terça-feira, 4 de abril de 2023

Ministério Público se manifesta a favor de preservação da Livraria Cultura em ação que pede tombamento. FSP

 O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) se manifestou a favor de uma ação que pede que a Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na capital paulista, tenha o seu espaço físico preservado. O órgão ainda recomenda que a prefeitura apresente uma proposta preliminar de proteção para que, eventualmente, o espaço seja considerado um patrimônio cultural.

Loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, em São Paulo
Loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, em São Paulo - Zanone Fraissat - 10.fev.2023/Folhapress

O parecer do MP-SP se deu no âmbito de uma ação apresentada pela vereadora paulistana Luna Zarattini (PT). A parlamentar sustenta que, embora se trate de um empreendimento privado, a conservação do imóvel em que a livraria está instalada se faz necessária diante de seu valor histórico.

"É fato público e notório que uma das principais atrações turísticas e culturais da maior cidade da América Latina encontra-se em risco de deixar de existir por razões financeiras", afirmou Zarattini.

Fundada em 1969, a Livraria Cultura pediu recuperação judicial em 2018 e teve sua falência decretada pela Justiça em fevereiro deste ano. Por meio de liminar, a loja de livros conseguiu a suspensão do decreto de falência no mesmo mês.

No entendimento da promotora de Justiça Claudia Cecilia Fedeli, que assina o parecer, a comoção gerada pela notícia do fechamento da livraria traz "indícios fortes de que se trata efetivamente de um patrimônio importante para a cultura local". Caberia ao município, portanto, protegê-lo.

"A descaracterização do local e a ausência de adoção de medidas que prevejam a forma de sua preservação (a ser executada pelo particular, sob a orientação do poder público) pode gerar um dano irreversível", afirma a promotora.

Fedeli pondera, no entanto, que uma a proposta definitiva sobre a forma de proteção da livraria demanda tempo, estudos e diálogo com especialistas e com a população. "Assim, neste momento, seria cabível ao município encaminhar um projeto preliminar de proteção, para que se garanta a efetividade de eventual plano de ação que seja formulado em um futuro breve", diz.

Além da proposta preliminar, a promotora pede que a Justiça determine à proprietária do imóvel que se abstenha de qualquer ação que possa descaracterizar a estrutura física da Livraria Cultura.

ESTATUETA

A atriz Renata Sorrah e o ator Alexandre Nero prestigiaram a cerimônia de entrega do 33º Prêmio Shell de Teatro, realizado no Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, no dia 21. O crítico Evaristo Martins de Azevedo, que integra o corpo de jurados da premiação, esteve lá.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

Suzana Herculano-Houzel -Sim, eu tenho necessidades especiais! _FSP

 Eu gosto de brincar dizendo que adultos autistas como eu precisam de supervisão adulta, mas é ótimo quando a gente se lembra de levar a brincadeira a sério.

Um problema particular do autismo é que faz parte da constelação de características a falta de autoconsciência sobre o próprio estado emocional: os outros notam antes da gente que estamos incomodados ou preocupados com alguma coisa. Daí ser tão comum a gente só notar que precisava muito de ajuda quando a ajuda já aconteceu –ou quando a coisa fica feia e a gente finalmente joga a toalha.

Isso fui eu no aeroporto, dias atrás. Há tempos que o tanto que eu viajo a trabalho me rende embarque preferencial, ainda assim, depois das necessidades especiais das crianças, dos idosos, dos militares e dos ultrassuper VIPs —então o problema que eu não sabia que tinha já estava semirresolvido.

Mas, dessa vez, eu estava entretida experimentando usar o cordão verde de girassóis, que sinaliza dificuldades invisíveis —que eu havia finalmente tirado da bolsa e pendurado no pescoço, uma hora antes—, quando notei (sem supervisão adulta, viva!) que o trem cheio estava me dando arrepios (literalmente).

Usar o cordão pela primeira vez teve um efeito curioso: não sei se os outros ao redor sabem do que se trata, mas eu sei e me senti imediatamente melhor por estar fazendo alguma coisa por mim mesma. Ter controle é maravilhoso, mas a sensação de controle é o que realmente importa.

