quarta-feira, 24 de julho de 2024

ANA CLARA DE CARVALHO POLKOWSKI - A reforma tributária e a desoneração dos contraceptivos, FSP

 A reforma tributária em discussão no Congresso Nacional traz à tona um tema de grande importância para a saúde pública e o bem-estar social do Brasil: a necessidade de reduzir drasticamente a tributação sobre todos os métodos contraceptivos. Embora a Constituição Federal de 1988 garanta o direito ao planejamento familiar, o que se verifica na prática é que o acesso a métodos contraceptivos de maneira ampla e regular se tornou um privilégio da parte da população brasileira que pode contar com planos de saúde ou pagar por eles.

As consequências do acesso desigual aos meios de contracepção e à informação são conhecidas: elevado número de gestações não intencionais e indesejadas, alta incidência de gravidez na adolescência, preocupantes taxas de mortalidade materna e infantil, números elevadíssimos de crianças registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento e altos índices de adolescentes que abandonam os estudos devido à gravidez precoce.

Segundo o Relatório "Vendo o Invisível: Em Defesa da Ação na Negligenciada Crise da Gravidez Não Intencional", publicado em 2022 pelo UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), estima-se que 50% de todas as gestações no mundo sejam não intencionais, e aproximadamente 60% dessas gestações terminam em abortos. A taxa de gravidez não intencional é particularmente elevada em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde o acesso a métodos contraceptivos é restrito. Essa situação reflete as prioridades da sociedade brasileira, que não tem se comprometido a fornecer informações e serviços reprodutivos para todos.

Mulher de blusa azul
Ana Clara de Carvalho Polkowski, advogada e cofundadora do IPFAM - Divulgação

O momento para mudar essa rota é agora. No Brasil, quase 70% das jovens que engravidam a cada ano deixam os estudos, gerando um impacto negativo profundo e duradouro tanto para elas quanto para a sociedade. Este impacto já está quantificado: segundo dados também do UNFPA, o Brasil elevaria sua produtividade em mais de US$ 3,5 bilhões se essa gravidez ocorresse depois dos 20 anos.

Há esperança, pois o tema não está sendo negligenciado no debate atual sobre a reforma tributária. Recentemente, a bancada feminina da Câmara dos Deputados apresentou um conjunto de emendas propondo a redução da alíquota de alguns métodos contraceptivos. O preservativo e o DIU de cobre foram incluídos no rol de dispositivos submetidos à redução das alíquotas do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).

No entanto, mesmo diante do elogiável posicionamento da bancada feminina da Câmara, sobretudo ao reconhecer, por meio de sua coordenadora-geral, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que o acesso a métodos contraceptivos "é elemento fundamental para a prevenção da gravidez precoce e para a efetividade do planejamento familiar, ao lado do respeito à autonomia e à dignidade sexual e reprodutiva das mulheres", a redução da alíquota apenas para o preservativo e o DIU de cobre não trará um impacto significativo para as mulheres e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica no Brasil, já que estes métodos estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde).

Reduzir a tributação de itens pelos quais já não seria necessário pagar e deixar de fora métodos altamente eficazes —como os de longa duração, conhecidos como LARCs—, não muda a realidade do país. Se o modelo em debate prosperar, os métodos contraceptivos continuarão acessíveis de forma regular e ampla apenas para uma pequena parcela da população.

É urgente ampliar o rol dos métodos contraceptivos beneficiados pela tributação reduzida para abarcar todo e qualquer método contraceptivo autorizado no país ou, pelo menos, para incluir todos aqueles de longa duração.

A redução de impostos para métodos contraceptivos não é apenas uma questão de justiça social, mas também de alinhamento com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente no âmbito da Agenda 2030 da ONU.

Assim, para fazer valer o princípio "Não deixar ninguém para trás" expresso no Relatório Nacional Voluntário apresentado pelo Brasil à ONU, no último dia 17 de julho, com o propósito de guiar a atuação brasileira no alcance dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), é essencial demonstrar compromisso efetivo com a pauta do acesso amplo e regular à contracepção. O ODS 3.7 estabelece como meta "Até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais".

Agora é o momento para promover uma análise mais abrangente dos custos e benefícios associados à redução da tributação para métodos contraceptivos, considerando os impactos no longo prazo, como uma diminuição significativa dos custos relacionados à saúde pública e à assistência social. Investir na prevenção é, em última análise, mais econômico do que arcar com as repercussões sociais, pessoais e econômicas.

