sexta-feira, 8 de maio de 2020

A seguir, os omissos e hidrófobos, FSP Ruy Castro

Nós, os amigos de Aldir Blanc, não pudemos nos despedir dele. Quando soubemos que fora para o Miguel Couto, Aldir já estava fora do nosso alcance, como acontece com as vítimas da Covid-19. E, quando o transferiram para a UTI e depois para o Pedro Ernesto, nem mais sua família pôde vê-lo. Ninguém, exceto a equipe médica, foi testemunha da luta que, inconsciente, seu corpo travou contra a morte durante 20 dias. Ninguém, exceto os íntimos, pôde levá-lo ao reduto final, e nem mesmo a eles foi concedido um beijo ou olhar de despedida.
Esse quadro de internações repentinas e despedidas prematuras está se repetindo em todo o país, milhares de vezes por dia. Os números já são massacrantes por si, mas insuficientes para descrever o sofrimento de cada cônjuge, pai, filho ou família. Um dia, muitas dessas histórias individuais serão contadas e só então saberemos o alcance de cada uma. Isto se antes não formos, nós mesmos, testemunhas de casos próximos ou seus protagonistas.
Tem-se a impressão de que, até agora, só os nossos estão morrendo. E não me refiro aos artistas, aos famosos, mas também àqueles, anônimos para a maioria e tão importantes para suas ruas ou comunidades. Os jornais publicam diariamente os perfis dessas pessoas, e só então ficamos sabendo quem perdemos e o quanto farão falta.
Não vi até agora a notícia da morte de ninguém que, próximo ou distante de Jair Bolsonaro, mas estimulado por ele, continua negando a pandemia, fazendo carreatas, trocando perdigotos, esbravejando insultos e agredindo enfermeiros e jornalistas. Mas não é possível que a irresponsabilidade, a inconsciência e a crueldade sejam imunizantes.
Teme-se que, em breve, o número de mortes diárias chegue aos quatro dígitos. Só que, quando acontecer, atingirá também os omissos e os hidrófobos, dentro e fora do governo. O vírus, ao contrário deles, não conhece ideologia.

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