segunda-feira, 1 de maio de 2023

Você sofre de ‘resenteeism’? Entenda o fenômeno que atinge pessoas infelizes com o trabalho, OESP

 A auxiliar administrativa Ianca Santos, 26, está cansada de não ser remunerada pelas horas extras na rede de academia em que trabalha. Recebe salário com valor reduzido e ainda enfrenta casos de assédio. Para reverter o quadro, ela já contatou diversas vezes o RH da empresa, mas não obteve retorno. Sem solução para o problema, mas também sem alternativa de um novo emprego, Ianca representa uma das faces de um fenômeno que tem se espalhado pelo mundo corporativo: o “resenteeism”. O termo descreve o ato de manifestar infelicidade e, mesmo assim, permanecer no trabalho, resultado de contextos que inquietam, principalmente, a geração Z.

A tradução literal do termo é ressentimento. Aplicada ao mundo do trabalho, significa uma pessoa que se ressente e deixa clara a sua insatisfação. No mercado, o fenômeno é sucessor do “quiet quitting”, movimento que defende a conduta de profissionais que se recusam a trabalhar além do básico em prol de qualidade de vida e saúde mental. “Resenteeism”, por sua vez, se diferencia da tendência anterior por externalizar o incômodo causado pelo trabalho.

“Quem reclama ainda está querendo solucionar”, analisa Maíra Blasi, especialista em futuro do trabalho e fundadora da Subversiva, consultoria especializada em transformação organizacional. Ela afirma que o fenômeno ganhou destaque a partir de um despertar das últimas gerações. “Historicamente, as revoluções vieram dos jovens. As pessoas mais velhas também têm potencial de questionar, mas estão cansadas e acabam ficando anestesiadas pelo funcionamento do mundo como ele é”, complementa.

A consultora sugere que as novas profissões, a exemplo de influencers e criadores de conteúdo, estimularam reflexões sobre a representação do trabalho no cotidiano do indivíduo. Agora, “o trabalho como centro da vida” deixa de ser prioridade e abre espaço para questionamentos. As ondas de demissões, o cenário econômico incerto e a estagnação salarial também são outros fatores apontados por Blasi para a mudança de rota reforçada pelo fenômeno.

A consultora defende práticas organizacionais que contemplem mais pessoas para evitar o ciclo de funcionários infelizes e insatisfeitas com um único modo de trabalho.
A consultora defende práticas organizacionais que contemplem mais pessoas para evitar o ciclo de funcionários infelizes e insatisfeitas com um único modo de trabalho. Foto: Carol Oliveira/ Divulgação Subversiva

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Dentre os caminhos possíveis, ela sugere que o pontapé é aceitar que existe um problema estrutural na empresa. Em paralelo, Blasi alerta que não adianta culpabilizar a liderança ou o trabalhador que está na base tentando comunicar a insatisfação. A alternativa, segundo a consultora, é fortalecer diálogos e cobrar as estruturas de poder. “Pessoas que ocupam cargos altos têm o poder e a influência para alterar as práticas e repensar a forma como estabelecemos acordos, práticas e novos modelos.”

Feedback humanizado

Pensando na busca pela promoção de uma comunicação mais transparente em que os líderes possam identificar episódios de “resenteeism” em sua equipe e lidar de forma adequada, há quem aposte no feedback humanizado capaz de garantir modelos que funcionem para todas as pessoas. É o que defende Arlane Gonçalves, consultora de carreira, diversidade e comunicação e fundadora da AG Consultoria. Segundo ela, uma cultura de pertencimento pode possibilitar que o funcionário sinta-se seguro para conversar com a liderança sobre problemas relacionado ao trabalho.

Gonçalves ainda considera uma falácia a ideia de que toda liderança sabe dar feedback. “É um mito natural que temos as competências necessárias para desenvolver pessoas num ambiente de trabalho”, ressalta. Ela explica que pessoas em posições de poder carecem de treinamentos personalizados.

Mas para alcançar esse feito, é indispensável utilizar métodos que não surtam efeitos contrários e gerem desmotivação e sensação de infelicidade na vida do colaborador. “Para empresas que podem investir em habilidades relacionais é muito recomendável, pois o gestor deve entregar feedbacks respeitosos, identificar casos de assédio contra mulheres, discriminação e ter ferramentas para solucionar”, orienta.

Ela destaca que o líder não deve criticar a personalidade da pessoa. O ideal é apresentar perspectivas reais para alinhar algum comportamento. “O feedback é uma ação que gera possibilidade de ação.” Por exemplo, cita direções que melhorem algo específico, avalia o impacto dessa informação e aprimora as reações de quem ouve os feedbacks.

