Vanessa Friedman, The New York Times - Life/Style, O Estado de S.Paulo
11 de janeiro de 2022 | 05h00
Há pouco menos de uma década, escrevi uma coluna sobre uma nova iniciativa extraordinária, cortesia da Fendi, chamada Pesce d'Aprile, na qual um cliente poderia viajar para uma fazenda de crocodilos em Cingapura, selecionar o réptil com o qual sua bolsa seria feita e em seguida, acompanhar seu progresso por meio de um aplicativo. Anunciado como o equivalente da moda a "conhecer sua comida", foi a primeira proposta desse tipo.
Também foi uma história inteiramente inventada (por mim): uma brincadeira do Dia da Mentira criada para destacar até onde as marcas de moda iriam para se diferenciar - e o fato de que, cada vez mais, os clientes estavam interessados na origem de seus produtos.
Mas agora, definitivamente, a brincadeira é comigo.
A Loro Piana, a marca de luxo conhecida por suas malhas discretas de pelúcia e que parecem ter sido tecidas com notas de banco liquidadas, embarcou em um programa que permitirá aos clientes rastrear todas as etapas da produção de um de seus suéteres de caxemira infantil, da cabra até a loja.
Pode parecer uma coisa simples: como uma marca pode não saber exatamente onde e como seus produtos são feitos? Ainda assim, a cadeia de suprimentos da moda é tão complicada, suas numerosas etapas espalhadas por tantos países e processos, que para a maioria de nós as histórias da origem de nossas roupas são quase totalmente opacas.
“Acreditamos que as empresas sabem de onde as coisas estão vindo e, na verdade, muitas empresas perderam essa capacidade há muito tempo”, disse Maxine Bédat, fundadora do New Standard Institute, uma organização sem fins lucrativos fundada para definir e criar um estrutura para as reivindicações de sustentabilidade na moda. “Quanto mais produtos você adiciona à sua oferta, mais difusa e complicada se torna a fabricação e, como resultado, é muito raro que as empresas de moda, hoje, sejam capazes de rastrear suas cadeias de suprimentos completas e estejam dispostas a divulgá-las.”
Considere o fato de que um suéter de lã merino médio viaje 18.000 milhas ao longo de sua produção antes de chegar às prateleiras da loja, de acordo com a Bamford, a marca farm to table (da fazenda à mesa) de luxo britânica.
Traçar essa jornada é mais fácil, claro, se uma marca for pequena o suficiente para fazer tudo sozinha ou se uma nova marca for construída pensando na transparência. Mas poucos fundadores pensavam dessa forma uma década atrás, e quase nenhuma marca controla todas as etapas do processo de criação, da fazenda ao produto acabado.
Para o consumidor em busca de um presente, isso significa que é extremamente difícil saber, ao percorrer as prateleiras em busca de um tricô grosso e perfeito ou de um xale confortável, se o que você está vendo foi feito de forma responsável, com fatores ambientais e sociais em mente.
É por isso que, há dois anos, a Loro Piana, que foi comprada pela LVMH por US $ 2,6 bilhões em 2013, decidiu definir seus processos para que agora possa incluir uma etiqueta de vestuário informando aos potenciais compradores que “esta malha saiu de um negócio feito naquela região específica naquele ano ou naquele mês daquele ano”, disse Fabio d'Angelantonio, o ex-CEO da Loro Piana (ele foi substituído no final de outubro por Damien Bertrand). E esse negócio originou-se nas costas daquele rebanho.
O projeto foi apresentado no início deste ano com os produtos de vicunha da Loro Piana e agora foi estendido para incluir a caxemira e a caxemira infantil, os produtos mais vendidos da empresa. Dado que o suéter de caxemira Loro Piana médio será tocado por aproximadamente 100 mãos em pelo menos três países enquanto segue seu caminho da Mongólia para a Itália até sua loja final, e envolverá mais de 13 processos em 18 meses a dois anos, isso não foi um empreendimento pequeno.
Sem dúvida, esse rastreamento foi possível apenas porque a marca de luxo tem o... luxo de conhecer seus pastores - ela vem adquirindo, fiando, tecendo e finalizando a caxemira desde 1924 - e porque seus clientes extremamente abastados estão dispostos a pagar pela informação. E a Loro Piana aposta que isso fará parte da proposta de valor da moda cada vez mais. Que cada presente físico também traga consigo o presente do conhecimento.
No lugar da economia do gotejamento, pense nisso como a transparência do gotejamento. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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