Daniela Amorim e Vinicius Neder, O Estado de S. Paulo
09 de janeiro de 2022 | 14h00
RIO - Ainda sob os efeitos da crise causada pela covid-19, a indústria brasileira chegou a novembro passado com seis meses de quedas na produção, marcando uma década perdida, com queda de 20% na produção desde 2011. Apesar da pandemia, as dificuldades vêm de antes. Ao longo da década de 2010, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 33%, e foram aniquilados cerca de 800 mil empregos no setor, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os efeitos se espalham, já que a elevada quantidade de vagas formais é uma marca do emprego industrial, mostra estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
“O setor industrial, ano a ano, vem perdendo espaço na estrutura econômica do País”, diz André Macedo, gerente da Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do IBGE.
Após afundar com a paralisação das fábricas em meio ao isolamento social, no início da pandemia, a produção ensaiou uma recuperação no segundo semestre de 2020 e chegou a superar o nível pré-covid-19. Ao longo de 2021, porém, a retomada rateou. Segundo o IBGE, depois de seis meses de quedas consecutivas, a produção industrial operava, em novembro, 20,4% abaixo do pico alcançado em maio de 2011.
Fatia menor
Com a produção andando de lado, a indústria vem perdendo participação na economia como um todo. De 2010 a 2020, a fatia do setor no PIB caiu de 27,4% para 20,5%. Em outubro de 2021, o PIB industrial ainda era 14% menor do que em março de 2014, último mês antes da recessão que se estendeu até 2016, mostram cálculos com base em estimativas do Monitor do PIB da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a indústria vem sendo afetada por uma combinação de problemas conjunturais, que variam conforme a crise do momento, e estruturais. São eles inflação e juros elevados, câmbio desfavorável (quando a cotação do dólar fica baixa demais perante o real, dificulta as exportações e favorece as importações) –, desequilíbrios nas contas do governo, incertezas políticas e econômicas, gargalos de infraestrutura, o complexo sistema tributário, a falta de mão de obra qualificada e o custo da energia.
O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, lembra que a redução do peso da indústria no PIB ocorre desde o fim da década de 1980. O especialista inclui no rol de problemas a abertura comercial “abrupta”, com redução de tarifas de importação, a partir dos anos 1990.
Para o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio (Firjan), Jonathas Goulart, em meados da década passada, o aumento de impostos e elevação de gastos públicos chegaram ao limite, causando rombos grandes demais nas contas do governo.
O peso dos juros
O desequilíbrio nas contas do governo torna o problema estrutural do sistema tributário ainda maior e afeta problemas conjunturais, como a alta do dólar no mercado financeiro, que serve de combustível para a inflação, explica Goulart. Diante da perspectiva de mais inflação, os juros futuros sobem no mercado financeiro e, em seguida, o Banco Central sobe os juros básicos. O crédito mais caro arrefece a demanda dos consumidores, ao mesmo tempo em que torna o investimento da indústria menos vantajoso.
Cagnin observa que a indústria de transformação tem um efeito multiplicador na economia. Conforme cálculos do Iedi, cada R$ 1 gerado pelo segmento leva ao acréscimo de R$ 2,14 no PIB. No setor de serviços, o efeito final é de R$ 1,46; na agropecuária, de R$ 1,67.
Em quase uma década, o setor perdeu 834 mil postos de trabalho
A crise da indústria na última década, com o fechamento definitivo de linhas de produção no País, como as de veículos da Ford, de TVs da Sony e de TVs e equipamentos de áudio da Panasonic, se espalha também pelo mercado de trabalho. Além de ceifar empregos, o fechamento de fábricas piora a qualidade do trabalho, mostra estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Após a década perdida, a indústria chegou ao trimestre terminado em outubro de 2021, último dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 12,241 milhões de trabalhadores ocupados. No início da série histórica, no primeiro trimestre de 2012, esse contingente era de 13,075 milhões. Ou seja, em quase uma década, 834 mil empregos foram perdidos. Na comparação com 2014, o número de vagas fechadas é de cerca de 1 milhão.
A redução é ruim para a qualidade do mercado de trabalho porque os empregos industriais estão entre os melhores. Cálculos do Iedi, com base nos dados do IBGE, mostram que, na média de 2019 a 2021, 63,9% da força de trabalho da indústria tinham carteira assinada. Nos serviços, a proporção é de 40% e na agricultura, 16,6%.
“A grande alavanca do emprego formal é a indústria. É importante para o sujeito que trabalha, mas também para o dinamismo econômico”, diz o economista-chefe do Iedi, Rafael Cagnin. “Não é só uma questão de favorecer o empregado, ter direitos, receber décimo terceiro. A capacidade de compra dele é potencializada pelo emprego com carteira, o que se traduz em mais produção industrial.”
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