Leitores às vezes me criticam por "tentar desmerecer" a Semana de Arte Moderna de 1922. Na verdade, tenho apenas proposto que se aproveite seu centenário, a se comemorar em fevereiro, para examiná-la sem os antolhos de sempre. Além disso, seus participantes não eram intocáveis. Veja o que disse deles por escrito, 30 anos depois, um dos membros hoje mais amados da Semana.
Sobre Mario de Andrade: "Invertido [gay], mas fecundo"; "Miss Macunaíma"; "Suas únicas relações com o Estado foram através da Força Pública, seção de Cavalaria, no Jardim Público e em outros coretos noturnos". Menotti del Picchia: "Um caipira perdido na cidade". Villa-Lobos: "O músico mais barulhento e vazio do Brasil". Guilherme de Almeida: "Sórdido". Manuel Bandeira: "Salafra". Brecheret: "Escultor de túmulos" e "Peidava [durante a] sobremesa, dizendo 'Com licença'".
Blaise Cendrars: "Palhaço da burguesia". Paulo Prado: "Mulato aristocrata". René Thiollier: "Agressivo burro". Cassiano Ricardo: "Ratazana ao molho pardo". Candido Motta Filho: "Frouxo oportunista". Antonio de Alcantara Machado: "Cretino de ouro". Augusto Frederico Schmidt: "Tubarão gordo e boçal". Faculdade de Direito de São Paulo: "O cancro do Brasil". A de Filosofia, Ciências e Letras: "Um ninho de muares".
Ninguém foi poupado. Monteiro Lobato: "Um asno atrelado à carroça da reação". Jorge Amado, "Um cavalo". Graciliano Ramos: "Como se pode ter talento sendo burro?". Alvaro Lins: "Crítico branco ou professor mulato?". Caio Prado Jr.: "Que cavalgadura!". Julinho de Mesquita Filho: "Um bom filho da puta". Outros foram chamados de viadão, pederasta, cachorro, mentiroso, crápula, pústula, mongol, puta pública, turcada boçal, judiada, negro e tarado imundo.
O autor desses epítetos, Oswald de Andrade, tornou-se, de há muito, a voz incontestável da Semana de Arte Moderna. Talvez por ter desmerecido todos os outros que fizeram parte dela.
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