O PT quer remover a atual regra do teto de gastos, que impede o crescimento real das despesas federais, mas entende que o mercado não pode ficar sem uma âncora fiscal para calcular suas expectativas.
O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, indicado pela presidência da Fundação Perseu Abramo (do PT) para falar sobre o assunto representando o pré-candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva (embora ressalte não falar por Lula), diz à Folha que a regra atual traz prejuízos ao país e que é preciso uma meta de gastos mais flexível e transparente.
Barbosa, que também é colunista da Folha, propõe um limite de gasto a ser definido pelo governo eleito em cada início de mandato e que seja atrelado ao PIB (Produto Interno Bruto) –em vez da regra existente hoje, que congela as despesas a longo prazo independentemente das condições da economia.
Além disso, defende haver limites separados de gastos correntes (o que inclui salários de servidores e gastos para o funcionamento da máquina pública) e de investimentos (como obras públicas de infraestrutura, por exemplo).
Esta é a primeira de uma série de entrevistas sobre os cinco anos do teto de gastos com os assessores econômicos dos principais postulantes ao Palácio do Planalto em 2022. A ordem segue o desempenho na última pesquisa Datafolha.
O teto de gastos trouxe mais benefícios ou prejuízos ao país? Acho incontestável que trouxe mais prejuízos. Ajudou na redução dos juros, mas porque causou uma política fiscal contracionista. E bloqueou a agenda de política econômica. O governo Temer não fez a reforma da Previdência e gastou seu capital político aprovando uma regra inadequada e sem as reformas necessárias. Prova disso é que, desde o teto, a gente tem uma emenda constitucional sobre Orçamento por semestre, então é um teto solar. Na prática, a regra não existe. Hoje estamos discutindo a PEC dos Precatórios para manter a ficção de que o teto ainda existe.
Movimentos do Congresso para se apropriar do Orçamento, como por meio de emendas de relator, foram limitadas pelo teto. A regra tem um lado positivo nesse sentido? Nesse ponto ela tem um lado muito negativo, pois depois do teto as emendas só aumentaram. Exatamente quando o teto ficou mais restrito, as emendas se tornaram mais relevantes.
Mas por que o teto gerou a reação de apropriação do Orçamento por emendas? Porque quando você limita despesas, todo mundo corre para garantir o que acha importante. Com o teto, você aumentou o poder sobre o Executivo porque, a cada vez que é necessária uma flexibilização do teto, há um preço político que se traduz em emendas. Além disso, o governo vem cortando investimentos, então os parlamentares foram lá e fizeram da forma deles —com emendas.
Um dos principais argumentos pró-teto é a queda dos juros após a regra. Nesse sentido, ela foi positiva?Os juros caíram [logo após a regra], isso é um fato. A questão é quanto os juros caíram pelo teto de gastos ou por outros fatores, porque o crescimento também caiu. Se a economia voltar a crescer, os juros permaneceriam baixos? As evidências apontam que não. Tivemos uma pequena recuperação e já apareceram gargalos em energia e alguns choques.
Mas mesmo com esses prováveis outros fatores, o teto por si só não pode ter ajudado? É uma questão econométrica que não é clara nem para um lado nem para outro. Não sou categórico em dizer que ele baixou ou que teve efeito zero. Não dá para dizer neste momento. Para mim, a queda dos juros tem muito mais a ver com a lenta recuperação da economia brasileira pós-recessão.
Não existe chance de investimentos públicos e políticas sociais caberem no teto via revisão de outras despesas? Nessa regra do teto, não cabe o necessário para investimentos e políticas sociais. Acho possível cortar alguma coisa? Na planilha, sempre é possível. Mas, dada a magnitude do esforço, o que era possível já foi feito.
Mesmo assim, o senhor considera possível rever gastos em alguma área específica? Após a reforma da Previdência, a maior despesa federal é folha de pagamento. Então o próximo governo terá que fazer uma reforma administrativa para os novos ingressantes. A parte principal é criar nova estrutura de cargos e salários, com salário de entrada mais baixo e progressão mais dilatada no tempo para o servidor não chegar ao topo da carreira muito rápido.
