segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Rio Solimões vira deserto e indígenas adoecem bebendo água contaminada, FSP

 O rio Solimões é uma veia central da Amazônia. Carrega ancestralidade, conecta regiões e países, dá vida a uma infinidade de comunidades tradicionais em suas margens e nas margens de afluentes e igarapés.

O trecho que banha a Terra Indígena Porto Praia de Baixo, na região de Tefé (AM), virou deserto. O rio caudaloso, que ditava o ritmo da comunidade, foi substituído por enormes bancos de areia a perder de vista.

Kokamas, tikunas e mayorunas cruzam esses bancos de areia de margem a margem, de ponta a ponta da terra indígena, em uma imagem que lembra um deserto.

A transformação é uma situação extrema: os indígenas de Porto Praia são unânimes em apontar a seca de 2023 como a pior já vista, superando os efeitos da estiagem de 2010.

Rio Solimões sofre com a seca

Água do rio Solimões ao lado da Terra Indígena Porto Praia, na Amazônia
Mesmo local com o leito seco do rio Solimões

Em 2022, as águas do rio Solimões chegavam à Terra Indígena Porto Praia, na região do Médio Solimões; um ano depois, o leito está seco - Lalo de Almeida - 13.out.23/Folhapress

O rio secou muito, os bancos de areia são mais extensos, os barcos ancoram cada vez mais longe, a estiagem já dura mais tempo e a expectativa é de que esse cenário de deserto continue até novembro.

"A gente tem de tirar esses barcos daqui hoje, senão tudo vai estar atolado amanhã", dizia um dos indígenas de Porto Praia nesta sexta-feira (13), em relação a cerca de 30 barcos parados em frente à comunidade. "O rio segue descendo", diz.

Folha esteve pela primeira vez na terra indígena em 23 de agosto de 2022. Era o início da estiagem, que se mostrou severa no ano passado, mas havia um rio no lugar. "A gente ainda pescava bem em setembro", relembra um integrante da comunidade. Bancos de areia só se formaram em outubro daquele ano.

Em 2023, o cenário encontrado é outro —e a transformação tem contornos dramáticos. O rio secou em setembro, e os níveis de água diminuem a cada dia, sem previsão de fim.

Em 2022, chegar ao território foi simples: 30 minutos de barco de Tefé à escada de acesso à comunidade. Agora, os barcos só chegam a dois quilômetros da aldeia. É preciso percorrer a pé a margem enlameada do rio. Outro percurso possível é pelos bancos de areia, contornando poças de água que resistem à estiagem.

"É tudo muito triste. Não tem como sair para pescar, ou levar nossos produtos para vender na cidade", afirma o cacique Amilton Braz da Silva Kokama, 52. As mais de 100 famílias do território produzem principalmente farinha e banana.

Os indígenas improvisam pequenas dragagens, tentando abrir caminho para a água e para os barcos. Funciona muito pouco. A cada dia, há menos água.

O deserto que se formou é cruzado por quem insiste na pesca num lago após a margem oposta. Ou por carregadores de produtos da cidade e de motores dos barcos deixados a quilômetros da comunidade.

O medo é de que os motores sejam roubados por piratas, comuns no médio Solimões. Eles seguem atuando mesmo na estiagem severa.

A reportagem esteve em Porto Praia em 2022 para uma série sobre terras indígenas não demarcadas, como é o caso do território.

Os indígenas fizeram uma autodemarcação, como forma de proteção contra invasores, especialmente madeireiros e pescadores ilegais, e montaram uma guarda para vigiar e combater a atuação de piratas no Solimões.

Pouco mais de um ano depois, a conversão de um rio em deserto alterou a escala de preocupações na comunidade.

"A mortandade de peixes foi enorme, como não ocorreu na seca de 2010", diz o cacique. "Aqui não ‘fechava’ assim. Ficavam uns poços mais profundos."

Um poço artesiano garante o consumo de água pelas famílias. Porto Praia insiste em contornar o isolamento: os indígenas tentam acessar lagos para pesca e a cidade de Tefé, onde vendem seus produtos. O rio segue em vazante, um indicativo de que a seca ainda vai avançar nesse ponto do Solimões.

A realidade na aldeia Nova Esperança do Arauiri, da Terra Indígena Boará/Boarazinho, também é de isolamento —o igarapé Paranã do Arauiri virou um estreito curso d’água, com água parada, aquecida, enlameada e fétida. As embarcações não alcançam mais o Solimões. Para chegar à aldeia é preciso percorrer dois quilômetros por uma trilha improvisada diante da sequidão do igarapé.

Nova Esperança vive um crônico problema de falta d’água. Até um mês atrás, a comunidade não tinha alternativa senão usar a água barrenta do igarapé. O resultado foi uma "pandemia" —palavra usada pelo cacique Cláudio Cavalcante, 44— de diarreia, vômito, febre e dor de estômago, especialmente entre as crianças.

Casas flutuantes estão encalhadas

Casas flutuantes do rio Solimões boiando nas águas em 2022
Casa flutuante encalhada num banco de areia deixado pela seca em 2023

As casas flutuantes do rio Solimões ainda boiavam no ano passado, mas este ano estão encalhadas em frente à cidade de Tefé - Lalo de Almeida - 12.out.23/Folhapress

A instalação de placas solares no mês passado permitiu o bombeamento de água de um lago próximo, mas a qualidade segue ruim. Segundo o cacique, não houve capacitação para que as famílias pudessem tratar e filtrar a água, que também é captada das esparsas chuvas na estiagem.

