sexta-feira, 1 de maio de 2020

O outro lado da história, Ruy Castro, FSP

"Apropos of Nothing", autobiografia de Woody Allen, saiu em Nova York por uma pequena editora. Como pode um livro desses ser lançado por um selo modesto? Porque a Hachette, grupo editorial que o contratou originalmente, teve medo de publicá-lo. Nele, Allen finalmente se defende das acusações que lhe são feitas por sua ex-namorada Mia Farrow desde 1992, de ter estuprado uma filha adotiva de Mia e molestado outra, esta também adotada por ele.
A Hachette talvez quisesse um livro de humor —o que ele também é. Mas, ao ver que o autor dispôs-se a quebrar um silêncio de 28 anos, recusou-o, temendo boicotes à sua marca. E, afinal, desde quando um homem pode se defender? Para nós, não faz diferença. O livro saiu e, com isso, temos agora os dois lados da história.
A campanha de Mia para destruir Woody, por sua relação com Soon-Yi, órfã coreana adotada por ela e seu então marido Andre Previn, nunca foi adiante. Nem poderia. Soon-Yi não era uma menor indefesa e "retardada", como Mia a chamava, quando ela e Woody se descobriram. Era uma mulher de 21 anos, inteligente e de forte personalidade.
Meses depois, vendo-se derrotada, Mia acusou Woody de ter também molestado Dylan, filha adotiva de ambos e então com seis anos. Também em vão. Duas agências oficiais governamentais de defesa da infância absolveram Woody. Ginecologistas, médicos e psicanalistas que examinaram Dylan declararam-na intocada. Criadas, babás, amigas da família e até dois outros filhos adotivos de Mia atestaram a improbabilidade da acusação. E, para completar, Woody e Soon-Yi, juntos desde então, têm duas filhas adotivas --como a Justiça americana aceitou entregar duas crianças a um predador?


Os fatos inocentam Woody Allen. Mas nossa época prefere a versão, e esta já decretou que, não importam as provas em contrário, ele é culpado. Coerente até o fim, Woody dispensa a nossa absolvição.

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