Cordão verde com girassóis, usado para identificar uma pessoa com deficiência 'invisível' ou 'oculta'
Cordão verde com girassóis, usado para identificar uma pessoa com deficiência 'invisível' ou 'oculta' - Hidden Disabilities Store/Divulgação

De cordão de girassóis no pescoço (e o meu é lindinho, com um girassol dependurado; me recuso a usar o crachá que alguns sugerem), me dei conta de que eu tinha subitamente mudado de categoria.

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Não era mais a neurocientista-fodona-porém-desnorteada (adoro o paradoxo!) tentando funcionar num mundo barulhento e conturbado que nem criança que põe os dedos nos ouvidos, aperta os olhos e canta lá-lá-lá quando os adultos começam a gritar (aliás, minha nova imagem para explicar o que é stimming). Agora eu era uma pessoa que reconhecia que tinha dificuldades particulares e necessidades especiais, que vêm com elas.

Então fiz o que nunca tinha me ocorrido fazer: fiquei de pé na boca do portão de embarque e, assim que chamaram os passageiros com necessidades especiais para embarcar primeiro, fui com convicção e um sorriso no rosto. Não sei se os agentes reconheceram o cordão, mas não hesitaram em me dar as boas-vindas.

E, uma vez no avião..., ah, que maravilha. Só assim me dei conta da diferença que faz não tentar negociar 13 coisas ao mesmo tempo, o que os outros fazem tão facilmente: achar a poltrona, guardar passaporte e decidir que bolsa colocar em tal lugar, tudo isso sem dar cotovelada sem querer nas pessoas que tentam passar ou atrapalhar quem eu não notei que estava tentando fazer alguma coisa. Era eu e um avião vazio. Deixa eu dizer de novo, porque até me emociona: vazio.

Sentei, abri o joguinho da vez no telefone, e pronto. Sou criança entretida, não atrapalho ninguém. Segue o embarque, por favor. A neurocientista autista agradece!

Não fazer nada leva a profecia autorrealizável na Argentina, diz pesquisadora, FSP

 Fernando Canzian

BUENOS AIRES

Para Gala Díaz Langou, 38, diretora-executiva do Cippec (Centro de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento) na Argentina, há uma sensação no país de que não se pode fazer nada em um contexto de tanta incerteza.

"Mas é nesses momentos que precisamos projetar o futuro e tomar ações. Se não, acabamos por validar essa ideia de que há uma profecia autorrealizável. Não se pode fazer nada, não fazemos nada e nada acontece", afirma.

Gala Díaz Langou, diretora-executiva do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento - Divulgação

Como avalia o aumento da pobreza, sobretudo entre os mais jovens, e seu impacto sobre o futuro da economia argentina? Há problemas estruturais de várias dimensões: social, econômica e institucional. No social, a crise é anterior à pandemia, quando os níveis de pobreza e indigência começaram a aumentar em resposta a uma crise estrutural na economia.

A Argentina não cresce de maneira sustentável há mais de dez anos, e a pandemia só agravou o quadro, ampliando as desigualdades sociais. Os mais afetados nesse processo foram os lares que têm filhos pequenos e adolescentes.

Na classe alta, há concentração de lares unipessoais, com pessoas mais velhas ou de casais sem filhos.

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Entre os 20% mais pobres, há grande quantidade de mães solteiras e de famílias desmembradas. Para elas, é uma dificuldade enorme conciliar a vida produtiva, no mercado de trabalho, com a familiar, sobretudo por causa das crianças.

Isso interfere não apenas na qualidade de vida dessas famílias, mas no potencial de crescimento econômico da Argentina em nível agregado.

Temos mais de 60% dos jovens vivendo em situação de pobreza e apenas 2 em cada 10 deles terminam a educação secundária no tempo normal e com os conhecimentos básicos em provas do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes]. Isso tem implicações graves sobre o nível de produtividade que temos hoje e que teremos no futuro.

Isso afeta as possibilidades de a Argentina estabelecer uma estratégia de desenvolvimento, de conquistar a estabilidade macroeconômica e de participar da economia global.

Os principais setores estratégicos para a Argentina, como agronegócio, energia, economia do conhecimento e mineração, são também estratégicos para o mundo.

Mas não conseguimos alavancar as exportações como deveríamos, a fim de melhorar nosso desempenho econômico e estabilizar a balança comercial e o déficit fiscal.

