quarta-feira, 1 de maio de 2024

'Falácia do custo irrecuperável' expõe contradições das nossas decisões, MArcelo Viana FSP

 O amigo leitor comprou ingresso para o show da Madonna e estava empolgado. Mas no dia acorda doente e, para piorar, está chovendo muito. Não vai conseguir aproveitar o show e ainda pode piorar a sua saúde. Mas já gastou o dinheiro do ingresso, que não pode ser vendido nem transferido para outra pessoa. O que fazer?

Confrontados com situações como esta, em que houve um gasto prévio (de tempo, dinheiro, esforço etc.), a maior parte de nós opta por não "desperdiçar" o investimento e seguir com o projeto —neste caso, ir ao show—, ainda que isso eventualmente possa acarretar um gasto ainda maior. É tão comum que tem nome: falácia do custo irrecuperável.

O Concorde no museu Aeroscopia, em Toulouse (França) - Ed Jones/AFP

Não é uma atitude racional: no esforço para não desperdiçar o dispêndio feito irrecuperável, a pessoa se sujeita a gastos ainda maiores, que, esses sim, poderiam ser evitados. E não são apenas as pessoas físicas que incorrem nessa falácia.

Na década de 1950, os governos e indústrias do Reino Unido e da França se aliaram para conceber e produzir um avião revolucionário: o supersônico Concorde. O custo foi inicialmente estimado em US$ 130 milhões. Alguns anos depois, esse orçamento já tinha sido estourado em muito e estava claro que havia problemas sérios.

Mas ninguém queria ter que dizer ao público que era um fiasco. Então o projeto foi em frente e o Concorde acabou sendo construído. Custou US$ 2,8 bilhões –mais de 20 vezes a estimativa inicial!–, nunca foi economicamente rentável e acabou sendo aposentado em apenas 30 anos. Mas ninguém precisou reconhecer o fracasso...

Está longe de ser a única circunstância em que tomamos decisões irracionais. O israelense-americano Daniel Kahneman (1934–2024), ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002, já sinalizou que a maioria de nossas decisões conscientes é determinada por emoções e vieses.

PUBLICIDADE

E, em 2017, o Prêmio Nobel da Economia foi para o norte-americano Richard Thaler, pelo desenvolvimento de uma teoria da "contabilidade mental" que aponta que a maioria das nossas decisões —por exemplo, em questões financeiras— é tomada a partir de raciocínios simplistas que visam apenas atender a necessidades imediatas. Não fosse assim, poucas pessoas comprariam a crédito...

Um aspecto curioso da falácia do custo irrecuperável é que parece ser uma característica humana adquirida. Não são conhecidas manifestações dela entre os outros animais, e até as nossas crianças parecem ser melhores do que os adultos em deixar para lá quando não está dando certo.

Elio Gaspari - Os magistrados exageraram, FSP

 Primeiro a boa notícia:

repórter Weslley Galzo revelou que quatro dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal revelam suas agendas. São eles: Cármen LúciaEdson FachinCristiano Zanin e o presidente Luís Roberto Barroso.

Agora, a outra, do repórter Renato Machado:

Depois de três dias da semana passada em Londres, num indecifrável 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, acompanhados pelo procurador-geral Paulo Gonet, deverão chegar a Madri, onde se encontrarão com os colegas Luís Roberto Barroso e Nunes Marques para o Fórum Transformações — Revolução Digital e Democracia. Nos dois eventos estiveram também ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Exageram os doutores. A cada vislumbre de feriadão eles batem asas. Há algo de jeca na ideia de cinquentões e sexagenários, passando 24 horas dentro de aviões e aeroportos, para uma permanência de 72 horas num seminário. (Isso, admitindo que comparecem aos locais de trabalho nos outros dias.)

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do governo Lula (PT) participam de fórum jurídico organizado em Londres, no Reino Unido
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do governo Lula (PT) participam de fórum jurídico organizado em Londres, no Reino Unido - Reprodução/Grupo Voto no Instagram

Esses voos já foram apelidados de "farofas". De uma maneira geral, são organizadas por gestores de eventos, têm agendas irrelevantes e patrocinadores interessados. Às vezes, são remuneradas e, numa delas, chegaram a pedir seguranças ao consulado do Brasil em Nova York.

Todos os ministros dos tribunais de Brasília sabem que floresceu em Pindorama uma indústria de palestras, que aninha também jornalistas. No tempo da Lava Jatoplanos de saúde mimavam procuradores oferecendo-lhes convites para palestras e um deles chegou a pedir eventos em Salvador, num feriadão. Um conhecedor desse mercado revelava, há alguns anos, que o piso de seus convites ficava em R$ 30 mil para um compromisso que ia das 12h30 às 15h, com direito a almoço e transporte.

A revoada dos doutores foi do esquisito ao ridículo. Nove em cada dez desses eventos servem para nada. Ou, como explicou a patronesse da farofa de Londres, para "trabalhar a interlocução entre o setor público e o privado." Em Londres? Madri? Nova York? A turma do setor público mora e trabalha em Brasília.

Todos os convidados garantem que suas viagens não oneram o erário. Cabe-lhes uma variante da lição do economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923), recuperada pelo colega americano Milton Friedman (1912-2006): "Não existe almoço grátis". Muito menos seminários no ultramar.

O ministro Gilmar Mendes não gosta de comparações com a Corte Suprema americana, mas nela, o primeiro caso de renúncia forçada de um juiz foi a de Abe Fortas, em 1969. As encrencas de Fortas começaram quando ele aceitou US$ 15 mil de uma universidade em eventos patrocinados por dinheiro que não se sabia de onde vinha. Anos depois, foi apanhado em interlocuções impróprias. Fortas era o advogado pessoal do presidente Lyndon Johnson e, se não fosse a obstrução dos republicanos, teria sido nomeado para presidir a Corte, cargo que nos Estados Unidos é vitalício.

Sugestão: quem quiser, vai aonde bem entender com o patrocínio de quem quer que seja, desde que, estando num governo ou na magistratura, divulgue o evento e a identidade física ou jurídica do benfeitor.

Nas próximas quatro semanas o signatário será o único participante de um seminário sobre o exercício do ócio numa democracia digital.