Assim como Gonçalves, a consultoria Maira Blasi adverte contra ações que alimentem as tensões entre funcionários e líderes, que podem ser contraproducentes e agravar os problemas. Por outro lado, a profissional recomenda que o indivíduo revisite o plano de carreira e o tempo que dedica ao trabalho. Já a liderança deve ter um novo repertório de mundo e ferramentas que otimizem o trabalho colaborativo, como softs skills e designer organizacional. “O provérbio ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’ ficou no passado”, comenta.

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Para quem está na linha de frente de equipes e ambientes corporativos, aqui estão dicas para lidar com “resenteeism”:

1. Desenvolver programas de desenvolvimento para preparar profissionais aos cargos de liderança;

2. Transmitir feedbacks de forma respeitosa para que seja possível identificar situações com desvio de comportamento;

3. As empresas devem criar diversas estratégias para tornar o ambiente corporativo seguro e incluso;

4. Para quem está passando por um período que envolve “resenteeism” no local de trabalho, além de procurar um novo emprego e se manter atualizado em relação as movimentações no mercado, Gonçalves orienta criar uma rede de apoio.

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É melhor aprendermos logo com o ChatGPT; leia a coluna de Moisés Naim, OESP

 Os descobrimentos científicos e as inovações tecnológicas com frequência se apresentam como avanços inéditos ou fonte de transformações enormes. Poucas, não obstante, cumprem sua promessa. São ultrapassadas por conhecimentos novos ou tecnologias que superam o que se havia anunciado como um aporte histórico indelével.

Ferramenta ChatGPT deve provovcar transformações profundas na sociedade
Ferramenta ChatGPT deve provovcar transformações profundas na sociedade Foto: Dado Ruvic / Reuters

O aconselhável é ser cético a respeito de novas tecnologias que “mudarão tudo”. Em geral, a hipérbole e o exagero não deixam mais que um monte de promessas não cumpridas. Algumas vezes - muito poucas - aparece uma nova tecnologia que provoca transformações profundas e permanentes na vida de bilhões de pessoas. Hoje a humanidade se encontra diante desta circunstância. E desta vez sim, o impacto da transformação tecnológica é diferente.

As inovações recentes no campo da Inteligência Artificial (IA) não são uma moda transitória, cujas consequências estejam sendo exageradas. São tecnologias transformadoras, com as quais a humanidade vai conviver por muito tempo. Esta onda de inovação mudará o mundo, afetará ricos e pobres, democratas e autocratas, políticos e empresários, cientistas e analfabetos, assim como cantores e jornalistas e todo tipo de atividades, profissões e estilos de vida.

Os chamados Large Language Models – que não se limitam ao célebre ChatGPT da empresa Open AI – são um tipo de inteligência artificial que se utiliza para entender e gerar linguagem humana, assim como para automatizar funções que até agora requeriam supervisão e manejo de seres humanos. Outros tipos de IA “aprendem” a identificar e converter enormes volumes de textos, imagens, sons, vozes e vídeos em imitações perfeitas.

Podem produzir orações completas, respostas para qualquer tipo de pergunta, assim como reproduzir à perfeição versões impossíveis de detectar como imitações. Também são capazes de “aprender” a voz de uma pessoa e usá-la em uma conversa com outros indivíduo que não sabe que esta falando com um agente informático criado com IA.

Estes modelos têm uma infinidade de aplicações práticas. O combate às mudanças climáticas, diagnósticos e tratamentos de problemas graves de saúde estão sendo abordados com mais eficácia graças ao uso de IA.

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Tudo está acontecendo muito rapidamente. Um relatório do banco UBS informa que o ChatGPT chegou a ter mais de 100 milhões de usuários ativos apenas dois meses depois de seu lançamento. O TikTok demorou nove meses para alcançar essa cifra, o Instagram, dois anos e meio. O ChatGPT é a tecnologia de adoção mais rápida na história.

Como todas as novas tecnologias, a IA é uma arma de fio duplo: tem um ângulo positivo e outro negativo. Toda tecnologia é dupla – a imprensa de Gutenberg foi usada para imprimir tanto a Bíblia quanto Mein Kampf, o panfleto que tornou Hitler célebre.

ChatGPT: veja quatro tarefas que a inteligência artificial não é capaz de fazer

Sistema ficou famoso por sua capacidade, mas tropeça em algumas atividades

Em muito pouco tempo, ditadores, terroristas, fraudadores e criminosos estarão usando toda sua criatividade para explorar a IA com consequências nefastas para a humanidade. Não será fácil contê-los.