Uma eliminação do teto não aumentaria os déficits e as despesas do país com juros, pagos em grande parte aos bancos —um tipo de gasto que é atacado justamente pela esquerda? Esse é um espantalho que se cria, é um terrorismo fiscal. A discussão não é tirar o teto para não colocar nada no lugar. O que se está debatendo é qual a nova regra fiscal —que deve ser uma meta de gasto, não essa regra oportunista e irresponsável feita pelo [então presidente, Michel] Temer e mantida pelo [presidente Jair] Bolsonaro. O teto é uma possível meta, mas não é a única. O teto está gerando aumento de juros, criando incerteza.
Por que a opção do PT é por outra regra fiscal e não simplesmente remover o teto? Porque você precisa ter uma âncora para as expectativas. Não se substitui uma âncora por nada. O que se discute no PT e em outros lugares é qual a nova regra fiscal. Quando ele mandar o Orçamento [ao Congresso], vai dizer que o tamanho do Estado é X, isso demanda uma arrecadação Y, vai gerar uma trajetória de dívida que vai ser ascendente, descendente ou estável... Você tem que dar uma ancoragem.
O que exatamente deve ser sugerido no lugar do teto, e com base em que métrica? Isso está em debate no PT. Não há uma proposta fechada, mas posso dizer minha opinião. O PT já apresentou em 2020 [no Congresso] uma regra para 2023. Ali se propôs que o governo teria uma meta de gasto anunciada no início de cada mandato, com meta tanto para a despesa global como também para metas individualizadas –tendo meta de investimento público, de gasto com pessoal, de despesas per capita de saúde, de despesa por aluno em educação, e também com sustentabilidade ambiental. Defendo que tenha uma meta de gastos com tratamento diferenciado para despesa corrente e para investimento, que também teria um limite.
O que ficaria no Orçamento de investimento e o que ficaria no orçamento corrente? O de investimento deve incluir infraestrutura econômica e também infraestrutura social, além de ciência e tecnologia e ações como preservação e recuperação do meio ambiente. E no orçamento corrente é preciso ter um limite específico para a despesa com folha de pagamento, a ser definido junto com a reforma administrativa, e uma regra com mínimo de gasto para saúde e educação, que impeça o gasto real por habitante de cair.
A meta de gastos seria em bilhões de reais ou em proporção ao PIB? O formato numérico está sendo discutido. O ideal é que o governo apresente um cenário [para os próximos quatro anos] em proporção ao PIB e, em cada ano, traduza isso em termos numéricos [em reais], mas isso é algo ainda a ser discutido.
E quanto em relação ao PIB deveria ser esse limite de médio prazo? É difícil fazer o cálculo neste momento porque estamos em estagnação, com possibilidade de recessão. Mas o gasto tem que ser compatível com a carga tributária que a sociedade aceita pagar, então depende do que a sociedade vai aceitar na reforma tributária.
O senhor diria que essa regra é mais branda que a atual? É uma regra mais flexível, que traz mais transparência e eficiência no gasto. Não precisa inventar a roda. O Brasil tem metas de inflação há 22 anos, e por que funciona? Porque o governo estabelece a meta e o BC tenta atingir a meta; se não cumprir, se explica. Então é uma regra superflexível.
O que fazer para o país crescer? A primeira coisa é reduzir a incerteza política e econômica. Ao sinalizar uma regra fiscal crível do ponto de vista financeiro e adequada a nossa realidade, com responsabilidade social, a economia já levanta. Temos que criar uma nova âncora de expectativa que passe na Faria Lima, mas passe nas ruas também. Porque no curto prazo vai ser necessário reforçar recursos para saúde e educação, manter transferência de renda, [e fazer] investimento público principalmente em desenvolvimento urbano e construção civil nas cidades para gerar emprego.
RAIO-X
Nelson Barbosa
52 anos
Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (no governo Dilma). Economista formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e PhD em Economia pela New School for Social Research (EUA). Professor titular da FGV (Fundação Getulio Vargas), professor adjunto da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV.
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