terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Discordar é preciso, Editorial FSP

 Desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o debate público no Brasil ficou mais polarizado, o que a todo momento gera o chamado cancelamento —fenômeno cultural no qual uma pessoa é expulsa de sua posição de influência e silenciada devido a atitudes ou falas vetadas por alguma militância.

Nas universidades, esse comportamento traz consequências nefastas, já que o cerne da atividade acadêmica é justamente o livre diálogo entre ideias e hipóteses divergentes. Não faltam maus exemplos nos últimos anos.

Uma turba de alunos impediu a exibição de um documentário sobre o ideólogo direitista Olavo de Carvalho na Universidade Federal da Bahia em 2017; no ano passado, o vereador Fernando Holiday foi impedido de participar de uma palestra sobre cotas e financiamento de universidades públicas na Unicamp, em São Paulo.

Agora, o corpo discente da Faculdade de Direito da USP emitiu uma nota contra o retorno de Janaina Paschoal —que encerra o mandato como deputada estadual pelo PRTB em março— à prática docente na instituição, da qual licenciou-se em 2019, quando assumiu o cargo na Alesp.

Os alunos classificam a parlamentar como "bolsonarista esclarecida" e criticam sua não adesão à carta em defesa da democracia articulada pela Faculdade de Direito nas eleições de 2022. A nota conclui afirmando que Paschoal não é bem-vinda e que "a universidade pertence aos defensores da democracia, não aos seus detratores".

PUBLICIDADE

A deputada é servidora concursada, e atividade político-partidária não é motivo legal para exoneração de professores. O que de fato importa na prática docente é a qualidade técnica, no ensino e na pesquisa —e a nota, curiosamente, nada fala sobre isso.

Paschoal não infringiu as regras do jogo democrático ou apoiou ruptura da ordem institucional.

É lamentável que alunos sintam-se perturbados pela convivência com diferentes visões de mundo, até mesmo aquelas consideradas vis. Pluralidade e discordância adubam o terreno onde florescem o raciocínio lógico e a argumentação —habilidades técnicas básicas para a produção científica.

Na academia e na democracia, o livre debate de ideias é um princípio ético inegociável.

editoriais@grupofolha.com

Hélio Schwartsman Teodiceia, FSP


Teólogos sempre tiveram dificuldades para conciliar a óbvia presença do mal na Terra com a ideia de um ser supremo que seja ao mesmo tempo onipotente e benevolente, mas são as grandes catástrofes naturais, como o terremoto desta semana na Turquia e na Síria, que escancaram a real dimensão de seu apuro: um evento de poucos segundos sobre o qual os homens não têm nenhuma agência deixa um rastro de milhares de mortos e sofrimento numa escala difícil de imaginar.

O problema da (in)justiça divina, também chamado de problema da teodiceia, é conhecido desde a Antiguidade. Ele é logicamente inatacável ("modus tollens"), o que significa dizer que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também o é, necessariamente. Para tentar sair da armadilha, religiosos precisam negar ou ao menos relativizar a onipotência ou a benevolência divinas, ou a própria existência do mal, que não passaria de aparência.

Homem em meio a escombros na cidade de Diyarbakir, na Turquia, após um terremoto de magnitude 7,8 atingir o sudeste do país - Ilyas Akengin/AFP

Uma saída popular entre cristãos é recorrer ao livre-arbítrio. O mal existe porque Deus deu aos homens a capacidade de escolher —o que é bom. Mas, ao fazê-lo, teve de permitir que eventualmente optassem pelo mal. Engenhoso e, se formos benevolentes, o argumento poderia funcionar nas situações em que o mal é resultado de ações humanas. Mas esse não é o caso de movimentos sísmicos.

O grande terremoto de Lisboa, de 1755, fez com que dois dos maiores filósofos de língua francesa, Voltaire e Rousseau, duelassem acerca dessas questões. Voltaire compôs um poema no qual confronta o Criador com o problema da teodiceia. Rousseau toma as dores de Deus e responde com uma carta em que procura isentá-Lo de toda responsabilidade. Não consegue, mas, na tentativa, levanta uma outra questão fundamental. As consequências de desastres naturais são em larga medida determinadas pelos homens. Na hora do terremoto, o tipo de ocupação do solo e a qualidade das construções fazem toda a diferença. 

Pênaltis custam caro, e Flamengo é eliminado do Mundial pelo Al Hilal, FSP

 O Flamengo parou nas semifinais em sua tentativa de conquistar o Mundial de Clubes. A equipe rubro-negra apresentou falhas defensivas, cometeu dois pênaltis no primeiro tempo e ficou com um jogador a menos em um deles. Assim, não conseguiu evitar a derrota por 3 a 2 para o Al Hilal, da Arábia Saudita.

Não adiantaram as reclamações de Vítor Pereira, que considerou o árbitro romeno István Kovács rigoroso demais na aplicação dos cartões e na expulsão de Gerson. O técnico português, que trocou o Corinthians pelo time da Gávea na esperança de ser campeão do mundo, terá de disputar o terceiro lugar em Marrocos.

Atletas do Al Hilal celebram no triunfo sobre o Flamengo - Fadel Senna/AFP

A decepcionante campanha começou de maneira péssima, na noite de terça-feira (7) em Tânger. Logo de cara, Matheuzinho se atrapalhou e cometeu pênalti em Vietto, convertido por Salem Al-Dawsari, aos quatro minutos. Após alguns instantes de dificuldade, porém, a formação brasileira passou a ocupar o campo de ataque.

A movimentação rendeu o empate aos 20, quando Matheuzinho ficou com sobra na meia e rolou para Pedro acertar chute preciso de pé direito. Era bom o momento do Flamengo, que rondava a área dos sauditas e teve boa chance em cabeceio de Gerson. Mas um lance do próprio camisa 20, pouco antes do intervalo, acabou definindo o jogo.

Vietto recebeu na área e foi ao chão, após choque com David Luiz e Gerson. Chamado ao monitor pelo árbitro de vídeo, o juiz percebeu o pisão de Gerson no tornozelo do argentino, um dos grandes nomes da partida. O flamenguista, que havia recebido amarelo por simulação de pênalti no ataque, levou o vermelho. E Al-Dawsari, aos 54, voltou a balançar a rede.

PUBLICIDADE

Com um a menos, Pereira tentou organizar a equipe carioca promovendo a entrada do volante Pulgar no lugar do desgastado meia Arrascaeta. Era necessário atacar, e o campeão sul-americano conseguia chegar à frente com sua boa qualidade técnica –Gabigol teve oportunidade de cabeça–, mas era quase inevitável abrir espaços atrás.

Aos 25, as chances de reação praticamente acabaram no estádio Ibn Batouta. Após saída errada de Pulgar, Vietto recebeu na área e acertou o ângulo esquerdo. Assim, colocou o Al Hilal na decisão do Mundial, contra o vencedor do duelo entre o espanhol Real Madrid e o egípcio Al Ahly. O Flamengo, que descontou nos acréscimos com Pedro, enfrentará o perdedor pelo terceiro lugar.

É muito menos do que esperavam os torcedores rubro-negros. E menos do que gostaria Vítor Pereira, que já se vê pressionado após pouco mais de um mês de trabalho no Rio de Janeiro. Derrotado na Supercopa do Brasil pelo Palmeiras, caiu em Marrocos fazendo escolhas questionáveis, como a substituição de Everton Ribeiro quando o placar apontava 2 a 1.

Também foi questionada sua escolha de deixar o Corinthians ao fim de 2022, dizendo repetidas vezes que o motivo era a sogra enferma em Portugal. "Não vou a lugar nenhum. Preciso cuidar de minha família", disse, na despedida dos atletas alvinegros. Pouco depois, acertou contrato com a agremiação vermelha e preta.

O Flamengo havia conquistado a Copa do Brasil –em cima do Corinthians de Pereira– e a Copa Libertadores sob comando de Dorival Júnior. Mas preferiu mudar a direção técnica, apostando no português. Colheu uma eliminação precoce no Mundial, algo que só havia ocorrido com brasileiros três vezes (Internacional, em 2010, Atlético-MG, em 2013, e Palmeiras, em 2020).

Não adiantaram as reclamações de Vítor Pereira em Tânger - Susana Vera/Reuters

"O tempo de trabalho não é muito, mas eu sabia quando aceitei o desafio. O calendário já apresentava o Mundial de Clubes nesta altura", declarou, na véspera do confronto com o Al Hilal.

Ele não se saiu bem no desafio.