Nara é foda! Desculpem o palavrão, mas depois de assistir a série documental "O Canto Livre de Nara" dirigida pelo colunista da Folha Renato Terra e lançada no último dia 7 pela Globoplay, não fui capaz de encontrar um adjetivo melhor do que esse para definir Nara Leão.
Nara não fazia apenas música, ela contava histórias através das canções e dos compositores que escolhia gravar. Sua obra completa é a crônica perfeita de um momento muito especial do Brasil. Ela é política, feminismo, luta, coragem e vanguarda. Pensa comigo, vai só imaginando.
Imagina uma menina de 14 anos na década de 1950 com carisma suficiente para encher a sala do apartamento em que vivia com os pais em Copacabana, com seus amigos do rolê, músicos geniais do quilate de Tom Jobim e João Gilberto, para que juntos desenvolvessem ali um dos gêneros musicais mais tocados no planeta até hoje, a Bossa Nova.
Imagina que antes de gravar seu primeiro disco ela rompe com o movimento que ajudou a criar dizendo que a Bossa Nova dava sono e que cantar o amor, o sorriso e a flor não fazia sentido em um país com tanta miséria, fome e desigualdade. Desiludida com o asfalto e a alienação do seu entorno, imagina ela subindo o morro, descobrindo um mundo novo e gravando seu primeiro disco com músicas de compositores até então desconhecidos como Cartola e Nelson Cavaquinho.
Imagina agora um golpe militar brutal se instalando no Brasil e Nara protagonizando no Teatro de Arena um espetáculo chamado "Opinião" ao lado de João do Vale e Zé Keti cantando músicas de protesto. Imagina ela dar uma entrevista em plena ditadura dizendo que os militares entendem de canhão, mas não entendem de política e deveriam ser extintos. A história segue até hoje mostrando o quão certa ela estava. Imagina um poema de Carlos Drummond de Andrade pedindo para que os "milicos" não prendam Nara Leão.
Imagina uma mulher livre que nunca se submeteu e que com sua atitude afirmativa enfrentou o machismo da época. Se recusou a subir no palco quando Norma Bengell foi impedida de cantar em uma apresentação na PUC e brigou para que Maria Bethânia a substituísse no show Opinião, batendo de frente com os que não a queriam por acharem ela "feia". Imagina ter que lidar com uma descabida e machista competição imaginária com Elis Regina para ver quem era melhor, estimulada por homens que assistiam e lucravam com isso.
Imagina uma cantora que gravou Roberto e Erasmo quando eles eram considerados alienados e americanizados, gravou Fagner e Dominguinhos no começo da carreira, deu a mão para um movimento novo que ficou conhecido como Tropicália. Imagina alguém que emprestou a voz para as primeiras músicas de um jovem estudante de arquitetura chamado Chico Buarque que depois se tornaria um de seus grandes parceiros na vida.
Isso é só um pouquinho do que foi Nara Leão, uma mulher que estava sempre um passo à frente de todo mundo e que não se deixava conduzir por nada nem por ninguém, como bem definiu Chico no primeiro episódio da série.
Imagina então tudo e isso e me diz se existe nessa língua portuguesa palavra mais adequada do que "foda" para descrever Nara Leão? Se lembrar de alguma, deixe aqui nos comentários. Eu mesmo desconheço.
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