segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Samuel Pessôa - Lula e a indústria naval, FSP

 Há algumas semanas o ex-presidente Lula tuitou: "Nós, em pouco tempo, conseguimos criar uma indústria naval competitiva e poderosa. O Brasil poderia ter uma das maiores indústrias navais do mundo".

Nos delírios do petismo, o desmonte da indústria naval teria sido uma conspiração do Departamento de Estado estadunidense, em que o ex-juiz Sergio Moro seria um agente infiltrado, para destruir um setor nascente de nossa indústria que atentava contra os interesses comerciais da potência do Norte.

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Será que o problema não é nosso? Relatório do Ipea documenta que o custo unitário do trabalho (razão entre os custos e a produtividade do trabalho) na indústria naval no Brasil é 11 vezes maior do que na China e 5 vezes maior do que na Coreia do Sul (página 53).

Ex-presidente Lula em inauguração do navio Metalnave VI em Itajaí, Santa Catarina - Joao Wainer - 24.jul.2003/Snapfoto

Para uma diferença tão grande de produtividade, o esforço governamental de desenvolver o setor somente sobreviveria se houvesse uma curva de aprendizado da indústria muito rápida. Caso contrário, o custo fiscal dos subsídios inviabiliza a política de desenvolvimento industrial. No entanto, entre o lançamento do plano, em 2004, e 2011, não houve ganhos de produtividade (veja página 51 do mesmo relatório).

Se, por um lado, em sete anos não houve ganhos de produtividade na indústria naval no Brasil, a experiência sul-coreana mostra, por outro, que uma intervenção bem-feita por sete anos, de 1973 até 1979, na indústria pesada pode gerar resultados duradouros. Veja "Manufacturing Revolutions: Industrial Policy and Industrialization in South Korea" de Nathan Lane.

Ou seja, a questão sobre as políticas de desenvolvimento industrial é muito menos se devem ser feitas ou não e muito mais sobre governança, isto é, de protocolos.

O esforço de reconstrução da indústria naval no governo Lula teria que ter sido precedido de um cuidadoso estudo. Era necessário haver um diagnóstico alentado dos motivos de as duas experiências anteriores nossas —governo JK, nos anos 1950, e governo Geisel, nos anos 1970— não terem funcionado. Seria necessário também haver um cuidadoso diagnóstico dos motivos do sucesso do desenvolvimento da indústria na Ásia.

Assim, a política pública de desenvolvimento de um setor, se houver a decisão política de fazê-la, precisa ser informada pelas experiências bem-sucedidas e pelo aprendizado com os erros.

Por exemplo, para o desenvolvimento da indústria aeronáutica no Brasil, houve o investimento em uma escola de ponta de ensino e pesquisa em nível superior, o ITA, a construção de um centro de pesquisa, CTA, que faz a ligação da empresa com a pesquisa básica, e a empresa em si mesma, a Embraer.

A empresa começou produzindo aviões pequenos. Adicionalmente, se operasse com o requerimento de conteúdo nacional que vigorou para a indústria naval, não conseguiria exportar. Em suma, a Embraer é uma empresa que participa das cadeias globais de valor e, por esse motivo, consegue produzir uma aeronave de qualidade internacional e competitiva.

Mesmo que a política seja desejável, ou mesmo que haja motivos para a adoção de uma política de desenvolvimento industrial de um setor específico, se a iniciativa não for bem desenhada, teremos somente desperdício de dinheiro público e privado.

As pessoas que são entusiasmadas com o tema das políticas de desenvolvimento setorial —certamente não é o caso da coluna— deveriam se preocupar menos em propagandear a sua necessidade e gastar mais tempo entendendo quais os cuidados que precisam ser tomados para que a política funcione.


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