quinta-feira, 14 de maio de 2020

Paulo César Pereio, 'galã-terrible' do cinema nacional, mora no Retiro dos Artistas, FSP

RIO DE JANEIRO
Paulo César Pereio, 80, ator em dezenas de filmes nacionais desde os anos 1960, está morando no Retiro dos Artistas. Trata-se de uma instituição centenária em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, que acolhe artistas sem família ou em dificuldades e lhes garante uma melhor qualidade de vida.
“Ainda tenho meu apartamento em São Paulo, então não me mudei... É uma situação de exceção”, diz o ator. “Gosto bastante daqui, é muito vantajoso. Na Bela Vista, não estaria tão bem. Teria que sair sempre, ir ao restaurante. Aqui é um microcosmos, um universo fechado em pleno ataque do vírus.”
Pereio é uma espécie de “galã-terrible” do cinema brasileiro. Seus papéis de cafajeste —às vezes com coração, muitas vezes não— e frases inesquecíveis como “eu te amo, porra” lhe garantiram uma aura mítica, principalmente em filmes dos anos 1970 e 1980.
Participou de obras de grande projeção, como “Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia”, de 1977, e “A Dama do Lotação”, de 1978, assim como de comédias ao estilo de “Assim Era a Pornochanchada”, de 1978, e “O Segredo da Múmia”, de 1982. Também teve vários trabalhos na televisão, como em “Roque Santeiro, de 1985, e, mais recentemente, na série “Magnífica 70”, levada ao ar de 2015 a 2018 pela HBO.
No retiro, num terreno de 15 mil metros quadrados, Pereio está com morando com 51 colegas. Não é incomum que alguns artistas passem um ou dois anos e depois retornem para suas residências. “Sabe como é ator, né?”, pergunta Maria Aparecida Cabral, a Cida, administradora do retiro.
“Às vezes estão bem de vida, com contrato, mas às vezes ficam em baixa. Muitos moram apenas por um período e saem.” Foi o caso de Cláudio Corrêa e Castro (1928-2005), conta Cida, que trabalha lá 19 anos.
“Ele estava deprimido e morou com a gente por cerca de um ano [2003]. Depois foi embora e veio a falecer, infelizmente.”
Pai de quatro filhos, Pereio morava sozinho em São Paulo e fez a mudança em dezembro. “Me administro muito mal. Não recebo benesses, não tenho nada. Fui ver minha filha mais velha em Rio das Ostras, onde ela mora, e discutimos essa possibilidade. Então vim para cá.” Seus filhos o visitam e colaboram financeiramente com o retiro.
Alguns, no entanto, não têm outra escolha senão o retiro. “Muitos não têm família ou mesmo foram abandonados”, diz Cida. “E aqui não temos somente atores. Temos gente que trabalhou a vida toda na área técnica, como cenógrafos, câmeras, pessoal do circo e até uma jornalista. Em dez dias vamos receber nosso primeiro artista do futebol, por que não, né? É o goleiro Manga [de 83 anos].”
Retiro dos Artistas foi fundado em 1918 pelo ator e cantor Leopoldo Fróes (1882-1932). Estava sob risco de fechar, há 20 anos, quando o ator Stepan Nercessian assumiu o local e iniciou um processo de recuperação bem-sucedido. Nercessian ainda é o presidente hoje, e a cantora e atriz Zezé Motta, a vice.
Antigamente, os artistas moravam coletivamente no casarão principal ou em casinhas de madeira que foram se degradando. Após Nercessian, foram construídas 50 pequenas casas de alvenaria, individuais, com quarto, sala, banheiro e cozinha.
Há ainda teatro, cinema, salão de cabeleireiro, enfermagem, e um centro médico que funciona 24 horas, onde ficam aqueles com problemas de saúde mais graves. Hoje, dez artistas estão no centro de apoio e outros 42 vivem nas casinhas.
O casarão virou um bazar, que ajuda a arrecadar recursos para a ONG. Com 34 funcionários, entre médicos, faxineiros, cozinheiros etc, a instituição tem um custo mensal de R$ 147 mil e sobrevive por meio de doações. Há gastos com psicólogos, nutricionistas, dentistas, e o retiro serve cinco refeições por dia.
“Já estávamos trabalhando com 30% de déficit. Agora na pandemia, tivemos uma queda de 60% no número de doações”, diz Cida. Para quem quiser ajudar, no site retirodosartistas.org.br há uma página informando como podem ser feitas doações financeiras em contas bancárias, por cartão de crédito e boleto ou ainda de alimentos ou materiais de higiene e limpeza.
Pereio curte especialmente o chá das 16h e lembra ao repórter que não está aposentado. “Atores não se aposentam. Sabe qual é a idade do Rei Lear? Noventa anos. Ainda sou muito novo para fazer”, diz ele.
Enquanto não chega a hora de interpretar o personagem de Shakespeare, há outros trabalhos em vista.
“Tenho dois filmes para fazer. O Rui Guerra está querendo fazer uma continuação de ‘Os Fuzis’ e ‘A Queda’, fechar essa trilogia”, conta o ator. “Os Fuzis”, de 1964, foi o primeiro longa de Pereio. “Também recebi um outro roteiro. Agora temos que esperar o fim da quarentena para voltar ao trabalho”, finaliza.

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