domingo, 10 de maio de 2020

'Que fazer?', J.R. Guzzo, O Estado de S.Paulo


10 de maio de 2020 | 03h00


É curioso o que está acontecendo hoje no Brasil. A cada dia que passa, o presidente da República faz alguma coisa que parece desenhada sob medida para tumultuar o seu próprio governo, como se tivesse certeza de que o pior desastre que pode lhe acontecer é viver quinze minutos de paz. (Neste momento de confusão extrema, acredite se quiser, conseguiu achar espaço para arrumar uma briga com a sua ministra-secretária da Cultura, a atriz Regina Duarte, cuja relevância no meio das calamidades atuais oscila ao redor do zero. Justo agora? Não poderia ficar para um pouco mais tarde? Não: ninguém aqui vai perder uma oportunidade para sair no braço.) Ao mesmo tempo, as forças que querem tirá-lo de lá antes da hora prevista na Constituição parecem cada vez mais incapazes de armar uma ação coerente, lógica e eficaz para conseguir isso.
É a velha história da vida política: quando todo mundo diz que “agora não dá mais” e, ao mesmo tempo, não se faz nada de concreto além de falar, é sinal de que ninguém está conseguindo agir no mundo das coisas práticas. Se realmente não “dá mais”, então por que continua dando? Não se trata de falta de vontade – é falta de meios. Como tantas vezes ao longo da História, a questão se resume na inesquecível pergunta de Lenin: “Que fazer?” O Revolucionário Número 1 de todos os tempos sabia muito bem que, sem responder a essa pergunta, o Czar continuaria sentado até hoje no trono da Rússia. Em sua volta, todos faziam os discursos mais devastadores, ano após ano - e continuavam no exílio. Lenin, em vez disso, só pensava em sair do exílio e ir para o governo. Não queria ficar indignado. Queria agir.
É o que está faltando hoje para as múltiplas camadas de opositores do presidente Jair Bolsonaro: saber com precisão o que devem fazer para ele sair do Palácio do Planalto antes de 1º. de janeiro de 2023, quando acaba o seu mandato legal na presidência. Nada parece funcionar. Havia muita esperança, por exemplo, no depoimento do ex-ministro Sergio Moro no inquérito que apura as circunstâncias de sua demissão. Mas depois de oito horas de declarações, o que realmente sobrou de concreto foi a afirmação de que ele, Moro, nunca disse que Bolsonaro cometeu algum crime nos quinze meses de relacionamento que tiveram no governo. Um ministro do STF proibiu Bolsonaro de nomear um diretor para a Polícia Federal; ele nomeou outro, igual ao primeiro, e ficou por isso mesmo, pois não dá para continuar vetando todos os nomes que o presidente escolher. Esperava-se que o Supremo se unisse para acertar alguma maneira legal de deter ou depor Bolsonaro; mas os ministros não estão de acordo entre si. 
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A questão, no fim das contas, não é estabelecer, numa escala de zero a dez, o quanto Bolsonaro é um mau presidente; seus inimigos acham que é onze. A questão é saber quantos dos 513 deputados federais e 81 senadores, exatamente, vão votar a favor de um impeachment – o único caminho disponível para depor o chefe de Estado sem violar a Constituição, coisa que requer força armada e não é possível neste momento no reino das realidades. A “sociedade” não tem voto aí. Ninguém mais, além dos parlamentares, está autorizado a julgar o presidente: ou dois terços dos membros do Congresso concordam em depor o homem, ou ele não sai.
Para quem não quer mais a situação que está aí, a prioridade talvez devesse ser outra - em vez de ficar tentando tirar Bolsonaro agora, que tal começar a trabalhar de verdade para que ele não seja reeleito? O fato é que vai ser preciso ganhar uma eleição em 2022. Se vierem com candidatos parecidos com os de 2018, vamos continuar na mesma.

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