, sem valor algum que, no entanto, o Primeiro-Ministro acenaria em triunfo para a multidão que o esperava na volta a Londres. Ato que passaria para o anedotário histórico, pois a paz não duraria sequer um ano. As ambições de Hitler eram irrefreáveis e talvez tivesse sido melhor detê-lo o quanto antes, como insistia um político tido como chato e belicoso, um certo Winston Churchill.
Chamberlain é o centro da trama, mas a armação sustenta-se em personagens ficcionais, dois jovens amigos, que depois se desentendem e situam-se em campos opostos. Hugh Legat (George MacKay) e Paul von Hartman (Jannis Niewohner) são estudantes em Oxford, e ligados a uma mesma garota, Leda (Liv Lisa Fries, da ótima série alemã Berlin Babylon). O rompimento da amizade se dá quando o rapaz alemão adere ao nazismo em 1932, um ano antes de Hitler chegar ao poder. Um se torna secretário do governo britânico e outro membro do ministério de assuntos estrangeiros alemão.
A reconstituição de época é bem boa, e o mérito do filme é sustentar a tensão por mais de 2 horas, sem jamais afrouxar. Alguns detalhes poderiam contribuir para a qualidade da obra – por exemplo, teria sido útil encontrar um ator mais parecido com Hitler para interpretá-lo.
O grande trunfo é o sempre elegante Jeremy Irons, que vive Chamberlain sem qualquer traço caricatural. O velho político é retratado de forma nobre, como alguém com autêntica convicção pacifista. Posição coerente do líder de um país esgotado pela Grande Guerra (1914-1918), de consequências ainda presentes na memória de todos.
O debate sobre até onde pode ir o pacifismo diante de uma ameaça extrema é bastante complicado. A posição de Chamberlain pode ser compreendida à luz de uma Europa cansada de guerra e que parecia disposta a evitar um novo conflito a todo custo. Hitler entendeu esse temor e o usou em seu proveito. Enquanto os outros países ficavam paralisados, ele avançava.
Desse modo, o filme não precisaria tentar de maneira tão ostensiva limpar a barra de Chamberlain. No final, um letreiro “explica” que o Acordo de Munique, se não foi respeitado, pelo menos adiou a guerra por um ano, o que permitiu a Londres preparar-se melhor para o conflito. Interpretação problemática, porque a Alemanha também usou esse mesmo tempo para ultimar os preparativos para a conquista da Europa. E o fez de maneira exemplar, como demonstra o princípio da guerra.
De antemão, é muito difícil, senão impossível, saber qual a melhor atitude a tomar em momentos como este. Todas as alternativas têm seus prós e contras. Mas quando os fatos passaram, e se tornaram páginas da História, é forçoso concluir que Chamberlain estava errado e Churchill tinha razão.
Na ocasião, Churchill disse a Chamberlain sobre o Acordo de Munique: “Entre a desonra e a guerra, escolheu a desonra…e terá a guerra”. Não deu outra.
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