Não é demais pontuar que o planejamento familiar é um direito humano e deve ser garantido a todas as pessoas e não apenas àquelas que podem arcar com métodos contraceptivos independentemente de seu custo. É crucial que o Poder Legislativo aproveite o momento atual para garantir uma redução drástica dos impostos sobre os métodos contraceptivos. Essa medida promove a saúde, a educação, o desenvolvimento sustentável e assegura um futuro mais justo e próspero.

'Ambição desmedida causou a ruína da Americanas', diz CEO da BR Partners, FSP

 Daniele Madureira

SÃO PAULO

Em fevereiro de 2023, quando todos ainda tentavam entender o que havia acontecido com a Americanas, até então uma das maiores varejistas do país, que veio a público apontar "inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões", o banqueiro Ricardo Lacerda deu nome aos bois. Em entrevista à Folha, disse que se tratava de uma "fraude colossal perpetrada por uma quadrilha".

"A Polícia Federal chegou à mesma conclusão. Modéstia à parte, eu estava certo", disse à reportagem o CEO do banco BR Partners, que atua no mercado de capitais, fusões e aquisições, restauração de dívida, produtos de tesouraria e gestão de fortunas.

Do 28º andar do seu escritório na avenida Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, Lacerda elogia o governo de Luiz Inácio Lula da Silva por ter "baixado a temperatura" do país e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela defesa do equilíbrio fiscal. Mas é justamente o cenário fiscal que o incomoda.

"Ninguém questiona que as pessoas ricas têm que pagar mais impostos. Mas é fundamental cortar gastos", afirma, para quem o tamanho do Estado "está engolindo o Brasil."

Um homem está em pé, apoiado em uma mesa de madeira em um escritório moderno, com grandes janelas que oferecem uma vista da cidade. Ele está vestindo um terno escuro e sorrindo. Ao fundo, há garrafas de água e outros itens sobre a mesa. A iluminação é suave e o ambiente parece bem iluminado pela luz natural.
Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco de investimentos BR Partners, no seu escritório na avenida Faria Lima, em São Paulo. - Eduardo Knapp/Folhapress

"Na grande maioria das questões, o governo tem acertado. Em especial na política institucional, em trazer mais estabilidade ao país. Todas as instituições estão funcionando –o Congresso, o Supremo, o Ministério Público, o que é muito positivo, o Brasil precisava baixar a temperatura, diminuir a polarização", diz.

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Lacerda também acredita que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe têm feito um "excelente trabalho". Mas chama a atenção para o fato de o presidente insistir em "atacar a política monetária" e resistir em incluir corte de gastos no plano do equilíbrio fiscal. "Não existe equilíbrio fiscal sem controle de gastos. E ninguém está falando de reduzir o Bolsa Família ou de reduzir ajuda às pessoas que precisam. Estamos falando de reduzir gastos com o tamanho do Estado, com desperdícios", disse.

Na conta dos desperdícios, ele inclui os reajustes do funcionalismo público. "Óbvio, tem muito funcionário público que merece reajuste, mas no fundo você tem um Estado empresário, com muitos gastos além do que deveria, e sem um plano de cortes", afirma. Na sua opinião, é o que falta para Lula "acertar completamente e ganhar a confiança dos mercados."

"É algo básico. Tem que priorizar educação, saúde e segurança pública –e o resto tem que cortar. O Estado está engolindo o Brasil. O presidente deveria usar sua habilidade política para tentar costurar um pacto que melhore nossa estrutura tributária e a torne mais justa e eficiente", diz.

'A GENTE PAGA IMPOSTO E NÃO CHEGA A LUGAR NENHUM'

Uma das áreas de atuação do BR Partners é a gestão de grandes fortunas –a taxação dos super-ricos é uma das bandeiras de Haddad. "Ninguém questiona que, no Brasil, as pessoas ricas têm que pagar mais impostos –sobre fortunas, sobre alguns fundos, sobre dividendos", diz Lacerda. "Mas se você tentar resolver tudo apenas aumentando impostos, vai matar a economia, vai matar as empresas e os empreendedores que estão gerando riqueza para o país."

Segundo ele, a questão central é redistribuir a carga tributária e cortar gastos. "Quando o presidente vai à TV dizer que rico não paga imposto e existe um contingente da população muito pobre, esse contingente muito pobre não existe porque os ricos tiraram [dinheiro] deles, é porque os pobres não tiveram oportunidade. Não tiveram educação ou um trabalho onde pudessem ser reconhecidos", disse.

