quinta-feira, 2 de maio de 2024

STF tira da Justiça do Trabalho 21% dos casos de terceirização e uberização, FSP

 

Arthur Guimarães
SÃO PAULO

STF (Supremo Tribunal Federal) retirou da Justiça do Trabalho e mandou para a Justiça Comum 21% dos casos sobre terceirização e uberização, de acordo com estudo feito por juízes e pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo).

A análise foi consolidada pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e pelo núcleo de pesquisa O Trabalho Além do Direito do Trabalho, vinculado à Faculdade de Direito da USP.

O relatório, antecipado à Folha, será lançado nesta quinta-feira (2) no Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho em Foz do Iguaçu (PR).

Em outubro, no primeiro relatório, os autores apontaram um movimento no STF de julgar a validade de decisões trabalhistas via reclamação constitucional —um instrumento criado para garantir respeito a precedentes da corte. Agora eles buscaram avançar com uma análise qualitativa e quantitativa.

À direita da imagem, um entregador de costas pedala na ciclovia na avenida Paulista, em São Paulo. Ele usa uma bermuda jeans, um casaco cinza e um boné vermelho. Nas costas, carrega uma mochila de entrega vermelha
Entregador usa ciclovia na avenida Paulista, em São Paulo, no fim de tarde - Eduardo Knapp - 3.out.23/Folhapress

Segundo o levantamento, na remissão das reclamações à Justiça Comum estão incluídos casos de terceirização, pejotização e uberização. Estão excluídas as situações nas quais o STF apenas invalidou as decisões trabalhistas ou determinou a realização de um novo julgamento.

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Os pesquisadores da USP e os magistrados do trabalho analisaram 1.039 decisões do STF, colegiadas ou monocráticas, no intervalo de 1º de julho de 2023 a 16 de fevereiro de 2024.

O tema suscita embates no meio jurídico.

Há juízes e advogados que afirmam que é da Justiça do Trabalho a competência sobre o tema e defendem o reconhecimento de vínculo de emprego, enquanto o STF reafirma, em decisões em série, que existem outras formas de relações de trabalho além das firmadas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

O Supremo já decidiu sobre a validade da terceirização ou de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas, mas a presidente da Anamatra, Luciana Conforti, afirmou que os ministros ampliaram esse entendimento. Para ela, o precedente não aborda pejotização e uberização, por exemplo.

"Há um desencontro da jurisprudência, mas pretendemos, com essas pesquisas e esses resultados, trabalhar nesse convencimento e superar o problema, porque isso afeta toda a sociedade. Não é bom para ninguém", afirma a juíza.

Há magistrados do trabalho que têm reconhecido fraude à legislação e declarado haver vínculo de emprego entre as partes, mesmo que o contrato diga o oposto. Isso ocorreu em casos de advogados contratados como PJ, representantes comerciais e trabalhadores sob demanda.

Do outro lado, o Supremo tem considerado que a Justiça Trabalhista não está observando o que a corte decidiu sobre a terceirização e as formas alternativas de contratação e, por isso, tem cassado as decisões.

Na reclamação constitucional, é preciso que a decisão questionada e o precedente do STF supostamente desrespeitado tenham relação direta. Para os pesquisadores e juízes do trabalho, isso não ocorreu em 66% dos casos.

O levantamento também indicou que houve reanálise de fatos e provas —o que não é possível em uma reclamação— em 52% dos casos. Para isso, os autores consideraram a utilização desses elementos na parte da fundamentação das decisões do STF, não quando as informações aparecem em citações.

Conforti afirma haver uma preocupação com a tendência do STF.

"Sabemos que as relações de trabalho plataformizadas podem ser várias. Não é só Uber, não é só iFood. Temos hoje vários tipos de trabalho por plataformas. Como a competência constitucional da Justiça do Trabalho é para relações de trabalho, não só vínculos de emprego, isso esvaziaria a competência da Justiça do Trabalho de modo muito profundo e preocupante", diz a juíza.

A posição dos autores, porém, não é unânime.

Ministro e ex-presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Ives Gandra Martins Filho diz que temas como uberização e pejotização estão na classe de modalidades contratuais que receberam o aval do STF. Ele critica a redução da competência da Justiça especializada, no entanto.

"É voltar para antes da Constituição de 1988. No meu modo de ver, a Constituição garante a competência da Justiça do Trabalho para essas questões, até do Uber, mas não sob o prisma da relação de emprego, e sim como um trabalho humano que deve ser protegido por legislação especial", afirmou o ministro.

Nelson Mannrich, professor titular da USP, disse que o mundo do trabalho mudou, mas a Justiça do Trabalho não admite.

"Querem ser rebeldes, colocar todo mundo dentro da CLT", disse o professor. Segundo ele, há uma imagem de que "a empresa tem de ser quebrada, porque explora, tira o sangue do trabalhador".

