Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo
18 de janeiro de 2022 | 04h00
O Congresso aprovou no final do ano a criação de um regime de metas para a pobreza no Brasil. Inspirado no regime de metas de inflação, previa que o País deveria mirar a queda das taxas de pobreza e de extrema pobreza. Caso as metas fossem descumpridas, o governo apresentaria ao Congresso as razões para o descumprimento e que medidas deveriam ser tomadas para ajustar a rota. Bolsonaro vetou.
A proposta, originalmente do projeto de Lei de Responsabilidade Social, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), foi incluída no projeto do Auxílio Brasil pelo deputado Marcelo Aro (PP-MG). Previa ainda que o governo publicaria periodicamente um relatório sobre a evolução dessas taxas, as medidas que vem tomando, os riscos e o que poderia ser feito no âmbito do gasto público e do sistema tributário para melhorar.
Poderia ser um norte para as reformas e um escudo que o governo poderia usar contra variadas pressões sobre o Orçamento. Não previa nenhuma punição para os gestores nem qualquer aumento de gasto.
Mas Bolsonaro vetou. Disse que o novo regime “contraria o interesse público” e alega que aumentaria o gasto público total, simplesmente porque o governo teria de reduzir a pobreza (a um nível que ele próprio escolheria!).
O veto impressiona também porque quedas na pobreza são em boa parte causadas pelo crescimento econômico. O governo, assim, sinaliza não apenas não ter compromisso com a redução da pobreza (um objetivo expresso da Constituição) como não confiar no seu próprio taco em relação à evolução do PIB. Reforça, ademais, a imagem do Auxílio Brasil como um programa para outubro, não para o futuro.
Como se não bastante, o veto leva o padrão Pazuello de qualidade: a nova lei foi sancionada mencionando 3 vezes a existência do regime de metas, que foi vetado e então não existe.
Bolsonaro na verdade repete um feito da antecessora. Com outro sistema, metas para a pobreza já haviam sido aprovadas no Congresso em 2015. Do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o projeto tramitou no Parlamento por 16 anos e foi vetado por Dilma.
Em diferentes formatos, metas para a redução da pobreza foram implementadas neste século por democracias desenvolvidas como a Nova Zelândia, o Canadá, o Reino Unido. No Brasil, metas existem para a inflação, para a Selic, para o nível de gastos (o teto), para a diferença entre o arrecadado e o despendido (o resultado primário). Por que não para as famílias que enfrentam privações materiais? Qual outro objetivo o Estado deve priorizar?
* DOUTOR EM ECONOMIA
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