O banqueiro se afirma incomodado com a ineficiência da máquina pública. "A gente paga tanto imposto no Brasil e não chega a lugar nenhum. Se você ganha R$ 5.000 por mês, paga 27,5% de Imposto de Renda. Se você ganha R$ 1 milhão, também paga 27,5%. Não faz nenhum sentido", afirma.

Lacerda também dá como exemplo de distorção tributária o imposto sobre herança no Brasil, que chega no máximo a 8%, enquanto nos Estados Unidos pode atingir 40%. De um lado, diz, é preciso corrigir isso, de outro, é mandatório que o governo reduza gastos.

"O que não dá é cobrar imposto de dividendo e não reduzir a alíquota do imposto corporativo, porque aí você mata quem gera riquezas. O Brasil só está aonde está porque tem muito empreendedor e muita empresa boa."

'EMPRESAS PERDERAM O TABU DE RENEGOCIAR DÍVIDAS'

O país tem visto, porém, uma série de pedidos de recuperação judicial, que se intensificaram desde o ano passado. "O número recorde de recuperações judiciais é em função desse cenário de juros muito altos, nem todas as empresas se beneficiam de maneira igual do crescimento econômico", diz.

Segundo Lacerda, empresas "mais alavancadas" (que tomaram dívidas) têm mais dificuldades. "Boa parte das alavancagens foram na pandemia, quando os juros estavam baixos. Isso se reverteu bem rapidamente. Algumas empresas também haviam feito aquisições a preços muito altos entre 2020 e 2021 e ainda carregam esse fardo".

O BR Partners, que trabalha da reestruturação de dívidas, atendeu a Light e a Marisa no ano passado. "Hoje não existe mais tabu envolvendo o assunto", afirma. "Nosso papel é fazer a modelagem financeira que torna a empresa viável, com o alongamento [das dívidas] e capitalização, e apresentarmos o plano a credores e acionistas."

Questionado se o varejo não parece mais frágil que os demais setores –por ter observado mais pedidos de recuperação judicial e extrajudicial–, Lacerda afirma que o setor tem uma fragilidade estrutural. "Ele compete com o varejo digital, que não tem os mesmos custos com impostos, funcionários, estrutura física etc. Além disso, o varejo é dependente de capital de giro, o que significa que a alta taxa de juros bate muito forte no setor", afirma. Segundo o banqueiro, "é uma indústria em transformação, mas o Brasil tem varejistas de excelência."


Simone Tebet afirma que gastos sociais não são problema no orçamento, Agência Brasil

 Os programas sociais não são um problema para o orçamento brasileiro. A declaração é da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. A fala surge em meio à decisão do governo de bloquear R$ 15 bilhões do orçamento deste ano. Tebet falou sobre o tema, nessa terça-feira (23/07), após participar de uma Reunião Ministerial de Desenvolvimento do G20, no Rio de Janeiro.

“O problema dos gastos no Brasil não é o pobre no orçamento. São os privilégios dos ricos que precisam ser checados ponto a ponto nos gastos tributários. Aquilo que efetivamente, ao se renunciar em forma de receita, vem da mesma forma em políticas que atendam o interesse coletivo. Dou o exemplo: o crescimento dos gastos tributários no Brasil cresceram infinitamente mais do que os gastos com as políticas sociais. Isso neste governo e nos governos passados.”

Simone Tebet afirmou que é preciso fazer uma revisão dos gastos tributários, que chegam a mais de 5% do PIB, o Produto Interno Bruto. E também das renúncias fiscais, que estão na casa dos R$ 615 bilhões. A ministra defendeu maior eficiência na aplicação dos recursos em políticas públicas. Para bancar o Bolsa Família, por exemplo, o governo gasta R$ 160 bilhões.

“Então, quando a gente coloca nesse parâmetro, o problema do orçamento brasileiro não está no Bolsa Família, nos programas sociais bem aplicados. Está sim, sobre essa ótica de políticas públicas, que vai do INSS, passando pelo BPC, passando pelo seguro-defeso, passando pelo Pró-agro, do agronegócio, está efetivamente em se avaliar se há erros, se há fraude, se há irregularidade, porque a gente teve uma pandemia que bagunçou um pouco as políticas públicas.”

Na terça-feira que vem, dia 30, o governo deve detalhar como será feito esse corte de R$ 15 bilhões no orçamento. Além disso, a ministra Simone Tebet contou que, em breve, devem ser apresentadas as revisões dos gastos para alcançar a meta de deficit zero neste ano. E, ainda, o detalhamento do corte de quase R$ 26 bilhões no projeto do orçamento do ano que vem.