"Nós temos hierarquia nos tribunais. Se o Supremo tem uma posição a respeito de certo tema, essa posição tem de ser levada em conta pelos tribunais inferiores", afirmou Mannrich.

Como cientistas querem transformar o pão branco em alimento mais saudável, FSP BBC News

 Pallab Ghosh

BBC NEWS BRASIL

Cientistas estão tentando criar um novo tipo de pão que seja tão saudável quanto o integral, mas que tenha a aparência e o sabor do pão branco.

Destinado aos amantes do pão branco, o projeto está sendo financiado pelo governo do Reino Unido para aumentar os benefícios para a saúde do alimento no país.

O sonho de Chris Holister é fabricar um pão de forma branco mais nutritivo - BBC/Kevin Church

Os pesquisadores planejam adicionar pequenas quantidades de ervilhas, grãos e cereais à massa do pão, além de farelo e gérmen de trigo, que são normalmente retirados da farinha branca.

Os fabricantes de pão já tentaram tornar o pão branco mais saudável no passado, adicionando farelo de trigo à farinha, mas os consumidores não gostaram do sabor nem da textura.

Desenho da estrutura do pão integral
O pão integral é feito com farinha moída a partir do grão de trigo inteiro, enquanto o pão branco é fabricado usando apenas o endosperma do grão - Whole Grains Council/BBC

O projeto de pesquisa ainda está em fase inicial de desenvolvimento.

Catherine Howarth, da Universidade de Aberystwyth, no Reino Unido, é uma das líderes do projeto. Ela contou que os cientistas haviam começado a analisar a composição química detalhada da farinha branca existente.

Segundo ela, aumentar os valores nutricionais até o nível do pão integral e, ao mesmo tempo, manter o sabor e a sensação do pão branco, é um exercício delicado de equilíbrio.

Isso envolveu acrescentar quantidades menores de gérmen de trigo, e parte do farelo que é retirado no processo de moagem, além de adicionar outros grãos mais ricos em vitaminas, minerais e fibras, como quinoa, teff, sorgo e milheto. Ervilhas e grão de bico forneceriam proteína extra.

"Queremos descobrir exatamente que vitaminas e minerais são perdidos durante o processo de moagem", ela explica.

"Usando outros cereais podemos aumentar os níveis de ferro, zinco e vitaminas e, mais importante ainda, o teor de fibras, porque o pão branco tem muito pouca fibra, que é muito importante para a saúde."

Assim que Howarth chegar a algumas receitas possíveis, Chris Holister, gerente de desenvolvimento de produtos da Shipton Mill, fabricante de farinha de Gloucestershire, vai transformá-las em pão.

"A maioria das pessoas sabe que pão integral é melhor, mas muitas delas são demovidas pelo sabor, ou porque não é o que estão acostumadas e simplesmente não estão interessadas", diz ele sobre o desafio.

A etapa final vai ser testar o novo pão com os consumidores, para ver se eles conseguem diferenciá-lo do pão de forma branco vendido nos supermercados.

Holister me usou como cobaia para provar um protótipo inicial feito a partir de uma mistura de farinha branca normal com adição de alguns grãos e ervilhas.

Era mais crocante do que o pão de forma branco que você compra no supermercado - mas, fora isso, tinha aparência e gosto de pão branco.

Há, no entanto, muito mais trabalho a ser feito.

A expectativa é de que um novo produto possa estar disponível nas prateleiras dos supermercados dentro de aproximadamente dois anos.

Os cientistas estão trabalhando em parceria com fabricantes para produzir farinha experimental, com adição de grãos, cereais e ervilhas - BBC/Kevin Church

A equipe de pesquisa acredita que sua abordagem vai ser bem-sucedida porque eles estão adicionando apenas a camada interna do farelo, que tem um sabor e cor menos fortes. Eles dizem que vão precisar adicionar menos, porque estão usando outros grãos altamente nutritivos, mas com sabor menos forte.

O pão branco precisa ter minerais e vitaminas adicionados por lei para compensar os benefícios perdidos no processo de refino. Mas Amanda Lloyd, que está trabalhando com as fabricantes Howarth e Holister, acredita que o uso de ingredientes naturais tornaria o pão de forma branco ainda mais saudável.

"Se a qualidade nutricional do pão básico padrão for melhorada, então a qualidade de vida das pessoas, sua saúde e bem-estar vão melhorar", observa Lloyd.

Tim Lang, professor de política alimentar na City University, em Londres, que não faz parte da equipe de pesquisa, afirma que este trabalho pode ser um passo importante para melhorar a saúde das pessoas.

"Os britânicos têm um caso de amor com o pão branco há mais de um século, e os nutricionistas têm tentado que mais gente coma o integral", diz ele.

"A nova pesquisa parece ser uma abordagem muito interessante para fazer isso."

"Os críticos diriam que isso é enganar as pessoas para que melhorem sua alimentação, mas os nutricionistas diriam que não importa como isso é feito - o que importa é que as pessoas o coloquem para dentro para melhorar sua saúde!"

