sexta-feira, 11 de março de 2022

Preço é informação que torna mercados eficientes, Hélio Schwartsman, FSP

 É possível que as sanções econômicas que a comunidade internacional baixou contra a Rússia surtam efeito. Empobrecer repentinamente a elite e a classe média de um país é uma receita infalível para minar a popularidade do governante de plantão. A incógnita é se Putin ainda depende do apoio de seus súditos para manter-se no poder ou se já criou uma estrutura sólida o bastante para resistir a pressões internas.

De certo, temos que, se são os russos que experimentarão as piores dores das sanções, o resto do mundo também sofrerá.

Os efeitos mais imediatos se dão sobre os preços de combustíveis e grãos —e isso num contexto em que a inflação já é elevada globalmente. O governo brasileiro procura uma fórmula que permita moderar as altas no diesel, na gasolina e no gás. Penso que a proposta até faria sentido, se achássemos que o encarecimento do petróleo é transitório. Eu receio, porém, que esse seja o cenário menos provável. A menos que Putin caia e as sanções sejam retiradas, o embargo à economia russa deve gerar escassez por algum tempo. E, aí, tentar evitar os aumentos é como enxugar gelo.

Uma das principais razões por que a economia de mercado é eficiente é que os preços refletem informações relevantes sobre a disponibilidade de produtos e as distribuem para milhões de agentes, que têm liberdade para se posicionar de modo a satisfazer suas necessidades da melhor forma possível. E a informação essencial, que não deve ser escondida, é que, com a guerra e as sanções, o petróleo se tornou um bem mais escasso do que era antes. É com base nela que surgirão soluções, ainda que não indolores.

É o preço alto que faz com que as pessoas gastem menos combustível e que países e empresas petrolíferas aumentem a produção. O petróleo caro funciona também como estímulo ao desenvolvimento de fontes alternativas de energia, do que o mundo depende para mitigar o desastre climático.

O machismo nosso de cada dia, Angela Alonso, FSP

 Quem tem data comemorativa —dia do índio, da consciência negra, da pessoa com deficiência, da comunidade LGBTQ+, etc— é porque está lascado. Se direitos e oportunidades tivessem distribuição equânime, o tributo seria dispensável.

A deferência é simbólica e temporária. Corre uma conversa desnivelada, na qual cidadãos plenos falam a infracidadãos. Há os solidários, os paternalistas, e os homenageadores ocasionais, que derramam louvações, flores e galanteios. No dia seguinte, as rosas murcham, se esfumam as amabilidades e o reconhecimento vira preconceito.

Este 8 de março seguiu o roteiro: homens aplaudindo mulheres em todas as mídias. Mas simpatia não é ação e, no longo resto do ano, ninguém liga, além das interessadas. Políticas inclusivas para mulheres têm sido, quase sempre, produzidas por elas mesmas.

Manifestação na avenida Paulista, em apoio ao Dia das Mulheres - Bruno Santos - 8.mar.22/Folhapress

Existem mulheres e mulheres, claro. Uma parte saiu em protesto por menos confete e mais prerrogativa. Já o mundo das conservadoras segue o doméstico. A filha de Ives Gandra honra o pai, em campanha pela família tradicional. A primeira-dama se circunscreve à religião e à filantropia. São estas últimas senhoras, nas palavras do presidente, as "praticamente integradas à sociedade".

Palavra diz muito. Integrar é subsumir: "Nós as auxiliamos. Nós estamos sempre ao lado dela. Não podemos mais viver sem ela." Assim falou Bolsonaro no anúncio do que antes criticara como "Auxílio Modess", a disponibilização de absorventes para quem não os pode comprar. Cerimônia regada a risinhos, gravata rosa e cálculo, já que boa parte do eleitorado feminino lhe nega voto.

Bolsonaro não anda sozinho. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos acha o governo "cor-de-rosa". Negligenciou o azulão ofuscante do "Ciclo Brasil de Ideias - Mulher", com o ministro da economia, dois candidatos ao governo paulista e os presidentes da Câmara e da República, que resumiu a Bíblia compartilhada: "Assim como a mulher foi feita do homem, assim também o homem nasce da mulher e tudo vem de Deus." O Criador, pelo jeito, mandou não convidar filhas de Eva.

O estilo extravasa a política. O procurador-geral da República deu contribuição. Reforçou a função feminina na família — https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/aras-e-criticado-apos-dizer-que-mulheres-tem-o-prazer-de-escolher-a-cor-das-unhas.shtml"mãe" e "filhas"— e de enfeite, destinada ao "prazer de escolher a cor da unha que vai pintar" e "o sapato que vai calçar."

Embora nem sempre se vocalize tão cristalina, a defesa da desigualdade de gênero permeia o cotidiano. Senhores comandam a maioria de governos, partidos, empresas, universidades. Auferem mais prestígio, na forma de prêmios, nomes de rua, estátuas e que tais. Na economia, não importa o ramo, ganham sistematicamente mais. Pesquisa da FGV desta semana estimou em quase 20% a diferença salarial em mesmas posições. São masculinos dois terços do topo da renda.

Por isso, o escândalo ucraniano do MBL —o filho da mamãe e Renan dos Santos, com seu "tour de blonde"— apenas causou porque vazou. O "menino" que trata mulher como objeto de compra, uso e abuso falou no grupo do futebol o que muito marmanjo, inclusive à esquerda, diz no escurinho do zap. A objetificação feminina à boca pequena é recorrente, só pasma se vem à tona.

É o grau de exposição, não o cerne do juízo, o que distingue os machões em cargo público do machistinha nosso de cada dia. Ambos solidários com presidente no grito a uma repórter: "Cala a boca!"

Há muita mulher submissa, mas é cada vez mais volumosa a turma das que, como se viu nesta semana, não se calam. Nem se calarão.