Desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o debate público no Brasil ficou mais polarizado, o que a todo momento gera o chamado cancelamento —fenômeno cultural no qual uma pessoa é expulsa de sua posição de influência e silenciada devido a atitudes ou falas vetadas por alguma militância.
Nas universidades, esse comportamento traz consequências nefastas, já que o cerne da atividade acadêmica é justamente o livre diálogo entre ideias e hipóteses divergentes. Não faltam maus exemplos nos últimos anos.
Uma turba de alunos impediu a exibição de um documentário sobre o ideólogo direitista Olavo de Carvalho na Universidade Federal da Bahia em 2017; no ano passado, o vereador Fernando Holiday foi impedido de participar de uma palestra sobre cotas e financiamento de universidades públicas na Unicamp, em São Paulo.
Agora, o corpo discente da Faculdade de Direito da USP emitiu uma nota contra o retorno de Janaina Paschoal —que encerra o mandato como deputada estadual pelo PRTB em março— à prática docente na instituição, da qual licenciou-se em 2019, quando assumiu o cargo na Alesp.
Os alunos classificam a parlamentar como "bolsonarista esclarecida" e criticam sua não adesão à carta em defesa da democracia articulada pela Faculdade de Direito nas eleições de 2022. A nota conclui afirmando que Paschoal não é bem-vinda e que "a universidade pertence aos defensores da democracia, não aos seus detratores".
A deputada é servidora concursada, e atividade político-partidária não é motivo legal para exoneração de professores. O que de fato importa na prática docente é a qualidade técnica, no ensino e na pesquisa —e a nota, curiosamente, nada fala sobre isso.
Paschoal não infringiu as regras do jogo democrático ou apoiou ruptura da ordem institucional.
É lamentável que alunos sintam-se perturbados pela convivência com diferentes visões de mundo, até mesmo aquelas consideradas vis. Pluralidade e discordância adubam o terreno onde florescem o raciocínio lógico e a argumentação —habilidades técnicas básicas para a produção científica.
Na academia e na democracia, o livre debate de ideias é um princípio ético inegociável.