quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Wilson Gomes - Marçalizaram o debate eleitoral na cidade de São Paulo, FSP

 Durante os anos em que os cidadãos recorriam majoritariamente à televisão para obter informações políticas essenciais às suas decisões eleitorais, três formatos principais foram desenvolvidos e explorados para que os candidatos pudessem se apresentar diretamente ao público: debates televisivos, horário de propaganda eleitoral gratuita e entrevistas diretas, sem edição.

Esses três formatos representam diferentes maneiras de lidar com a tensão entre jornalismo e campanhas eleitorais. Na entrevista direta, o jornalismo tem o controle, propondo as perguntas, estabelecendo o tom da conversa e regulando o tempo das respostas. Na propaganda eleitoral, o controle é totalmente das campanhas, exceto pelos limites legais. Já os debates eleitorais são espaços de negociação entre os interesses em disputa, onde o equilíbrio de forças entre jornalismo e campanha varia consideravelmente de acordo com o país, a época e a emissora.

Quando o jornalismo se impõe —com maior controle sobre os temas, regras rígidas de comportamento e sistemas de checagem em tempo real— as campanhas reclamam que os debates são "engessados". Por outro lado, quando as campanhas conseguem impor maior liberdade e flexibilidade, é a vez de os jornalistas e a opinião pública reclamarem que os candidatos desvirtuaram os debates, usaram deliberadamente o espaço para performances e mentiras, "baixaram o nível" e não informaram o eleitor.

Embora a era da televisão tenha ficado para trás, a era digital não facilitou as coisas.

Primeiro, porque a maioria das pessoas não depende mais dos debates para conhecer os candidatos. Está tudo online, em vídeos, entrevistas, reportagens de jornais e posts. E tudo o que está online pode ser movimentado digitalmente para fins de propaganda. Quando as pessoas se expõem ao debate, já têm uma opinião formada sobre as candidaturas que lhes interessam para aderir ou odiar.

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Segundo, porque é também uma era de extrema politização, sinônimo de radicalização e polarização. As pessoas sempre têm lado, sobre qualquer questão, decidido por antagonismo ao "outro lado". Quem assiste a um debate eleitoral não chega aberto a formar uma opinião nova ou a mudar de preferência a partir do que vai ver, como crê a mitologia democrática; veio para confirmar que o outro lado realmente não presta e para ver seu candidato dar uma surra nele.

Um homem submerso até a cintura nas águas de um esgoto desenhado em bico de pena preto e branco. Ele veste terno e camisa com o colarinho desabotoado. No lugar da cabeça e pescoço, há o cotovelo de um largo cano de esgoto. Dali, jorram detritos, podres, pintados em amarelo esverdeado, dá para ver a língua do homem, que parece vomitar todo o que tem dentro. No fundo, desfocado, um muro de contenção de um piscinão.
Ariel Severino/Folhapress

O último debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, promovido pela Gazeta e pelo MyNews, ilustra bem essa realidade. Embora o jornalismo tenha se esforçado para estruturar a interação entre os candidatos e impor uma pauta de questões substantivas, os jornais do dia seguinte destacaram que o debate havia se transformado em uma "luta na lama" sem precedentes, porque os blocos em que os políticos interagiram foi um vergonhoso ringue de insultos, palavrões, provocações e trocas de acusações.

Marçal tem absoluta autoconsciência desse perfil de assistência aos debates. Disse-o com toda clareza: "Eu gosto de baixaria, eu gosto do que vocês estão fazendo aqui". Para ele é claro que "aqui não é um jogo de quem tem as melhores propostas", mas para ver quem mais aguenta porrada. "Isto aqui é só teatro".

Foi de fato nesse modelo que o debate transcorreu. De uma parte, a mediadora, os jornalistas escalados para perguntar e, justiça seja feita, Tabata Amaral, que não quis jogar o jogo, tentando crer que do outro lado da tela tinha um eleitor que precisava ver um debate de ideias, propostas e personalidades para tomar uma decisão eleitoral.