Quase a maioria das crianças argentinas recebe algum tipo de subsídio do Estado. Isso é sustentável do ponto de vista orçamentário, já que o país convive há décadas com déficits fiscais? Cerca de 95% das crianças e adolescentes na Argentina recebem algum tipo de benefício, direta ou indiretamente, como nos casos da isenção de impostos por filho. Outros 5%, que são justamente as famílias mais vulneráveis, ainda estão de fora de qualquer tipo de programa. Falta chegar até eles.

Há, porém, famílias mais ricas que acabam tendo grandes isenções de impostos, e faz-se necessário, usando os mesmos recursos atuais, melhorar sua distribuição de forma mais progressiva.

No total, todos esses programas sociais representam entre 1% e 1,5% do PIB, dependendo do ano. É um volume adequado, sobretudo se o compararmos com os de outros países. Mas é preciso levar em conta que o sistema previdenciário na Argentina custa 12 pontos do PIB, sendo que, desses 12 pontos, 7 são para aposentadorias de fora do sistema geral.

São o que chamamos de aposentadorias privilegiadas, em regimes especiais e de exceção. Há muitas aposentadorias que ultrapassam em 20 vezes o pagamento mínimo por aposentado. São 3,7 milhões de benefícios deste tipo.

Entre eles, há de militares e medalhistas olímpicos a cantores líricos do teatro Colón e trabalhadores de minas, entre outros em regimes que possibilitam aposentadorias aos 45 anos de idade.

Não há muito critério para a concessão. No final, gasta-se quase três vezes do equivalente ao déficit fiscal argentino com essas aposentadorias.


Os subsídios à energia, na luz e no gás, se proliferaram na Argentina nos últimos anos para amortecer as crises econômicas. Como equacionar essas transferências com um programa de estabilização? O problema é que esses subsídios chegam a todas as pessoas que estão conectadas às redes [de gás e energia], sem diferenciação ou critério de progressividade. Foi planejado algo no ano passado para favorecer só mais os vulneráveis, mas não foi implementado.

No ano passado, os subsídios para a energia representaram 82% do déficit fiscal. Em 2022, o Estado pagou 79% do custo da luz e 71% do gás para todos os que estão conectados à rede.

A maioria está nas camadas mais ricas. Significa que estamos financiando a climatização de piscinas em bairros ricos. Muitos dos mais vulneráveis têm dificuldade de se conectar às redes e seguem comprando botijões, que têm menos subsídios que o gás na rede.

Estamos trabalhando em proposta concreta que inclua a implementação de uma tarifa social e o pagamento do custo real [da energia] para quem pode pagar, além de um fundo compensador, pois há províncias que pagam muito mais pela energia do que outras. Tudo considerado, precisaríamos de menos subsídios.

Com todos os subsídios à energia e às famílias, há argentinos passando fome? Sim. Essa questão afeta principalmente as famílias mais vulneráveis e a literatura é contundente a respeito de como isso afeta não apenas o presente dessas pessoas, mas a construção de capital humano no futuro.

Na Argentina, estamos fazendo o contrário. Concentramos as piores condições nas famílias com crianças, e a fome é um exemplo concreto disso.

Há um levantamento recente que mapeia melhor as dimensões da pobreza do que os do Indec [o IBGE argentino], que leva em conta apenas os rendimentos das pessoas. Adicionando outras variáveis, foi constatado que 66% das crianças argentinas sofrem algum tipo de privação.

A Argentina parece precisar de medidas duras, como escalonar subsídios e mexer em privilégios de aposentados e no setor público. É possível? Certamente estamos em uma situação que demanda mudanças e a implementação de medidas urgentes, em várias dimensões. Isso tudo em um contexto de altíssima incerteza e desconfiança. Isso tem nos levado à imobilidade, com ninguém querendo tomar decisões e enfrentar os custos que serão assumidos, sem que os benefícios apareçam no curto prazo.

É um problema que enfrentamos como país: há uma sensação de que não se pode fazer nada em um contexto de tanta incerteza.

Mas é nesses momentos que precisamos projetar o futuro e tomar ações. Se não, acabamos por validar essa ideia de que há uma profecia autorrealizável. Não se pode fazer nada, não fazemos nada e nada acontece.


RAIO-X | Gala Días Langou, 38

É diretora-executiva do Cippec (Centro de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento). Tem mestrado em Políticas Públicas pela Universidade de Georgetown (EUA) e formação em Estudos Internacionais pela Universidade de Torcuato Di Tella (Argentina).