Quando o guru de novos negócios Hitendra Patel veio ao Brasil em 2018 falar sobre empreendedorismo, seu discurso, claro, foi permeado pelas duas palavrinhas mágicas do mercado nos últimos anos: “millenials” e “inovação”. Junto delas, porém, figuraram outras que, até pouco tempo, jamais seriam sinônimo de avanço tecnológico ou de ganhar (muito) dinheiro: renovar, reciclar, reusar. “Pense verde!”, afirmou.
Como “a próxima geração quer salvar o planeta”, em breve não haverá mais espaço para empresas que desperdiçam e poluem demais, cravou o professor de inovação da Universidade de Toronto e fundador da consultoria IXL Center, especializada em estratégias globais de inovação. Do contrário, disse à plateia de jovens executivos, “os clientes não vão escolher sua companhia”.
Otimismo à parte, o boom do green money é real. Muitas empresas já têm a inovação sustentável como ponta de lança, decorrência do que vem sendo chamado pelos economistas de “efeito Greta”: poluir tem pegado mal, e para um público cada vez maior. Até a gigante Microsoft anunciou: terá emissão negativa de carbono até 2030 e, até 2050, terá removido todo o carbono emitido desde sua fundação, em 1975.
Poluir tem pegado mal para um público cada vez maior, o “efeito Greta”: não basta inovar, tem de ser sustentável e consciente
Há, claro, marcas que se aproveitam do anseio consciente para vender gato por lebre, o greenwashing. Mas “o crescimento só em busca de lucros vai diminuir à medida que as pessoas demandem produtos e serviços que sejam pessoalmente importantes e social e ambientalmente benéficos”, diz a consultoria Accenture sobre as tendências do consumo global para 2020.
Soa utópico, mas basta seguir o dinheiro: se até empresas de petróleo como a Shell têm seguido o caminho ecológico em seus investimentos novos é porque a inovação verde veio para ficar.
TÊNIS ECOLÓGICO // Eis um exemplo de como pesquisa com investimento público, ativismo ecológico e marketing capitalista podem se juntar — e todos sairem ganhando. A Parley for the Oceans desenvolveu a tecnologia para transformar toneladas de plástico que poluem os oceanos em fibras para a indústria. A Adidas comprou a ideia: em um ano, mais de um milhão de pares foram vendidos, conectando a marca ao consumidor que quer “comprar verde”.
O “efeito Greta” chegou a Davos
E assim a inovação verde chegou à meca do PIB global. Ninguém menos que Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, afirmou, em seu manifesto de 2020, que uma empresa, para se dar bem atualmente, deve “conscientemente proteger nossa biosfera e promover uma economia circular, compartilhada e regenerativa”.
Sustentabilidade, meio ambiente, relações éticas com trabalhadores e comunidades e o futuro material do planeta, afirma peremptoriamente o documento, figuram como fundamentais para uma empresa ter valor.
Mesmo antes, o BlackRock, maior fundo de gerenciamento de dinheiro do mundo, anunciou que não investiria em empresas não sustentáveis. Fundos de pensão que aplicam bilhões todo ano em startups com ações em bolsa sugeriram ainda uma pontuação baseada em temperatura: dependendo do grau (de impacto), um negócio inovador mereceria o investimento – ou não.
BATERIA DE ÁGUA DO MAR // Milhões foram investidos nas baterias de grafeno e outros começam a ser gastos em baterias menos nocivas, como o protótipo da IBM feito com água marinha: nada de cobalto, níquel e outros minerais usados em baterias de celular e carros elétricos, advindos de minas que estimulam a exploração de trabalhadores e guerras na África.
Tanto que, no começo de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou de Davos pedindo a cabeça do colega do meio ambiente: não pegou bem entre os investidores globais a política ambiental brasileira, sobretudo em relação à Amazônia.
O que Davos, ONU e as maiores empresas do mundo têm chamado de Quarta Revolução Industrial (ou o livro homônimo de Schwab), afinal, passa pela inovação verde. O lema é expandir “as fronteiras do conhecimento, da inovação e da tecnologia para melhorar o bem-estar das pessoas”, crava o manifesto.
Cada vez mais, além de design e tecnologia, uma empresa deverá provar que não destrói o ambiente à toa
Pois cada vez mais gente quer consumir sem culpa. “A difusão de informações sobre como os produtos são produzidos tem aumentado e modificado as exigências antes de consumi-los”, diz André Cherubini Alves, professor da FGV e pesquisador no Núcleo de Estudos em Inovação da UFRGS. Como diz a Accenture em seu Fjord Trends 2020: as marcas que inovarem se importando “com o planeta e as pessoas – e com as causas que estas defendem – irão emergir como as vencedoras.”
Essa liquid people é formada por consumidores com prioridades mais “fluidas”, focando menos na posse e mais na experiência trazida pelo serviço e seu impacto na Terra: mesmo ao contemplar a tecnologia de ponta e o design (e, por que não, o luxo), fazem-no pensando nas mudanças climáticas e na sustentabilidade.
RECICLAGEM NO APP // O Cataki é um app que conecta geradores de lixo (ou seja, qualquer um de nós) e catadores de resíduos, o que permite aumentar a reciclagem nas cidades e a renda dos trabalhadores. Já há quem o chame de Tinder da reciclagem. Cerca de 1400 dos mais de 800.000 catadores do Brasil estão cadastrados na plataforma, onde dá para consultar a biografia, o número do profissional mais próximo e saber o tipo de material que recolhe.
São millenials impactados pelos esforços da jovem Greta Thunberg em não pegar avião, mas que não abrem mão do novo smartphone. Assim, no lugar da obsolescência programada, que antes incomodava o bolso e agora choca pelo impacto sobre os recursos naturais do planeta, o foco do design de produtos, diz a pesquisa, “se estenderá para além do usuário final, concentrado design direcionado para uma vida inteira”.
Tal boom do green money é real. Só não se deve a uma tomada de consciência nos corredores bilionários de Wall Street, mas à pressão da sociedade, a regulações e financiamentos governamentais. O consumidor mudou – e, com ele, o mercado. “Frente aos riscos à biodiversidade, toda tecnologia social e ecologicamente responsável traz um diferencial que agrega valor”, diz à Gama Woo Jin Lee, especialista sênior em inovação do Climate Technology Centre and Network (CTCN) da ONU.
Em junho, o CTCN terá um painel sobre como as novas fronteiras tecnológicas podem ajudar a mitigar o impacto sobre o ambiente no Fórum de Energia de Viena, cujo slogan diz tudo: “a quarta revolução industrial como catalisadora da transição energética”. Pois “a inovação abre portas para sermos mais éticos”, diz Lee. Separar engodo e realidade será a tarefa do consumidor consciente. Greta segue de olho.
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