Na outra frente, Marçal estava ali para gerar os tais cortes —das frases de efeito, dos apelidos ofensivos, das suas mímicas e da fúria provocada nos outros candidatos— para a campanha de verdade, a digital, pois entendeu que o público já escolheu um lado e ele precisa apenas reforçar as deixas que as pessoas usam para aderir ou odiar.

Juntaram-se a ele Nunes, Datena e Boulos, que praticamente reduziram o debate a uma sucessão de acusações recíprocas, palavrões e apelidos depreciativos.

Se você acreditar no que esses debatedores disseram uns dos outros, decerto se terá convencido de que praticamente apenas bandidos se candidataram neste ano. Suas opções são um "ladrãozinho de creche", "um invasor sem-vergonha", "um golpista do Pix e ladrão de velhinhas" e um "gagá comedor de açúcar".

Enquanto isso, Tabata e quem ainda estava lúcido nessa cidade naquela noite imploravam em desespero pelo que Denise Toledo, a mediadora, verbalizou quase como súplica: "Por favor, respeitem um ao outro".

Tarde demais. Marçalizaram o debate eleitoral.


A diáspora científica brasileira: enfrentando o êxodo de talentos, FSP

 O debate sobre a diáspora científica, fenômeno em que profissionais altamente qualificados deixam o país em busca de melhores condições de pesquisa e de trabalho, tem se intensificado no Brasil nos últimos anos. Esse movimento, cujo agravamento se dá em contextos como a ditadura militar e os recentes governos anticiência, reflete características conjunturais, mas também expõe uma série de desafios estruturais que o Brasil enfrenta em sua política de Ciência, Tecnologia e Inovação.

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SoU_Ciência - Meyrele Nascimento

Entre as razões mais comuns para a dispersão de cientistas, destacam-se a escassez de recursos para pesquisa, a falta de oportunidades de carreira de longo prazo no Brasil e a busca por ambientes acadêmicos mais favoráveis. O cenário de subinvestimento em ciência e tecnologia, que se agravou a partir de 2016 com sucessivos cortes orçamentários, é um dos grandes responsáveis por esse quadro, assim como a necessidade de ampla e rápida recuperação da infraestrutura de pesquisa. A precarização das universidades públicas e o congelamento do valor e do número de bolsas de pós-graduação e pós-doutorado criaram um ambiente menos favorável para o desenvolvimento científico no país desde então, conforme aponta o Painel Financiamento da C&T e das Universidades Federais do Centro de Estudos SoU_Ciência.

Um levantamento inédito coordenado pelo GEOPI/Unicamp mostra que mais de 70% dos cientistas brasileiros que se encontram no exterior não têm previsão de retorno ao país. A maioria desses profissionais saiu do Brasil após 2019, motivados por ofertas de trabalho mais atrativas e melhores condições de financiamento em suas áreas de pesquisa. Esses dados sugerem que, para muitos, o retorno ao Brasil não é uma opção viável, o que desafia a eficácia de programas de repatriação.

O Programa Conhecimento Brasil, uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos do Governo Federal (Finep), é uma das tentativas de repatriar cientistas e reverter o êxodo de acadêmicos. Com um orçamento de 800 milhões de reais, o programa promete bolsas e recursos para atrair de volta esses pesquisadores.

No entanto, a recepção na comunidade científica é mista, como apontado durante a sessão "Diáspora científica: caminhos para a repatriação e retenção de cérebros", organizada pelo Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), coordenada por Renato Cordeiro, tendo como palestrantes a coordenadora geral do SoU_Ciência Soraya Smaili, o professor emérito Luiz Davidovich (UFRJ/ABC) e a professora Mercedes Bustamante (UnB), e como debatedores Aldo Zarbin (UFPR), Ana Gazzola (UFMG), Herton Escobar, repórter do Jornal da USP, Luiz Carlos Dias (Unicamp), Marcus Oliveira (UFRJ), Maria Angélica Minhoto (SoU_Ciência/Unifesp), Samuel Goldenberg (Fiocruz). A proposta pode ser atrativa para jovens pesquisadores em início de carreira, mas dificilmente conseguirá trazer de volta aqueles já estabelecidos em outra nação. As bolsas oferecidas, embora superiores às disponíveis no Brasil, ainda são insuficientes para competir com os salários e as condições de trabalho de países desenvolvidos.