"Mas ainda não se sabe se esta nova abordagem vai funcionar", acrescenta.

De acordo com a Associação Britânica de Nutricionistas (BDA, na sigla em inglês), o risco de doenças cardíacasAVC (acidente vascular cerebral) e diabetes tipo 2 pode ser até 30% menor em pessoas que consomem regularmente grãos integrais - e o risco de câncer de intestino também pode ser reduzido.

Ainda segundo a BDA, pesquisas mostram que 95% dos adultos não comem grãos integrais suficientes — e quase um em cada três não consome nenhum.

Nem sempre foi assim, segundo Chris Holister.

"Antes o pão branco era para a classe alta, porque era um produto refinado, e muito mais caro que o pão integral. Então isso levou todo mundo a querer pão branco, porque aparentava um certo status", explica.

"Depois, algumas pessoas mudaram novamente, fazendo o caminho inverso, quando as pesquisas mostraram que (o pão integral) é mais nutritivo."

Mas Chris não acredita que este círculo vai se fechar, porque muita gente está acostumada a comer pão de forma branco.

"O pão branco é muito mais barato que o integral porque as empresas estão equipadas para produzi-lo. E é também o que a maioria das pessoas está acostumada.

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Não se pode limitar o desmedido, Sergio Rodrigues -FSP (definitivo)

 1º.mai.2024 às 16h37

Se a face do "bolsonarismo moderado" é Tarcísio de Freitas, então ela é cheia de buracos. Não poderia deixar de ser, se pensarmos bem, pois há uma evidente incompatibilidade entre as duas palavras, substantivo e adjetivo.

O sentido geral do latim "modus", ancestral da moderação, é o de medida. É daí que vêm palavras como "incômodo", o que está fora da medida, o que não cabe direito, e (depois de uma tabelinha com o italiano) "modelo", que tem as medidas que se quer copiar.

Por meio do francês, o velho "modus" deu também em "moda", estilo, maneira de fazer. Com escala no espanhol, chegaram-nos ainda "molde" e "moldura", que mantêm relações óbvias com a ideia original de medida.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fala ao microfone tendo uma bandeira de São Paulo ao lado
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, no Palácio dos Bandeirantes durante cerimônia de formatura de cursos de doutorado e pós-graduação voltados para segurança pública; ele tenta se vender como herdeiro 'moderado' do bolsonarismo - Mônica Andrade - 8.mar.24/Gov. Estado de São Paulo

À luz dessas pistas etimológicas, qual será o incômodo provocado pela atual moda de tratar como moderado —ou seja, comedido, prudente, que mantém tudo na medida justa, sem falta nem excesso— um político que tem como molde e modelo um expoente caricato da extrema direita? Em que moldura sociopolítica isso faria sentido?

O resultado é que a tal face do "bolsonarismo moderado" tem pelo menos tantos buracos quanto os que a PM do secretário de Segurança de São PauloGuilherme Derrite —bolsonarista que dispensa modulações—, fura com autorização superior e sem moderação em pretos e pobres.

Imodesta —isto é, inconformada com todas as suas medidas—, a letalidade da polícia paulista cresceu 138% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano passado. Como se sabe, isso agrada à vasta parcela dos eleitores que confunde barbárie com política de segurança pública.

Denunciado na ONU, o "moderado" Tarcísio disse que não está "nem aí". É que sua moderação, mesmo ilusória, precisa ser ela própria moderada, moderadíssima, sob pena de o desautorizarem como guardião do legado de extremismo, golpismo, populismo, má-fé, exploração do medo e do ódio, truculência, ignorância e mentira —tudo aquilo que caracteriza o bolsonarismo.

Deve-se reconhecer que o ex-presidente hoje inelegível não inventou nenhum desses graves defeitos. No entanto, tomou-os para si e os elevou a uma potência política —ao mesmo tempo que os rebaixava a uma profundidade moral— jamais sonhadas, uma e outra, por estas bandas. Virou grife.

Eis o problema de quem tenta se vender como herdeiro "moderado" de uma desgraça dessas: se maneirar demais, o eleitor ultraconservador lhe dará as costas para procurar alguém menos comedido. O estabelecimento de limites passa a afetar então apenas certos modos, certas maneiras.

Assim, não arremedar moribundos com falta de ar, rindo como uma hiena psicopata, começa a ser tratado como indício de suficiente moderação por órfãos de uma direita democrática que já não tem votos.

Em termos eleitorais, é possível compreender a tentativa. O problema é que não faz o menor sentido tentar encontrar a medida certa do que é desmedido por definição.

Nota triste: não teria havido meu primeiro livro, "O Homem que Matou o Escritor", de 2000, se nos anos 1990 eu não lesse —mais do que isso, estudasse— os livros de Paul Auster, que morreu de câncer aos 77 anos. Ele tinha razão: a ficção literária é "o único lugar do mundo em que dois estranhos podem se encontrar em termos de absoluta intimidade". Thanks, man.