Os que estão descobrindo estas aplicações acabam encantados com estas tecnologias milagrosas. Mas quem as conhece de perto e entende os riscos que elas implicam vê claramente o caos mundial que elas poderiam engendrar. Cientistas, empresários e agências de segurança envolvidos intimamente com o uso da IA não escondem seu alarme diante da disseminação das tecnologias com base nesta inovação. Em uma recente entrevista que concedeu a Alan Murray, da revista Fortune, Tom Siebel, diretor de um dos principais grupos de IA, qualificou repetidamente o risco associado a estas novas tecnologias como “assustador”. Elon Musk disse que a IA pode levar à “destruição da civilização”.

A história nos mostra que os esforços para conter a disseminação e a má utilização de novas tecnologias não são exitosos. As armas nucleares, por exemplo, continuam se disseminando pelo mundo apesar dos enormes esforços para limitar sua proliferação.

Uma vez que uma nova tecnologia tão poderosa entra na caixa de ferramentas da nossa espécie, não há como se livrar dela. A proposta recente de um grupo muito notável de especialistas que propôs impor uma moratória na pesquisa e desenvolvimento da inteligência artificial demonstra que até os maiores especialistas compartilham da intuição de muitos: nós não estamos prontos.

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Certamente nossas sociedades não estão prontas para o que virá como resultado das aplicações da inteligência artificial. É melhor aprendermos rapidamente, porque estas inovações não têm marcha à ré. | TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

1º de Maio ocorre com uma das piores conjunturas para o trabalho fabril, Camila Rocha, FSP

 Lula e Bolsonaro podem ter no dia 1º de Maio um palco político privilegiado. Enquanto Lula avalia discursar na comemoração organizada por sete centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, Bolsonaro deve tentar exaltar apoiadores reunidos na Agrishow, em Ribeirão Preto, ignorando a importância da data para os trabalhadores.

Contudo, a despeito do simbolismo do Dia do Trabalho para Lula e para o PT, a celebração ocorre em meio a uma das piores conjunturas para os trabalhadores brasileiros. Para além da queda na taxa de sindicalização e, portanto, de arrecadação dos sindicatos, acentuada pela reforma trabalhista, o mundo do trabalho que deu origem a lideranças sindicais como Lula perde mais espaço a cada dia.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 6.abr.2023/Folhapress

Os geógrafos Marco Antonio Mitidiero Junior e Yamila Goldfarb, em estudo produzido para a Fundação Friedrich Ebert, apontam que, entre os anos de 2015 e 2020, foram fechadas cerca de 17 fábricas por dia no Brasil.

Além disso, a redução da participação do setor industrial na formação do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro desde os anos 1980 é brutal. Em 1985, a indústria respondia por 47,9% do PIB, em 2005 caiu para 28,4%, em 2013 para 24,8%, e em 2019 para 22%. Inclusive, vale registrar que, ainda que a queda na exportação de manufaturados seja global, a tendência é mais acentuada no Brasil.

Em 2010, auge do lulismo, Lula procurou ser otimista. Durante um discurso realizado em uma solenidade de formatura de novos diplomatas do Instituto Rio Branco, o ex-sindicalista afirmou que "as commodities estão ficando mais valiosas do que os tais produtos manufaturados". A despeito de ter lembrado que, anos antes, dizia que o Brasil não poderia continuar sendo um exportador de produtos básicos e precisava vender mais bens industrializados, afirmou que, agora, o mundo precisava de mais comida, e "o Brasil é quem tem a competência de produzir muito mais comida".

Passados 13 anos, o predomínio do agronegócio aponta para uma alarmante reprimarização da economia nacional. A produção se concentra em poucos produtos básicos exportados para poucos países, criando uma dupla dependência. Em 2020, a China comprou cerca de 60% da soja brasileira, e, em troca, nos vendeu produtos industrializados, como máscaras e respiradores durante a pandemia, os quais não fomos capazes de produzir internamente. Ao mesmo tempo, a despeito da propaganda de que o agro alimenta o Brasil, importamos em grandes quantidades alimentos como trigo, peixes, tubérculos e até mesmo arroz, base de nossa alimentação.

Além disso, Mitidiero e Goldfarb, ao analisarem a balança comercial, a balança de pagamentos e os créditos recebidos pelo agronegócio, somados aos incentivos fiscais, à baixa arrecadação de impostos e ao constante perdão e renegociação de dívidas, mostram que a conta não fecha. Ou seja, para além do apoio explícito ao golpismo bolsonarista, do uso intensivo de agrotóxicos banidos em outros países, e dos enormes danos causados à natureza e à saúde da população, economicamente, o agronegócio recebe muito e contribui pouco.

Assim, em meio à celebração do aumento do salário mínimo para R$ 1.320 de um lado, e à exaltação às armas e à criminalização do MST de outro, o país segue sem um projeto sustentável de futuro para as próximas gerações.