terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Molière faz 400 anos e é celebrado com clássico que satiriza patriarcado, em SP, FSP

 Marina Lourenço

SÃO PAULO

Não é raro ver charlatões, fanáticos religiosos, fanfarrões ou burgueses gananciosos nas peças de Molière. Pelo contrário. Canonizado como o pai da comédia moderna, o dramaturgo, lembrado pelos 400 anos de seu nascimento no último sábado, é justamente conhecido por satirizar os valores, costumes e figurões de sua época.

Vez ou outra, porém, seu humor satírico não era bem recebido por parte do público, que decidia, então, ameaçar, censurar, ou perseguir o autor. Um desses casos é "Escola de Mulheres", que gerou muito burburinho —e uma enxurrada de críticas ao francês— na cena cultural parisiense e levou Molière a escrever como resposta "A Crítica à Escola de Mulheres".

Repaginada sob lentes contemporâneas, "Escola de Mulheres" chega agora aos palcos paulistas do teatro Aliança Francesa, sob a direção e tradução de Clara Carvalho, em celebração do quadricentenário do dramaturgo.

Ares feministas esculpem a versão da carioca, nome ilustre do Grupo Tapa, e põem ênfase nas cutucadas que a história faz a padrões patriarcais. Com as famosas rimas do texto original —mas sem seus versos alexandrinos—, a montagem ainda exemplifica bem a linha tragicômica de Molière.

O enredo francês se passa num só dia e num único espaço. Aterrorizado pela ideia da traição conjugal, depois de anos de gandaia se divertindo com mulheres casadas, o solteirão burguês Arnolfo, papel de Brian Penido Ross, quer se casar com o que considera ser a mulher ideal, burra e ao seu dispor.

Para isso, ele escolhe a jovem Inês, papel de Gabriela Westphal, que vem escondendo de tudo e de todos desde quando era pequena. Tudo para garantir a ignorância da futura mulher.

Criada só sob o cuidado dos servos atrapalhados do protagonista, a garota, porém, se apaixona por um rapaz. Frustrado, Arnolfo traça uma série de planos para se safar dos temidos chifres, enquanto Inês começa uma jornada de reflexões sobre amor, liberdade e conhecimento.

"Nas peças de Molière, as personagens femininas são muito inteligentes e sagazes. Elas sempre estão em situações desfavoráveis, que conseguem reverter. É por isso que sempre enxerguei um protofeminismo nos seus textos", diz Carvalho. "Apesar de o protagonista [de ‘Escola de Mulheres’] ser esse macho tóxico, quem realmente se desenvolve nessa história é Inês."

Durante os quatro meses de ensaios virtuais e dois de presenciais, Carvalho conta que fez questão de reforçar o "tom emancipatório" proposto pelo enredo original. Isso porque ela diz que já viu releituras machistas da peça.

Como exemplo, a diretora lembra um espetáculo de Domingos Oliveira, de 1985. A peça, que tinha Jorge Dória no elenco, dispensava, segundo ela, uma visão crítica das hipocrisias patriarcais, servindo como endosso a pensamentos machistas como os de Arnolfo. A obra destilava piadas que não iam além de gargalhadas vazias de criticidade.

Mas os tempos são outros. O zeitgeist de 2022 tem novos contornos nas discussões de gênero e "Molière, provavelmente, trabalharia nelas, com muito humor e profundidade", defende Carvalho.

É claro que não é possível definir como seriam as obras do dramaturgo no mundo de hoje, mas é fato que o francês tinha um farto apreço por debates filosóficos e não hesitava em provocar figuras poderosas quando achava necessário.

Rir das hipocrisias morais, de hábitos exagerados e de costumes tradicionais é uma das maiores marcas do artista, que à época vivia entre admirações —vindas desde pequenos artistas até nomes como Luís 14, o rei Sol— e represálias —muitas vezes, acompanhadas de ameaças à vida e à carreira do artista.

Além de "Escola de Mulheres", Molière é conhecido por "Tartufo", de 1664, "O Avarento", de 1668, "O Burguês Ridículo", de 1670, e "O Doente Imaginário", de 1673.

"Os clássicos só viram clássicos porque conseguem se comunicar com plateias diferentes ao longo dos séculos", diz Ross, também do Grupo Tapa. "As peças que não conseguem fazer isso ficam esquecidas. Molière se comunica com as pessoas de hoje, com peças muito bem escritas."

ESCOLA DE MULHERES

  • Quando De 15 de janeiro a 27 de março (quinta a sábado, às 20h; e domingo, às 18h)
  • Onde Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim 182 – Vila Buarque; São Paulo)
  • Preço R$60 (Inteira) e R$ 30 (Meia)
  • Classificação 12 Anos
  • Elenco Ariel Cannal, Brian Penido Ross, Felipe Souza, Fulvio Filho, Gabriela Westphal, Leandro Tadeu, Luiz Luccas, Rogério Pércore e Vera Espuny
  • Direção Clara Carvalho
  • Link: https://site.bileto.sympla.com.br/teatroaliancafrancesa/

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