Outra vertente levantada no debate, igualmente preocupante sobre essa situação, revela que a partida de talentos já inicia durante a graduação e que há um aumento significativo na privatização da educação brasileira. Dados do Painel Expansão do Ensino Superior Privado no Brasil, do SoU_Ciência, mostram um crescimento de matrículas em faculdades, centros universitários e universidades privadas — muitas dessas instituições pertencentes a grandes grupos internacionais — ocasionando uma estagnação ou queda no número de matrículas em públicas. Como mais de 81% das pesquisas são realizadas nas instituições públicas, essa diminuição afeta diretamente nossa produção científica.

A repatriação ou a simples internacionalização não devem ser vistas como as únicas soluções. Em vez disso, devemos considerar estratégias como a "circulação de cérebros", uma abordagem mais moderna e dinâmica que reconheça a mobilidade dos cientistas como parte integral do sistema científico global. A construção de redes de cooperação e parcerias internacionais pode permitir que esses cientistas continuem a contribuir para a ciência brasileira, mesmo estando fisicamente em outro país.

A saída de cientistas talentosos ocasiona, sem dúvida, uma perda significativa de capital humano e intelectual, o que compromete a capacidade do país de inovar, desenvolver novas tecnologias e resolver problemas complexos em áreas estratégicas como saúde, energia, meio ambiente e educação. Além disso, a "fuga de cérebros" prejudica a formação de novas gerações de cientistas, já que a diminuição de mentores experientes nas universidades brasileiras pode impactar também a qualidade do ensino e da pesquisa.

Diante desse cenário, é urgente que o Brasil adote uma estratégia robusta de mitigação do problema. Esse planejamento deve incluir a recuperação dos investimentos em ciência e tecnologia e a criação de mecanismos e políticas públicas para valorizar e reter talentos no país, assim como para valorizar as instituições de ensino superior e aqueles que a compõem, com políticas de permanência estudantil e reajustes salariais de docentes e técnicos administrativos.

Fica evidente, portanto, que a diáspora na ciência brasileira não é um fenômeno isolado, mas um sintoma de problemas mais amplos na forma como o país valoriza e investe em ciência. Reverter essa tendência exige uma mudança de paradigma, em que as universidades (estaduais como a USP e Unicamp ou Federais como a Unifesp, UFMG e UFRJ) e institutos de pesquisas (como Burantan, Embrapa e Fiocruz) públicos sejam consolidados como os centros de excelência em pesquisa que são e que a ciência seja vista como um pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional. Somente com uma política sólida e de longo prazo, que priorize a formação de qualidade desde a educação básica até o nível superior e que ofereça condições de retenção de cientistas, o Brasil poderá reverter essa "fuga de cérebros" e garantir um futuro mais próspero e inovador para as próximas gerações.

Soraya Smaili , Maria Angélica Minhoto , Pedro Arantes , Tamires Tavares e Renato Sergio Balão Cordeiro

Crise climática faz gestão Tarcísio acelerar ações contra desabastecimento de água, FSP

 

São Paulo

As mudanças climáticas preocupam a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) pelos riscos que trazem ao abastecimento de água em São Paulo, e o governo estadual intensificou ações de "curtíssimo prazo" para mitigar os efeitos do tempo seco nos reservatórios. É o que diz a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, sobre as providências do governo para prevenir a falta d'água.

O assunto ganhou importância devido à onda de incêndios que atingiu o interior paulista há pouco mais de dez dias, à falta de água em municípios, à queda do nível de reservatórios, e à previsão de que o tempo seco deve perdurar nas próximas semanas.

Resende classifica a atual estiagem no estado como um evento de emergência "fora da normalidade", mesmo que o nível dos reservatórios que abastecem a região metropolitana esteja dentro do esperado, em sua avaliação.

