terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Alvaro Costa e Silva - Cláudio Castro e a mulher de César, FSP

 O escritor Gore Vidal, referindo-se a políticos em geral e a Richard Nixon em particular, dizia que "se você não puder ser honesto, seja cuidadoso". É uma variação da assaz citada sentença sobre a mulher de César.

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), é tudo o que você possa imaginar. Menos cuidadoso. Desde seus primeiros dias no cargo, recebido de mão beijada com o afastamento de Wilson Witzel, a suspeita de corrupção o amedronta. Em 2019, ele foi filmado caminhando pela Barra, mochila vazia às costas. Depois de visitar uma empresa que mantém contratos milionários de assistência social com o governo, Castro aparece num elevador com a mochila entupida. Um funcionário da empresa o acusa de ter recebido R$ 100 mil cash. Tremendo batom na cueca que, no entanto, não impediu sua reeleição em primeiro turno com quase 60% dos votos.

Para explicar tamanho êxito, só voltando à análise de Gore Vidal e insistindo na comparação (meio esdrúxula, reconheço) entre o governador fluminense e o ex-presidente dos EUA: "As pessoas não são estúpidas. Elas sabiam que Nixon era daquele jeito, mas contavam que ele nunca seria apanhado".

Acontece que, no Rio, os buracos estão sempre mais embaixo. Estúpidas ou não, as pessoas esperam e até torcem para que políticos sejam presos. E a realidade caminha ao lado delas: nos últimos anos, cinco governadores entraram em cana e outro foi afastado. "Zum, zum, zum/ Zum, zum, zum/ Tá faltando um", canta a velha marchinha.

Alvo mais uma vez de ação da Polícia Federal por desvios de verba, o STJ autorizou a quebra dos sigilos bancários, fiscais e telemáticos do governador. Os podres começam a vir à tona, como o uso de um funcionário fantasma da Câmara Municipal para pagar parcelas de um carro negociado no final de 2016. É o manjado esquema de rachadinha, especialidade da família Bolsonaro, a quem Castro nunca foi tão fiel como agora.

Hélio Schwartsman- Cegueiras seletivas, FSP

 Vão se acumulando razões para que Israel conclua ou pelo menos reduza as operações militares em Gaza. A mais premente é a economia. Travar uma guerra como essa é estupidamente caro para Israel. A segunda razão é a pressão internacional, em especial a dos EUA, para suspender a carnificina. E até os membros mais extremistas do governo de Netanyahu sabem que o país precisa do apoio dos EUA.

As razões humanitárias para interromper os ataques, que, num mundo justo, dispensariam todas as outras, entram apenas em terceiro lugar ou mais abaixo. E isso nos leva a um paradoxo. A maioria dos israelenses e a dos palestinos são, por definição, pessoas normais, que valorizam a vida humana e repelem o que veem como injustiças. Como então, explicar, o apoio maciço de israelenses às operações militares e os ostensivos aplausos de palestinos (e de boa parte da opinião pública mundial) aos ataques terroristas de 7 de outubro?

O problema está na cadeia de causalidades. Tudo no Universo tem causas proximais e distais, e nossas mentes se aproveitam dessa exuberância para extrair as racionalizações que mais lhes convêm. Grande parte dos israelenses deve lamentar as mortes de palestinos, mas as coloca na conta do Hamas, que disparou o primeiro tiro em outubro e ainda usa a própria população como escudo humano, ignorando que as bombas que já causaram mais de 20 mil mortes são lançadas por Israel.

De modo análogo, palestinos veem os atos terroristas como uma resposta natural aos mais 50 anos de brutal ocupação israelense, sem atentar para o fato de que assassinatos a sangue-frio, estupros e sequestros são, pela régua moral da civilização contemporânea, métodos absolutamente inaceitáveis de resistência.

Ambos os lados estão certos em suas queixas e errados por suas cegueiras seletivas. Hoje, a paz é impossível. Mas a crise tornou o "statu quo" insustentável. No médio prazo, tudo terá de mudar.

Tiro no escuro, editorial FSP

 "Eu quero que todo cidadão de bem possua sua arma de fogo", pregava Jair Bolsonaro (PL). Deixada para trás a temerária orientação ideológica de estimular e facilitar o acesso dos brasileiros a armamentos, inclusive de grosso calibre, os números mostram mudança relevante sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Levantamento da Folha aponta que novos registros de posse de arma de fogo no país despencaram 74%. Foram 23,5 mil solicitações de janeiro a novembro; no mesmo período, em 2022, eram 91,7 mil. Se hoje, em média, são 71 novas regularizações diárias, no governo anterior contabilizavam-se 275.

Sob Bolsonaro, o número desses artefatos nas mãos de cidadãos comuns mais que dobrou no quadriênio 2019-22 (116%). Por consequência, a compra de munições explodiu (159%). Os efeitos foram nefastos: queda nas apreensões pelas forças de segurança (13,6%) e evidências de desvios de armas legais para o crime organizado.

A permissividade armamentista sofreu o primeiro baque em setembro de 2022, quando o Supremo Tribunal Federal suspendeu decretos do ex-presidente que flexibilizavam posse, porte (que garante o direito de circular com a arma) e quantidade de munições.

Naquele ano, acredita-se ainda que houve uma corrida pela compra de armas diante da possibilidade de mudança de governo.

Ao assumir a Presidência, Lula estabeleceu a redução do número de armas e munições; retomou a diretriz que obriga a comprovação de efetiva necessidade; e determinou a distinção de calibres entre civis e órgãos de segurança pública.

O tiro bolsonarista, entretanto, ainda está longe de sair pela culatra. Levantamento do Instituto Sou da Paz estima que o total de armas nas mãos de civis somava cerca de 3 milhões até 2022. Em 2018, antes do ex-mandatário assumir, havia pouco mais de 1,3 milhão.

A argumentação em favor daquela política juntava defesa pessoal e familiar, de propriedade —o que faz sentido em certas situações no âmbito rural— e, nos momentos mais delirantes, contra abusos autoritários de governos.

A realidade empírica, contudo, demonstra alentado risco de acidentes por despreparo ou uso inadequado; em conflitos interpessoais, como brigas de trânsito, de vizinhos ou familiares; e a possibilidade de cair em mãos erradas, sejam de crianças ou criminosos.

Armas duram décadas. Até hoje apreendem-se revólveres e pistolas fabricados há 40 ou 50 anos. Estancou-se a sangria, mas as sequelas das ações inconsequentes ainda estão por ser conhecidas.

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