É absolutamente vergonhoso e temerário que um empresário bem-sucedido e influente como o sinobrasileiro Winston Ling espalhe desinformação sobre o coronavírus com base num arremedo de raciocínio darwinista. A teoria da evolução tem uma lógica clara, mas é preciso entendê-la direito.
Em sua conta no Twitter, Ling afirmou recentemente que já existiriam o “corona bom” e o “corona mau”. Vírus “inteligentes”, segundo ele, são os que se espalham o máximo possível causando o menor dano possível no hospedeiro. Ao ficar em casa, estaríamos favorecendo evolutivamente o “corona mau”.
Existem mais buracos nesse raciocínio simplista do que numa peneira de cruzeta, lamento informar. Pra começo de conversa, o empresário se esquece de que os sintomas — espirro, tosse etc. — são PARTE FUNDAMENTAL da estratégia de espalhamento de um vírus respiratório. Além disso, justamente por ser vírus respiratório, que por definição se espalha fácil, o incentivo evolutivo para “ficar na moita” é muito menor porque não há problema em causar sintomas severos desde que o vírus consiga pular fácil pra outros indivíduos suscetíveis. Não adianta tentar raciocinar sobre dinâmica evolutiva sem levar em conta os parâmetros ecológicos e a relação de custo-benefício envolvida num sistema. (A gente imaginaria que empresários, pelo menos, conseguiriam pensar em termos de custo-benefício, mas não parece ser o caso aqui…)
Outra questão que Ling deveria ter considerado, se queria brincar de análise de custo-benefício darwinista, é o fato de o vírus ter acabado de saltar de um hospedeiro animal para seres humanos. Isso significa que o ajuste fino que ele espera do vírus AINDA NÃO OCORREU. É justamente o fato de termos uma história tão curta de convivência entre hospedeiro e parasita que temos tanta gente vulnerável — o mundo inteiro, na verdade — e sintomas tão variados e estranhos sendo causados. Esse vírus ainda “não sabe direito o que fazer” num corpo humano.
Também não parece ter passado pela cabeça do nosso temerário amigo Ling que esse ajuste NÃO DEPENDE SÓ DO VÍRUS. Depende tb, e muito, da BIOLOGIA DOS HOSPEDEIROS (que varia de pessoa pra pessoa em nível genético, por exemplo) e de fatores como alimentação e estresse. Olhar as coisas desse modo unidimensional, em biologia, é receita para o fracasso.
Finalmente, até agora não há informação NENHUMA sobre níveis diferentes de agressividade das linhagens de Sars-CoV-2. ZERO. Sem essa informação, e sem as bases que citei, Ling está construindo castelos de cartas no ar, na melhor das hipóteses (misturei as metáforas, desculpem). Empresários sabem ganhar dinheiro, parabéns pra eles. Mas sujeitos influentes como Ling deveriam ficar no cantinho deles quando sentirem a tentação de travestir seus vieses e interesses em informação “científica” pra dezenas de milhares de pessoas. Não estamos em condições de correr mais esse risco.
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