Os problemas de saúde decorrentes do consumo dessa água prosseguem. Quando a reportagem esteve na comunidade, quatro pessoas estavam doentes, com diarreia.

Procurados, a prefeitura de Tefé e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) não responderam até a publicação desta reportagem.

O governo do Amazonas, em nota, afirma que já foi feito levantamento das necessidades das populações indígenas afetadas pela estiagem e que, nesta semana, terá início a entrega de cestas básicas e água mineral para comunidades que vivem em terras ainda não homólogas.

"O governo ressalta que a responsabilidade na prestação de assistência imediata aos indígenas da TI Boará e TI Porto Praia é de competência do Governo Federal, uma vez que se trata de territórios já homologados, sendo necessárias tratativas com a coordenação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), para atuação de entes de outras esferas, como estadual e municipal, nessas localidades", disse, em nota, o governo do Amazonas.

A Defesa Civil levou água potável às 17 famílias kokamas de Nova Esperança, mas em quantidade insuficiente.

"Com urgência, a gente precisa de água, de capacitação para o tratamento e de medicamentos para diarreia, infecção intestinal e vômito", diz Cavalcante. O cacique prevê uma seca ainda mais prolongada: o rio só estará navegável no fim de novembro. "A seca de 2010 não foi tão difícil como essa. Com certeza esta é a pior que já tivemos aqui dentro."

O encolhimento do igarapé impede o transporte até Tefé do milho, da banana e da melancia cultivados pelos indígenas. "O sol foi tão quente nessa região que atrapalhou a plantação. Secou a plantação de melancia", afirma Cavalcante.

Sem água para beber, foi necessário paralisar as aulas das crianças. Nada é mais urgente na aldeia do que a busca por uma solução para que as famílias tenham água potável durante o prolongamento da seca.

"A gente sofre com a ‘pandemia’ dessas doenças todo ano. Mas este ano foi pior, já começou em agosto", diz o cacique. "A gente não consegue tratar a água."

O zumbido no ouvido traz uma mensagem. Ronaldo Lemos, FSP

 Não é só a visão que está sobrecarregada por causa da tecnologia. Os ouvidos também estão. Nos últimos oito anos as buscas por zumbido no ouvido ("tinnitus") no Google explodiram. Também cresceram buscas por "protetor auricular" e "cancelamento de ruído", mapeadas no Google Trends.

Toda essa hiperatividade aparece também em números. Um dos produtos mais lucrativos da Apple são os fones sem fio Airpods. A empresa tem vendido cerca de 20 milhões deles por trimestre. Sozinhos eles geram uma receita de US$ 14,5 bilhões anuais (R$ 73,22 bilhões), mais do que a soma do faturamento do Spotify e do Twitter. No momento em que você estiver lendo este texto haverá cerca de 100 milhões de pessoas com um par de Airpods no ouvido. Talvez você seja uma delas.

Fones de ouvido usados em smartphone, enquanto podcast é reproduzido - Thomas Samson - 8.fev.19/AFP

O ouvido é nosso sentido mais íntimo. Escutar um bom podcast gera uma sensação de intimidade que nenhuma outra mídia consegue proporcionar. Afinal, o áudio tem uma altíssima resolução emocional, diferente do vídeo.

Só que isso também aumenta o problema da sobrecarga. Quanto mais intensos são os sons, menos deveríamos estar expostos a eles. O barulho de um café movimentado (90 decibéis) só é tolerado com segurança por até quatro horas. Uma balada ou show pode gerar 115 decibéis. Nesse patamar, bastam sete minutos de exposição para haver a possibilidade de dano.

No mundo de hoje, perdemos totalmente o controle do nosso ambiente sonoro, seja em casa, no trabalho ou em ambientes públicos. Essa perda de controle é o impulso para a busca por plugues, fones de ouvido e tecnologias de cancelamento de ruído. Criadas na década de 1950 para reduzir o ruído na cabine para os pilotos de avião, hoje elas estão em toda parte. São um dos diferenciais dos Airpods da Apple. Você coloca o fone no ouvido, e ele miraculosamente reduz os ruídos do ambiente, criando um isolamento acústico individual.

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Como aponta a colunista de ciências do jornal The Guardian, Donna Lu, múltiplos estudos mostram que o uso constante de plugs podem também originar zumbido de ouvido. No próprio site da Apple há um fórum de discussão se o uso dos Airpods não está causando zumbidos no ouvido. Há diversos relatos e mais de 2.800 pessoas concordando que o problema se aplica a elas.

Curiosamente, a indústria de fones de ouvido e de aparelhos auditivos parece estar vivendo um momento de convergência. Por exemplo, a popular marca de fones Sennheiser é de propriedade da Sonova, fabricante de aparelhos auditivos e implantes cocleares. A própria Apple faz marketing dos seus Airpods como podendo ser usados para auxílio auditivo. Fica a impressão de uma espécie de veneno-remédio: uma espécie de laxante de chocolate, em que o chocolate causa a constipação que pode ser melhorada pelo laxante.

Apesar de haver avanços hoje em vários temas relacionados a bem-estar, alimentação e saúde mental, a saúde auditiva permanece de maneira alarmante na periferia da nossa consciência coletiva. Para quem tem zumbido no ouvido, vale lembrar que ele traz consigo uma mensagem: não deixar que nossa negligência e descuido, como indivíduos ou como sociedade, nos dirija ao caminho do silêncio irreversível.

Já era o ouvido nu

Já é a predominância dos fones de ouvido

Já vem a predominância dos aparelhos auditivos