A imagem mostra uma área de praia com um homem sentado de costas, observando o cenário. À sua frente, há um sinal de advertência que diz 'PERIGO'. No fundo, é possível ver um lago e algumas pessoas, incluindo uma que está andando de bicicleta na areia. A vegetação ao redor é escassa e o céu está claro.
Estiagem: Baixo nível de água na represa de Guarapiranga aumenta faixa de areia em local conhecido por praia do Lola, no Jardim Santa Helena, na zona sul de SP - Eduardo Knapp/Folhapress

Seis dos sete sistemas de água que abastecem a região metropolitana de São Paulo estão mais secos hoje do que há um ano, e o conjunto está 20% mais baixo. A situação é mais grave no interior, especialmente nas regiões de Bauru e na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (o PCJ), onde algumas cidades fazem racionamento.

"É por isso que a gente está atuando no curtíssimo prazo, por isso que estamos fazendo desassoreamento [e perfuração de poços]", disse a secretária estadual à Folha. Ela relacionou as mudanças climáticas diretamente às ações de segurança hídrica de médio e longo prazo planejadas pela pasta. "De fato, a gente está num evento que a gente pode considerar fora da normalidade", ela afirmou sobre a atual estiagem.

Resende não descartou o risco de uma estiagem ainda mais grave em 2025, e diz que o governo trabalha em mais de uma frente para mitigar os efeitos no abastecimento de água caso isso se concretize.

"É por isso que a gente está atuando no curtíssimo prazo, por isso que a gente está fazendo desassoreamento em Bauru, no rio Batalha", afirmou. "A gente já fez esse desassoreamento em mais de 225 cursos d'água. Isso é importante tanto na seca quanto na enchente. Na seca, porque ele ajuda a questão de captação, ele ajuda o fluxo d'água. Na enchente, porque ele ajuda a mitigar [a inundação] também quando chove."

Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo de São Paulo
Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo de São Paulo - Rogério Cassimiro/ Governo do Es/Rogério Cassimiro-18.ago.2023/Governo do Estado do SP

As obras mais importantes na região do PCJ, porém, só serão entregues daqui a 22 meses, na melhor das hipóteses. São dois reservatórios de água, um na cidade de Pedreira e outro entre os municípios de Duas Pontes e Amparo. As obras já estavam previstas há dez anos, quando o governo estadual acelerou ações de combate à estiagem em meio à crise hídrica de 2014.

"A gente pegou um contrato que tinha muitos problemas, estava paralisado praticamente, e aí você tem que seguir todo o processo que está previsto em lei para conseguir fazer a rescisão desses contratos", disse Resende. "Tem que rescindir, tem que multar, tem que sancionar a empresa, isso a gente fez."

Há duas semanas, quem alertou para a possibilidade de secas mais graves em 2025 e 2026 foi o professor Antônio Carlos Zuffo, do departamento de Recursos Hídricos da Unicamp. Ele diz que há expectativa de atrasos na volta do período chuvoso deste ano e, consequentemente, o risco de que as chuvas não sejam suficientes para que os reservatórios não acumulem água suficiente para atravessar o período seco do ano que vem em níveis satisfatórios.

'Conjunção de fatores' explica incêndios, diz secretária

Sobre os incêndios que ocorreram há cerca de duas semanas, especialmente na região de Ribeirão Preto, Resende destacou que houve uma "conjunção de fatores" que contribuiu para que eles alcançassem proporções tão grandes —moradores de um condomínio tiveram de deixar suas casas e nuvens de fumaça fizeram o dia escurecer mais rápido.

Ela ressaltou que as condições de temperatura, umidade relativa do ar e força dos ventos favoreceu a expansão das chamas, além da ocorrência de incêndios criminosos. Na semana passada, Tarcísio afirmou que, até o momento, não há indícios de ação coordenada entre criminosos que foram presos em cidades diferentes por incendiar áreas rurais.

A secretária afirmou que o governo estadual intensificou ações de prevenção contra queimadas, especialmente em unidades de conservação florestal e em beiras de estrada. As principais ações são a abertura de aceiros —espaços livres abertos no entorno da mata e na beira de estradas para barrar o espalhamento do fogo—, contratação de brigadistas e compra de equipamentos de combate a incêndio.

Segundo Resende, R$ 8,9 milhões foram investidos em ações de prevenção nas unidades de conservação e quase R$ 65 milhões para as estradas administradas pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagem).