sábado, 14 de janeiro de 2023

A ciência disruptiva, que muda a maneira como vemos o mundo, está em queda, Fernando Reinach, OESP

 A vida de um cientista é dedicada a retirar os véus que encobrem a realidade. É por isso que usamos a palavra descobrir para descrever um sucesso científico. Mas nem todas as descobertas têm a mesma importância. Algumas modificam a maneira como vemos o mundo e são chamadas de descobertas disruptivas. Um exemplo clássico é a descoberta de Galileu de que a Terra gira em torno do Sol e não o Sol que gira em torno da Terra.

Galileu tirou o véu que cobria a estrutura do Sistema Solar. Depois dele, a astronomia tomou um outro caminho. É uma descoberta disruptiva. Mas a maioria das descobertas são incrementais. Um bom exemplo é o trabalho dos naturalistas que passaram séculos descobrindo e descrevendo novas espécies de plantas e animais, e continuam a fazer isso até hoje. Cada nova espécie descoberta adiciona um tijolinho no nosso conhecimento sobre a biodiversidade do planeta, mas não muda radicalmente nossa visão sobre a realidade. Essas são descobertas chamadas incrementais.

Você pode imaginar que a ciência incremental é menos importante, pois sem dúvida ela é menos glamorosa e dificilmente vai ser agraciada com um prêmio Nobel. Mas a verdade é que as descobertas disruptivas dependem do conhecimento acumulado por centenas ou milhares de descobertas incrementais para acontecerem.

Um bom exemplo é a descoberta feita por Darwin. Centenas de cientistas haviam descrito as diferenças e semelhanças entre espécies e as diferenças de forma entre seres vivos da mesma espécie. Foi nessa coleção de descobertas incrementais que Darwin se apoiou para propor uma explicação de como essas diferenças surgiam e se fixavam, gerando novas espécies através da seleção natural. E foi assim que surgiu a Teoria da Evolução, uma descoberta disruptiva que mudou os rumos da Biologia.

Nas últimas décadas, com a profissionalização crescente da carreira de cientista, e com a avaliação dos cientistas sendo baseada no número de descobertas publicadas, surgiu a desconfiança que cada vez menos cientistas estavam buscando descobertas disruptivas e que a maioria dos cientistas estava trilhando o caminho da ciência incremental, onde os riscos e os desafios são menores. Mas como medir se isso é verdade?

As descobertas disruptivas, com a Teoria da Evolução de Charles Darwin, dependem do conhecimento acumulado por centenas ou milhares de descobertas incrementais para acontecerem.
As descobertas disruptivas, com a Teoria da Evolução de Charles Darwin, dependem do conhecimento acumulado por centenas ou milhares de descobertas incrementais para acontecerem.  Foto: Jonne Roriz/Estadão

Método

A novidade é que um grupo de cientistas descobriu um método capaz de distinguir trabalhos científicos disruptivos de trabalhos científicos incrementais. É um índice que mede a disruptividade de cada trabalho. Com essa metodologia, eles calcularam a disruptividade de cada um dos 45 milhões de trabalhos científicos publicados durante 65 anos (1945-2010). Isso exigiu um esforço brutal de computação, mas valeu a pena.

O índice de disruptividade envolve matemática e estatística complexa, mas o princípio é fácil de entender. Cada trabalho científico cita em sua bibliografia os trabalhos que foram publicados anteriormente, e nos quais o cientista se baseou. Para calcular o índice de disruptividade de um trabalho, os cientistas mapearam como os trabalhos científicos publicados cinco anos depois citavam o trabalho original. Imagine um trabalho qualquer publicado em 1980. O que foi feito foi identificar nos bancos de dados dos trabalhos publicados em 1985 (cinco anos depois) todos que citavam o trabalho de 1980. E analisar nessa coleção de trabalhos como o trabalho de 1980 era citado.

Quando um trabalho é disruptivo e redireciona um campo científico, ele é citado como a fonte da ideia e os trabalhos anteriores são esquecidos. Exemplo: depois de Galileu, quem escrevesse sobre o Sistema Solar se referia a Galileu e não às pessoas que acreditavam que o Sol girava ao redor da Terra.

Já no caso de um trabalho incremental, ele vai ser citado junto com os trabalhos que vieram antes dele. Exemplo: um cientista que descobre um novo beija-flor em 1985 vai citar no seu trabalho a descoberta do beija-flor feita em 1980 e de todos os beija-flores descobertos nos últimos séculos. Essa diferença de como um trabalho é citado cinco anos depois é o índice de disruptividade do trabalho. E esse índice foi calculado para cada um dos 45 milhões de trabalhos científicos publicados nos 65 anos, em todas as áreas da ciência.

Fração mínima

De posse desses dados, os cientistas fizeram um gráfico onde colocavam, ao longo dos anos, a média do índice de todos os trabalhos publicados em cada ano. O que eles observaram é que a disruptividade média caiu entre 95% a 99% ao longo desse período de 60 anos em todos os ramos da ciência. Ou seja, hoje uma fração mínima dos trabalhos científicos publicados a cada ano são verdadeiramente disruptivos.

Mas isso não conta toda a história, pois a quantidade total de trabalhos publicados pelos cientistas a cada ano aumentou quase 10 vezes nesses 60 anos. Olhando o número absoluto de trabalhos disruptivos publicados a cada ano (e não a fração do total), foi possível verificar que a quantidade de trabalhos disruptivos se manteve constante (alguns milhares por ano) ao longo dos 60 anos.

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O que isso quer dizer é que o crescimento da produção científica ao longo dessas décadas ocorreu através de um aumento nos trabalhos incrementais sem que os disruptivos acompanhassem esse crescimento. O resultado é que a porcentagem de trabalhos disruptivos caiu violentamente ao longo do tempo.

As possíveis razões para essa mudança são complexas, mas seguramente envolvem a avaliação dos cientistas preferencialmente pela quantidade de trabalhos publicados e não pela originalidade e disruptividade dos trabalhos. Envolve também a preferência das agências financiadoras por projetos incrementais e a aversão ao risco envolvido no financiamento e execução de trabalhos disruptivos.

Agora que sabemos dessa mudança na natureza da ciência, duas grandes questões precisam ser respondidas. Esse aumento na quantidade de trabalhos incrementais é saudável? E como fazer para incentivar que mais projetos disruptivos sejam financiados e executados pela comunidade científica. Esse é um problema que vem sendo atacado por agências financiadoras na Europa e Estados Unidos.

No Brasil, um modelo que privilegia esse tipo de projeto vem sendo posto em prática pelo Instituto Serrapilheira, que somente financia projetos com potencial disruptivo. Em São Paulo, a Fapesp tem caminhado de maneira tímida nessa direção.

Mais informações: Papers and patents are becoming less disruptive over time. Nature 2023

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Região Centro-Oeste lidera a geração de energia limpa no Brasil, FSP

 Luiz Antônio del Tedesco

SÃO PAULO

Os dados relacionados às fontes alternativas de energia no Centro-Oeste revelam como a região está empenhada em diminuir a dependência de combustíveis fósseis, minimizar impactos ambientais e reduzir gastos com energia.

Entre as cinco regiões do Brasil, a Centro-Oeste é a que mais utiliza fontes renováveis em sua matriz energética, com 58% do total. No caso específico da energia elétrica, 87% dela no Centro-Oeste vem de fontes renováveis, bem acima da média nacional (74%).

A biomassa produzida pelo setor sucroalcooleiro, que no país representa 17,5% da oferta de energia, é responsável por 33% da energia do Centro-Oeste. E os investimentos em pesquisa e inovação no setor de biomassa continuam crescendo na região.

 
Laboratório do ISI - Instituto Senai de Inovação em Biomassa, em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul
Máquina de pirólise, que decompõe estruturas da biomassa, no ISI Biomassa, em Três Lagoas (MS) - Divulgação

ALÉM DA ENERGIA

Uma das principais iniciativas tecnológicas para aprimorar o aproveitamento da biomassa foi a inauguração em Três Lagoas (MS), em dezembro de 2017, do Instituto Senai de Inovação em Biomassa, o ISI Biomassa.

Com investimento de R$ 35 milhões, a estrutura de 4.900 m², que ocupa os antigos galpões de manutenção da rede ferroviária Noroeste do Brasil, agrupa seis laboratórios de pesquisa aplicada, nos quais trabalham seis doutores, dois mestres, dois técnicos e dois estagiários.

As pesquisas ali desenvolvidas também são voltadas a aprimorar o rendimento da biomassa como fonte energética, mas vão muito além desse objetivo.

“Nosso lema é transformar biomassa para agregar valor”, diz Carolina Andrade, doutora em biotecnologia na Alemanha e diretora do ISI Biomassa. “Poucos países têm a disponibilidade de biomassa que nós temos aqui, mas não podemos simplesmente vender a biomassa como commodity. Nosso desafio é desenvolver tecnologias, em parceria com a indústria, para que isso se reverta em bens ao setor e ao país.”

“Queimar bagaço de cana para produzir vapor, todo mundo faz. Mas pegar uma parte desse bagaço e dele tirar produtos com alto valor agregado, como solventes e outras matérias-primas, é uma outra história”, diz José Paulo Castilho, engenheiro químico, coordenador de pesquisa do instituto.
 

E é por meio de processos químicos e biológicos que o ISI agrega valor à biomassa.

Um exemplo recente desse trabalho foi o desenvolvimento de um composto obtido do amido da mandioca para substituir uma resina derivada do petróleo que uma indústria de tintas usava na fórmula da massa corrida. O novo composto, além de ter a vantagem de não ser derivado do petróleo, reduziu o custo de fabricação do produto.

Carolina dá outro exemplo da importância das pesquisas. “Você planta um eucalipto e vai esperar sete anos para ver se aquela variedade é boa? Vai esperar quantos meses para ver se a cana é produtiva?

Usando técnicas e estratégias de biologia molecular, podemos identificar em laboratório, no genoma da planta, quais são as melhores variedades a serem exploradas. Então, se surge a pergunta ‘é possível eu avaliar a qualidade da cana ou do eucalipto antes de plantá-los?’, nós podemos responder: ‘Sim, é possível’.”

Estudo aponta relação entre esquizofrenia e alterações vasculares no cérebro, Fapesp

 Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Estudo publicado na revista Molecular Psychiatry sugere que a esquizofrenia pode estar relacionada com alterações na vascularização de determinadas regiões do cérebro. No trabalho, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) observaram que células neurais (astrócitos) derivadas de pacientes com a doença induzem a formação de um maior número de vasos – só que mais finos –, o que pode afetar a rede vascular de algumas áreas cerebrais.

A esquizofrenia é considerada um transtorno mental grave e multifatorial, podendo afetar até 1% da população mundial. Entre os sintomas comuns estão a perda de contato com a realidade (psicose), alucinações (ouvir vozes, por exemplo), falsas convicções (delírios), pensamento e comportamento anômalos, diminuição da motivação e piora da função mental (cognição).

No estudo, os pesquisadores centraram as atenções no papel dos astrócitos – células essenciais para a manutenção dos neurônios e que funcionam como usinas energéticas do sistema nervoso central – no desenvolvimento da doença. Além de apontar novos alvos terapêuticos, o estudo avança no entendimento de mecanismos moleculares da doença.

“Mostramos que os astrócitos podem estar envolvidos com uma alteração na espessura dos vasos do cérebro. E isso pode estar relacionado com um fator importante da esquizofrenia: a diminuição no fluxo metabólico [produção de energia] em certas regiões cerebrais. “Isso reforça o papel dos astrócitos como um elemento central da doença, tornando-os um alvo para novas terapias”, explica Daniel Martins-de-Souza, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos autores do artigo.

O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de um Projeto Temático e de Bolsa de Pós-Doutorado concedida a Juliana Minardi Nascimento, primeira autora do artigo ao lado de Pablo Trindade, da UFRJ e do Idor.

Alteração na vascularização

Os pesquisadores compararam astrócitos derivados de células da pele de pacientes com esquizofrenia com os derivados de pessoas sem a doença. Essa parte do estudo foi realizada no laboratório de Stevens Rehen, pesquisador do Idor e professor do Instituto de Biologia da UFRJ.

Para isso, a equipe reprogramou as células epiteliais de pacientes com esquizofrenia e as do grupo-controle para que regredissem a um estágio de pluripotência característico de célula-tronco (células-tronco pluripotentes induzidas ou iPSCs). Em seguida, induziu-se a diferenciação das células, transformando as iPSCs em células-tronco neurais (que podem dar origem tanto a neurônios como a astrócitos).

"Estudos anteriores já haviam sugerido que tanto anormalidades moleculares quanto funcionais dos astrócitos poderiam estar envolvidas na patogênese da esquizofrenia. Em nosso trabalho, comprovamos essa relação a partir de estudos com células-tronco pluripotentes induzidas. Sem essa técnica seria impossível estudar os astrócitos da maneira como fizemos”, explica Martins-de-Souza.

Com os astrócitos derivados de pacientes e de controles saudáveis os pesquisadores realizaram dois testes. Primeiro, foi feita uma análise proteômica (que identifica o conjunto de proteínas presentes na amostra), no Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp, verificando a variação de proteínas expressas nas células-controle e nas de pacientes com esquizofrenia.

“Avaliando a proteômica das células com esquizofrenia observamos alterações imunes associadas aos astrócitos. Também encontramos diferenças em citocinas inflamatórias e diversas outras proteínas que indicavam uma ação angiogênica [que favorece o crescimento de novos vasos] na vascularização cerebral”, informa Nascimento.

Depois da análise proteômica, os pesquisadores realizaram ensaios funcionais. Observou-se que a resposta inflamatória dos astrócitos de pacientes estava alterada e que as substâncias que liberavam afetavam a vascularização. A realização desses ensaios foi parte do pós-doutorado de Trindade.

Para isso, os pesquisadores utilizaram um modelo de sistema vascular baseado na membrana que envolve o embrião de galinha. Conhecida como CAM (sigla em inglês para membrana corioalantoica embrionária de ovos de galinhas), a metodologia tem sido empregada para estudar o efeito de substâncias na vascularização de tecidos.

Esse ensaio foi conduzido por colaboradores da Universidad de Chile (Chile). “Basicamente, colocamos os meios condicionados de astrócitos, contendo todas as substâncias que estas células secretam, dentro da região vascular de ovos fertilizados. Conforme as células vasculares vão se multiplicando, é possível verificar como se dá a formação dos vasos. Assim, é possível observar se as substâncias secretadas pelas células cultivadas induzem ou inibem a vascularização do ovo", conta Trindade.

Além de modificarem a vascularização, os astrócitos derivados de pacientes com esquizofrenia apresentavam um perfil crônico de inflamação. “É sabido que os astrócitos são células neurais que têm o papel de regular a resposta imune na região. Portanto, é possível que eles estejam promovendo uma vascularização mais imatura ou menos eficiente. Verificamos que, em comparação ao grupo-controle, os astrócitos derivados de pacientes secretam uma quantidade maior de interleucina-8, um sinalizador de inflamação e suspeito de ser o principal agente da disfunção vascular associada à esquizofrenia”, explica o pesquisador à Agência FAPESP.

Os autores ressaltam que os achados reforçam o papel do neurodesenvolvimento na esquizofrenia, que, ao que tudo indica, é mediado pelos astrócitos.

"Os sintomas da doença geralmente se manifestam quando se é um jovem adulto. Mas, como mostramos no trabalho, as células gliais nesses pacientes são diferentes desde o princípio, o que interfere no neurodesenvolvimento ainda no útero. A diferenciação e a formação do cérebro ocorrem de forma alterada. Portanto, pode ser que, durante a maturação do cérebro, aconteçam fatos como o que verificamos no estudo: uma vascularização sistematicamente alterada levando à malformação de circuitos cerebrais que pode desencadear a esquizofrenia na idade adulta”, diz Nascimento.

Outra contribuição do estudo foi alertar para a importância dos astrócitos nas doenças neurológicas. “O papel das células da glia, como é o caso dos astrócitos, não só na esquizofrenia, mas nas doenças neurológicas em geral tem sido um achado recente, pois havia uma visão muito neurocêntrica de investigar mais o papel dos neurônios. Não deixa de ser uma forma de ampliar nossa visão e entendimento sobre a doença”, avalia Martins-de-Souza.

O artigo Induced pluripotent stem cell-derived astrocytes from patients with schizophrenia exhibit an inflammatory phenotype that affects vascularization pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41380-022-01830-1.